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Negociações técnicas na COP24 empacam em temas espinhosos, como a diferenciação entre países ricos e pobres e a menção a 1,5 ºC no documento, vetada pelos sauditas; chefes de delegação tentam acordo nesta semana

Dante Alighieri não viveu para conhecer a diplomacia moderna, caso contrário teria acrescentado mais uma modalidade de tortura à sua Divina Comédia. Ela consiste no seguinte: diplomatas de 196 nações passam uma semana inteira tentando negociar questões fundamentais para o futuro da humanidade, sabendo que fracassarão ao final do sétimo dia e precisarão chamar ministros de Estado para resolver tudo na semana seguinte. Todas as conferências do clima da ONU repetem o mesmo ritual, e a COP24, em Katowice, na Polônia, não é diferente.

Nesta segunda-feira (10), ministros de Meio Ambiente do mundo inteiro desembarcam na capital europeia do carvão para tentar finalmente fechar o chamado Programa de Trabalho do Acordo de Paris, ou “PAWP”, na sigla em inglês. Esse documento, por enquanto com cem páginas, contém instruções detalhadas de como botar o acordo do clima para funcionar na prática a partir de 2020.

É o resultado mais importante da COP24, e provavelmente o manual de operações mais importante já publicado na história, porque definirá como o mundo deverá proceder para manter o aquecimento global no limite mais ou menos seguro de 1,5 ºC neste século. Os ministros têm até sábado para deixá-lo pronto. O problema dantesco que eles terão de enfrentar ao longo desta semana é que a negociação técnica, para variar, empacou em pontos cruciais, que dependerão de negociações políticas e muitas concessões de todas as partes. A começar, por incrível que pareça, da própria menção ao limite de 1,5 ºC no documento.

No sábado, a Arábia Saudita, maior produtor mundial de petróleo, os EUA, a Rússia e o Kuwait vetaram a menção no livro de regras ao relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) que trata do aquecimento global de 1,5 ºC. O documento havia sido encomendado pela própria Convenção do Clima em 2015, para avaliar se e como seria viável manter o limite de 1,5 ºC ao aquecimento da Terra. Sua principal mensagem, apresentada à COP24 pelo painel na última terça-feira, é de que o mundo tem apenas 12 anos para reduzir emissões em 45% se quiser ter alguma chance de ficar nesse limite. Como as decisões na ONU se tomam por consenso, basta um país dizer não para alguma coisa não sair.

Reconhecer o relatório do IPCC no PAWP é fundamental, já que é ele quem dá substância ao objetivo do Acordo de Paris de “envidar esforços para limitar o aquecimento global a 1,5 ºC”. Ele baliza a ambição necessária para o corte de emissões nos próximos anos. Em vez de dizer que a convenção “dá as boas vindas” ao relatório, o rascunho que será enviado aos ministros “toma nota” das conclusões do IPCC – uma expressão mais chocha, que amarra menos os países às conclusões do painel científico.

“É importante que este processo se lembre de que o relatório foi encomendado pela COP e para a COP. A COP precisa reconhecer o que saiu e tem de conseguir iniciar um processo de genuína reflexão global sobre ambição”, disse Elina Bardram, representante da União Europeia.

Os ambientalistas esperam que os ministros em Katowice possam devolver o IPCC ao seu devido lugar no texto final do livro de regras, mas é provável que a linguagem sugerida permaneça. Afinal, este ponto está longe de ser o único item conflituoso deixado para a decisão política.

Perdas e danos

Considere o tema das perdas e danos, por exemplo. Cinco anos atrás, nesta mesma bat-Polônia, a COP19 criou o Mecanismo de Varsóvia de Perdas e Danos, pelo qual países pobres poderiam acessar recursos para se recuperar de eventos climáticos extremos aos quais não é mais possível adaptação, como superfuracões. Os países em desenvolvimento conseguiram inserir um texto sobre perdas e danos no Acordo de Paris, mas os desenvolvidos, como a União Europeia (que se vende como “mocinha” das negociações e sempre pressiona por ambição em corte de emissões), não querem saber de dar destaque para isso no livro de regras – para não terem de assumir a responsabilidade pelo aquecimento atual, que é sobretudo dos ricos. Fizeram menção a perdas e danos apenas como uma parte das regras sobre adaptação e tentam borrar a diferença entre financiamento para perdas e danos do financiamento para adaptação. “Assim como há negacionistas do IPCC, existem os negacionistas do impacto nos países pobres”, disse uma observadora das negociações, numa crítica aos ricos.

Falando em financiamento, o debate sobre quem paga a conta e como também está empacado. Este é sempre o tema mais sensível das negociações. Há amplo acordo sobre o Fundo Verde do Clima, que precisa chegar a US$ 100 bilhões por ano a partir de 2020, mas não há martelo batido sobre a ampliação das finanças climáticas após 2025. Pior ainda, alguns países agora clamam “status especial” para pular fora de obrigações. A Turquia, membro da OCDE, começou a COP causando para sair do chamado Anexo 1, o grupo dos países industrializados (com obrigação de pagar). O debate está em aberto.

Contabilidade “flex”

A diferenciação entre países ricos e pobres também atravancou outro ponto essencial do livro de regras, o chamado mecanismo de transparência. Trata-se da alma do PAWP: as instruções para verificar o cumprimento das metas nacionais e comparar as ações dos países. Isso é necessário porque as metas dos países em Paris, as chamadas NDCs, são todas voluntárias e cada uma foi construída de um jeito. É preciso unificar a linguagem para saber se o esforço de Paris está dando resultado. O mundo emergente pede “flexibilidade” para escolher metodologias menos estritas de contabilidade de carbono, enquanto os desenvolvidos querem regras iguais para todo mundo. Parece um detalhe, mas, como Dante Alighieri bem sabia, é aí que mora o diabo.

Também ficou pendurado na conta para os ministros pagarem o chamado “stocktake global”, ou GST, o “torniquete” do Acordo de Paris. É o mecanismo de ajuste periódico das NDCs de forma a alinhá-las com a necessidade do clima. O escopo dessas reuniões quinquenais ainda não foi definido.

Para além do livro de regras, um sinal sobre aumento de ambição também é um resultado fundamental que a COP24 precisa entregar. O IPCC diz que o corte de 45% das emissões precisa acontecer até 2030, só que a imensa maioria dos países tem NDCs inadequadas que valem até 2030. Ou seja, a ambição precisará ser ampliada no meio do caminho.

Nesta terça-feira (11) ocorre a fase política do Diálogo Talanoa, o primeiro exercício de terapia de grupo na convenção sobre a inadequação das metas de Paris, que deveria orientar o aumento da ambição das NDCs. Organizações ambientalistas, entre as quais o OC, esperam que Katowice produza um sinal concreto – na forma de texto – de que as metas precisam ser ajustadas antes do prazo. E aí volta-se à pedra de Sísifo, a menção a 1,5 ºC. “Os negociadores estão se dedicando muito ao livro de regras, mas não é só isso o que precisa sair daqui”, diz Yamide Dagnet, da ONG NDC Partnership.



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