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Mas que interações seriam essas? Estamos falando de fenômenos como polinização, dispersão de sementes, herbivoria, proteção biológica e doenças emergentes, dentre muitas outras

Por Cristina A. Kita e Marco A. R. Mello, do Jornal da USP | Infelizmente, a ciência vem passando por uma grave crise de confiança, iniciada nos anos 1950 e fortemente acelerada na última década. Essa crise nasceu de um negacionismo científico alimentado por notícias falsas e teorias da conspiração. Visando fazer a nossa parte para ajudar a resolver essa crise, acabamos de publicar um artigo escrito pela equipe do Laboratório de Síntese Ecológica, da USP. Nosso artigo propõe dez regras simples para melhorar a transparência, reprodutibilidade e usabilidade de informações científicas sobre interações entre organismos de espécies diferentes.

Mas que interações seriam essas? Estamos falando de fenômenos como polinização, dispersão de sementes, herbivoria, proteção biológica e doenças emergentes, dentre muitas outras. Para que possamos produzir conhecimento sobre esse tema com qualidade e confiabilidade cada vez maiores, precisamos tornar a ciência mais transparente. Temos que não apenas relatar para a sociedade as nossas descobertas, mas principalmente explicar como elas são feitas.

A chave para explicarmos nossas descobertas de forma mais clara está na iniciativa da ciência aberta. Uma ciência aberta possibilita não apenas refazer estudos científicos para checar seus resultados, mas também reutilizar os diversos tipos de informações contidas neles, incluindo dados brutos (na forma como foram coletados), dados processados (organizados ou resumidos para análise), métodos e resultados de análises. Uma reutilização eficiente dessas informações faz com que as verbas públicas investidas em um estudo tenham seu retorno aumentado de forma exponencial, porque mais e mais descobertas podem ser feitas a partir do mesmo conjunto de dados coletado originalmente.

Para que isso se torne realidade, precisamos melhorar a forma como relatamos essas informações. É como escrever uma receita de bolo. Sem informações precisas sobre os ingredientes e suas qualidades e quantidades exatas, os equipamentos usados e o modo de preparo, não é possível seguir corretamente a receita, muito menos fazer o bolo ou inventar novas variações desse bolo.

Infelizmente, muitos estudos publicados na literatura científica são como receitas de bolo incompletas. Além de não ser possível entender exatamente como foram feitos, torna-se virtualmente impossível refazê-los ou reutilizar suas informações. Temos notado essas limitações, pois somos um laboratório especializado em síntese. Ou seja, dependemos das informações produzidas por diferentes estudos primários ao redor do mundo, a fim de entendermos melhor como funcionam as interações entre espécies e como podemos aplicar esse conhecimento para resolver problemas práticos da sociedade. Isso envolve desde aumentar a produtividade de uma lavoura até restaurar uma floresta desmatada ou prever o surgimento de uma nova doença.

Naturalmente, a produção do conhecimento científico começa com os estudos primários feitos sobre esses temas e suas interpretações sobre os fenômenos naturais de interesse. Mas é só depois, através dos estudos secundários, especialmente as sínteses, que conseguimos enxergar o quadro maior. Assim, ligamos os pontos entre descobertas sobre um mesmo tema feitas em diferentes ambientes, países e continentes. Também acabamos enxergando as relações entre descobertas sobre diferentes temas.

Tendo tudo isso em mente, elaboramos o nosso guia com dez regras simples. Apontamos não apenas os principais problemas que detectamos, mas também sugerimos soluções para cada um deles. Assim, queremos melhorar não apenas a comunicação entre cientistas e a nossa eficiência na produção do conhecimento, mas também recuperar a confiança da sociedade em nós. Esperamos ainda que o nosso artigo possa inspirar a elaboração de outros guias com foco em outros temas.

