Nova pesquisa mostra como a combinação de altas temperaturas, secas intensas e os incêndios causados pelo homem resultaram em uma perda florestal dramática na bacia do Baixo Tapajós, no oeste do Pará
- De acordo com os autores, a redução florestal fez com que um dos maiores sumidouros de carbono do mundo gerasse quase 500 milhões de toneladas de emissões de CO2, uma quantidade maior do que as emissões anuais de países desenvolvidos como o Reino Unido e a Austrália.
- Devido às mudanças climáticas, cientistas preveem que secas extremas mais frequentes afetem a maior parte da Bacia Amazônica neste século; neste cenário, o El Niño de 2015 pode ser visto como uma janela para o futuro.
A grande seca e os incêndios florestais pelos quais a Amazônia passou nos últimos anos causaram a morte de 2,5 bilhões de árvores e cipós na bacia do Baixo Tapajós, uma das regiões mais ricas biologicamente da Amazônia e lar de um grande número de grupos indígenas e comunidades ribeirinhas.
Esta catástrofe ecológica é consequência de um período especialmente intenso de El Niño entre 2015 e 2016. El Niño é um fenômeno climático associado ao aquecimento das correntes do Oceano Pacífico que tem uma influência global sobre o clima. O resultado da mortandade de árvores não é apenas evidente na paisagem, e seus efeitos foram agora quantificados em termos de emissões de gases de efeito estufa num estudo recente.
O Baixo Tapajós é uma área de 6,5 milhões de hectares no oeste do Pará constituída por um misto de florestas virgens e trechos alterados pelo homem, que sofre grande pressão por parte da expansão agrícola, da mineração e da expansão madeireira. Durante o El Niño de 2015-2016, foi o epicentro de anomalias climáticas na Amazônia, daí a razão de ter sido o objeto deste estudo.
A perda considerável de árvores e cipós ocorreu durante um aumento de 1,5 a 2 graus Celsius nas temperaturas em relação àquelas observadas durante períodos anteriores do El Niño. Ao mesmo tempo, a intensidade da estação seca, medida pelo déficit de água, foi a maior do registro histórico de 19 anos incluído no estudo.
De acordo com os pesquisadores, o episódio transformou essa região, que equivale a 1% do bioma Amazônia, em uma considerável fonte de emissão de carbono, gerando 495 milhões de toneladasao longo de três anos. Isso equivale à queima de mais de 4,2 bilhões de barris de petróleo.
‘Uma janela para o futuro’
Para entender os impactos combinados do El Niño, das secas e dos incêndios, os cientistas realizaram pesquisas trimestrais de outubro de 2015 a outubro de 2018, nas quais monitoraram o destino de 6.117 caules árvores, palmeiras e cipós em 21 lotes.
“Analisamos se cada indivíduo em nossos lotes estava vivo ou morto depois de três anos”, diz a autora principal do estudo, Erika Berenguer, pesquisadora das universidades de Lancaster e de Oxford, no Reino Unido. “Começamos antes do El Niño de 2015 e continuamos a fazê-lo durante e depois do evento.”
Berenguer conta que chegaram a três principais descobertas: primeiro, a mortalidade permaneceu acima dos níveis esperados durante três anos nas florestas afetadas pela seca do El Niño, e por dois anos e meio nas florestas afetadas pela seca e pelo fogo. “Este efeito de longo prazo ainda não tinha sido quantificado”, diz ela.
Em segundo lugar, as árvores localizadas em florestas que tinham sido afetadas por atividades humanas anteriormente, tais como a extração seletiva de madeira e incêndios no sub-bosque, tinham maior probabilidade de morrer após a seca e os incêndios, demonstrando que as florestas modificadas pelo homem são menos resistentes.
E terceiro lugar, a quantificação das 495 milhões de toneladas de CO2 emitidas nesses três anos, uma quantidade mais alta do que as emissões anuais de países desenvolvidos como o Reino Unido e a Austrália. “Isso é crucial para mostrar que as perturbações que estão acontecendo na Amazônia podem ter impactos globais significativos”, alerta Berenguer.
Berenguer acrescenta que não esperava encontrar níveis tão altos de mortalidade. Entre as árvores com um diâmetro de pelo menos 10 centímetros à altura do peito encontradas nos locais de estudo, a taxa de mortandade foi cerca de 75%; para árvores menores, foi de 90%. “Ainda assim, não esperávamos que, em nível regional, o número chegaria aos bilhões”, diz.
Segundo a pesquisadora, as descobertas do estudo são importantes porque mostram os impactos altamente negativos que uma seca intensa, especialmente se associada a incêndios, pode ter sobre a mortalidade de árvores e, consequentemente, sobre as emissões de CO2.
“Embora a próxima seca extrema não seja evitável, os incêndios são, e estes são necessariamente iniciados por seres humanos. Assim, é crucial desenvolver estratégias mais eficientes de gerenciamento de incêndios na Amazônia”, diz Berenguer.
Paulo Brando, professor assistente do Departamento de Ciência do Sistema Terrestre na Universidade da Califórnia em Irvine (EUA), diz concordar com Berenguer. Segundo ele, a Amazônia poderia fornecer serviços muito mais eficientes se os incêndios e outros motivos de degradação florestal não fossem tão prevalentes. “As florestas podem se recuperar de secas episódicas, mas têm uma dificuldade muito maior quando somam-se outras perturbações causadas pelas atividades humanas”, diz Brando.
De acordo com Brando, que não esteve envolvido nesse estudo específico (embora tenha estudado secas e incêndios extensivamente na Amazônia), essas novas descobertas são relevantes porque poucos estudos analisaram em tanto detalhe a resposta das florestas tropicais à seca e a incêndios.
“O que os autores descobriram é surpreendente. Árvores estressadas pela seca podem ter uma mortalidade maior por muitos anos, provavelmente devido aos danos causados a seus sistemas hidráulicos. E a magnitude da mortalidade é alta, sendo capaz de mudar o equilíbrio de carbono em toda a região”, explica Brando.
Contudo, ele diz que as novas descobertas não são necessariamente evidências de um “ponto de virada”. Em vez disso, ele afirma que a pesquisa enfatiza muito bem “o que os cientistas já sabem: que as florestas da Amazônia têm uma resiliência alta porém limitada a múltiplos fatores de estresse.”
“O que é novo e importante é a quantificação do quanto esses fatores estressantes limitam a capacidade das florestas tropicais de desempenharem um papel mais importante em estabilizar o clima através do sequestro de carbono. A pesquisa também ressalta que as mudanças no clima e no uso da terra que estão acontecendo em grandes porções da Amazônia podem causar mudanças similares. Quer chamemos isso de ponto de virada ou de primeiros sinais de uma ampla degradação é discutível”, diz Brando.
Berenguer diz que são necessários mais estudos sobre as consequências do El Niño devido à sua relação próxima com as mudanças climáticas, uma vez que o aumento das temperaturas resultará em secas mais extremas.
“Embora haja inúmeros estudos mostrando os impactos de secas anteriores, a maioria não acompanhou os impactos da seca ao longo do tempo, então não sabíamos a duração de seus efeitos sobre a mortalidade. Nenhum estudo até então havia acompanhado a mortalidade antes e depois de incêndios florestais”, diz Berenguer.
Ambos os pesquisadores preveem que secas extremas mais frequentes devem afetar a maior parte da Bacia Amazônica neste século devido às mudanças climáticas. “Assim, o El Niño de 2015 pode ser visto como uma janela para o futuro, a partir da qual temos insights valiosos sobre a magnitude dos impactos dessas secas extremas”, conclui Berenguer.