Estudo revela que inuítes da Groenlândia têm níveis de PFAS e mercúrio acima do seguro, expondo desafios globais da poluição e da saúde indígena
A saúde dos inuítes, povo indígena do leste da Groenlândia, está sob grave ameaça devido à presença de substâncias químicas persistentes em sua dieta tradicional. Conhecidos como PFAS, ou “produtos químicos eternos”, esses compostos sintéticos se acumulam no ambiente e nos corpos dos animais que compõem a base alimentar dessas comunidades. Um estudo recente publicado na revista Cell Reports Sustainability alerta para os riscos de longo prazo associados a essa contaminação, que pode persistir por décadas.
Christian Sonne, pesquisador da Universidade de Aarhus, na Dinamarca, liderou o estudo que identificou níveis de PFAS no sangue dos inuítes 13 vezes superiores ao limite considerado seguro. A comunidade de Ittoqqortoormiit, com cerca de 300 habitantes, é uma das mais afetadas do mundo. A região, isolada e remota, recebe essas substâncias por meio de correntes marítimas e atmosféricas, que transportam poluentes de áreas industriais distantes.
Os PFAS são amplamente utilizados em produtos como embalagens de alimentos, utensílios de cozinha antiaderentes, tecidos à prova de manchas e retardantes de chamas. Desenvolvidos na década de 1940, esses compostos são altamente resistentes à degradação, persistindo no ambiente e nos organismos vivos por décadas. A exposição a esses químicos está associada a uma série de problemas de saúde, incluindo câncer, doenças hepáticas e renais, obesidade, colesterol alto e redução da eficácia de vacinas.
Além dos PFAS, os inuítes também apresentam níveis elevados de mercúrio e bifenilos policlorados (PCBs), substâncias proibidas nos Estados Unidos desde 1979. Esses compostos afetam o sistema imunológico, reprodutivo, nervoso e endócrino, além de serem cancerígenos. A contaminação por PCBs e mercúrio é agravada pela dieta baseada em animais marinhos, como focas e ursos polares, que acumulam essas toxinas em seus tecidos.
Sonne destaca que a situação é particularmente preocupante no leste da Groenlândia, onde a caça de ursos polares e focas aneladas é comum. Esses animais, no topo da cadeia alimentar, concentram quantidades significativas de poluentes em seus corpos. O pesquisador sugere que a diversificação da dieta poderia ajudar a reduzir a exposição a essas substâncias, mas reconhece que a mudança é desafiadora em uma região com recursos limitados.
O estudo também aponta a necessidade de regulamentações mais rigorosas para reduzir a produção e o uso de PFAS e outros compostos tóxicos. A indústria, segundo Sonne, deve ser pressionada a desenvolver alternativas menos nocivas e com menor potencial de dispersão no ambiente. Enquanto isso, as comunidades inuítes continuam vulneráveis, enfrentando um legado de contaminação que pode perdurar por gerações.
A pesquisa de Sonne e sua equipe serve como um alerta global sobre os impactos da poluição química em populações indígenas e ecossistemas remotos. A contaminação no Ártico, embora distante dos centros industriais, é um reflexo da interconexão global dos sistemas ambientais e da urgência em adotar medidas para proteger a saúde humana e a biodiversidade.