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Gás metano é 25 vezes mais perigoso para o aquecimento global do que o CO2 e compreensão sobre sua dinâmica tem mudado nos últimos anos

Mudanças recentes na compreensão sobre o comportamento do metano na Terra, além de dificuldades para fazer amplas medições do que é emitido pelos oceanos, podem ter feito com que as emissões globais do gás – cujas moléculas retêm 25 vezes mais calor do que as de gás carbônico – tenham sido subestimadas.

As consequências dessa emissão maior vão desde um aumento ainda mais acentuado nas temperaturas globais até a concretização da chamada hipótese da bomba de clatrato (estrutura cristalina). Segunda essa hipótese, o metano hoje depositado no subsolo marinho poderia subir à atmosfera e gerar uma extinção em massa como as que ocorreram na transição dos períodos Permiano e Triássico (há cerca de 250 milhões de anos) e no fim do Paleoceno e início no Eoceno (há 55 milhões de anos, aproximadamente).

“Com o derretimento do Ártico e da Antártica, provocado pelo aquecimento global, muito desse metano que estava preso embaixo das geleiras, na forma de hidrato de gás, começa a ser liberado”, disse Antje Boetius, pesquisadora do Instituto Max Planck de Microbiologia Marinha, em Bremen, na Alemanha.

Boetius foi uma das participantes da Escola São Paulo de Ciência Avançada em Metano, realizada em Ilhabela de 16 a 23 de outubro e encerrada na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), em Piracicaba, no dia 26.

“A ideia da Escola foi conseguir avançar nas novas fronteiras do conhecimento dessa área da ciência, principalmente em relação aos micro-organismos que produzem metano na natureza”, conta Vivian Pellizari, professora do Instituto Oceanográfico da USP e organizadora do evento. Além de palestrantes brasileiros e estrangeiros, participaram da Escola 73 alunos de pós-graduação e pesquisadores de pós-doutorado de 13 países além do Brasil.

“Para poder controlar as emissões é preciso conhecer a parte básica do metabolismo dos micro-organismos e dos seus hospedeiros. Novos grupos desses micro-organismos têm sido descritos nos últimos anos e ainda precisam ser mais bem compreendidos”, explicou Pellizari à Agência Fapesp.

No Brasil, os maiores responsáveis pelas emissões de metano são a criação de gado e as áreas alagadas, presentes na Amazônia e no Pantanal. Elas acumulam matéria orgânica em decomposição, reduzindo a concentração de oxigênio e gerando metano.

O gado, por sua vez, emite o gás como resultado do processo de digestão. Além disso, mudanças no uso do solo também impactam a proporção entre o metano que é liberado na atmosfera e o que é consumido.

Os micro-organismos do ambiente desempenham um grande papel na emissão global de metano. Embora recentes avanços tenham dado origem a novos conhecimentos, ainda há mais perguntas do que respostas em relação à quantidade global do gás, ciclagem biogeoquímica e microbiologia da metanogênese (geração do gás) e da metanotrofia (consumo do gás).

Atualmente, a busca por organismos que geram e consomem metano vai de ambientes criados pelo homem a alguns dos locais mais extremos na Terra. Na Escola também foram discutidas metodologias que poderão ser usadas para detectar presença de metano fora da Terra, como em luas de Júpiter. O metano seria um possível indicador de vida extraterrestre.

“O metano é um elemento-chave para a Astrobiologia e para conhecer mais sobre a origem da vida”, disse Ken Takai, da Jamstec, agência japonesa para ciência e tecnologia marinha e terrestre e um dos palestrantes no evento.

Além disso, outro tema discutido foi a recente aplicação do conhecimento em produção de bioenergia, gerenciamento de resíduos e em Agronomia.

“O metano formado no solo dificilmente chega à atmosfera se houver uma atividade biológica que consome esse gás. Mas, quando há desequilíbrio entre produção e consumo, acaba havendo liberação para a atmosfera. Para agricultura e solo, essa é uma das principais discussões colocadas aqui”, disse Fernando Dini Andreote, professor da Esalq-USP.

Gelo que queima

O hidrato de clatrato (ou hidrato de gás) é um cristal de água que encapsula gases, a maior parte metano, e que queima com facilidade. Por isso, é considerado pelo setor de energia como um possível combustível no futuro. Quando no subsolo marinho, sob baixas temperaturas, ele mantém estável o gás em seu interior.

“No entanto, temos evidências de que houve uma grande mudança no nível do mar ao longo da nossa história. A diminuição da pressão dos oceanos decorrente disso, além do aquecimento da água, é uma forma de liberar esse hidrato de gás. Como sabemos que houve um aumento das temperaturas marinhas, estamos provavelmente chegando a uma era ou período em que nunca antes na história humana houve tanto hidrato de gás sendo exposto”, disse Boetius.

A cientista alerta que no Ártico o quadro é especialmente preocupante, já que há muitos depósitos de hidrato de gás em partes rasas, apenas alguns metros abaixo do gelo. “O Ártico tem muitos e muitos quilômetros de mares rasos e eles podem ter grandes depósitos desses hidratos de gás. Atualmente, a maior parte do Ártico está congelado, mas não sabemos se estará até o fim do século”, disse.

Investimento em pesquisa

Além da quantidade de hidrato de gás, a própria emissão de metano dos oceanos como um todo é apenas estimada. Embora métodos para fazer as medições sejam conhecidos, seriam precisos muito mais pontos de medição do que os poucos existentes atualmente.

“Para esse tipo de levantamento precisamos de navios, robôs e engenheiros. É um esforço de alta tecnologia. Logo, poucos países no mundo têm condições de fazer esse trabalho, embora devessem medir emissões pelo menos em sua própria zona econômica exclusiva. Por isso, temos muito poucos dados”, conta Boetius.

A quantidade de metano emitida, portanto, pode estar subestimada, o que é dito nos últimos relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC): “Temos apenas estimativas baseadas em poucos dados científicos”.

Mudar esse quadro exige altos investimentos em pesquisa. No entanto, os Estados Unidos, segundo maior emissor de gases de efeito estufa do mundo, atrás apenas da China, recuou seus investimentos nos últimos dois anos.

“Os Estados Unidos têm um impacto desproporcional no clima por causa do estilo de vida, do jeito que gerimos nossa indústria. Contribuímos bastante para a quantidade de metano no mundo. Por conta disso, temos responsabilidade de fazer algo sobre isso”, disse Brendan Bohanann, da University of Oregon, um dos organizadores da Escola.

“Ao mesmo tempo, o financiamento para ciência nos Estados Unidos tem sido estável ou mesmo tem caído ao longo do tempo. Isso sem contar que tem havido uma queda geral na importância da ciência em determinar políticas no nível federal e isso é uma grande preocupação. Infelizmente, quando os Estados Unidos tomam uma decisão em nível nacional, isso tem um impacto global. Espero que o Brasil tome os Estados Unidos como um mau exemplo e não faça a mesma coisa”, alertou Bohanann.

Além de assistir a palestras, apresentar trabalhos e realizar atividades em grupo, os participantes fizeram visitas técnicas à Esalq e ao Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena).



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