Regra 1: Tudo está conectado

Um estudo científico envolve diferentes etapas, desde a formulação do problema de interesse até a publicação das descobertas. Essas etapas estão conectadas entre si e um compartilhamento eficiente de informações ajuda ainda a conectar diferentes estudos, além de promover uma melhor integração da equipe que desenvolveu o estudo com a sua comunidade. Incentivamos o uso dessas dez regras simples como um guia para aumentar a transparência, a reprodutibilidade e a usabilidade de estudos futuros. Nossas regras permitem ainda que se aumente o impacto dos estudos primários.

Regra 2: Relate claramente o escopo das suas unidades amostrais

As unidades amostrais são a base de qualquer análise gráfica ou numérica dos resultados de um estudo. Infelizmente, a falta de clareza ao reportá-las é um dos principais problemas encontrados em estudos primários. Nesta regra, explicamos como essa falta de clareza compromete não apenas as análises, mas também a compreensão dos leitores e usuários das informações. Além disso, por meio de exemplos, sugerimos formas simples de resolver esse problema.

Regra 3: Relate os seus métodos minuciosamente

Um dos principais desafios relacionados à reprodutibilidade de estudos primários é a falta de informações sobre como foi feita a coleta de dados. Nesta regra, explicamos como o relato incompleto dessas informações prejudica a reprodutibilidade desses estudos e quais são as consequências disso para a interpretação do problema de interesse. Para vencer esse desafio, apresentamos algumas informações cruciais que devem ser relatadas sobre o delineamento do estudo para aumentar sua reprodutibilidade e evitar interpretações equivocadas.

Regra 4: Conte em detalhes onde e quando você realizou o seu estudo

Infelizmente, informações sobre a área de estudo podem passar despercebidas. Nesta regra, mostramos como a falta dessas informações pode comprometer as análises de padrões espaciais e temporais das interações, prejudicando a reprodutibilidade e usabilidade do estudo. Com o objetivo de resolver essa questão, apresentamos algumas sugestões de ferramentas que auxiliam a georreferenciar a área de estudo e apontamos algumas informações essenciais para o entendimento não apenas do ambiente estudado, mas também das condições climáticas do período em que o estudo foi realizado.

Regra 5: Preste atenção à taxonomia

Identificar organismos no nível da espécie não é fácil. Talvez por isso, em muitos estudos, é comum vermos erros de nomenclatura variando de erros ortográficos a nomes científicos desatualizados. Nesta regra, discutimos brevemente como esses dois problemas afetam não apenas a interpretação e reutilização dos dados, mas até mesmo a busca de informações adicionais sobre as espécies envolvidas nas interações. Como solução sugerimos o relato de algumas informações que podem ajudar a identificar, pelo menos, organismos que potencialmente podem pertencer a espécies diferentes. Também listamos alguns bancos de dados taxonômicos e ferramentas computacionais que podem ajudar a nomear as espécies de forma correta e atualizada. Sugerimos ainda que todos os estudos sobre interações incluam na equipe taxonomistas especializados nos organismos estudados.

Regra 6: Forneça informações adicionais

Registrar e relatar informações não consideradas no plano original da coleta de dados podem ajudar a esclarecer fontes de viés e a interpretar resultados. Além disso, essas informações podem estimular a formulação de novas perguntas. Nesta regra, além de incentivarmos o relato de informações adicionais, listamos alguns exemplos de informações que valem a pena relatar.

Regra 7: Torne o seu conjunto de dados utilizável

Tornar um conjunto de dados utilizável é crucial para reanálises, novas análises e sínteses, porém nem sempre esses dados estão disponíveis de forma prática, o que dificulta sua extração a partir dos estudos primários. Nesta regra, apresentamos formas de compartilhar dados de modo a facilitar a extração manual e automatizada de dados, minimizando erros. Além disso, damos dicas sobre como organizar os dados em planilhas de forma eficiente para que eles sejam processados e analisados de forma eficiente. Também chamamos a atenção para o compartilhamento de informações que expliquem o conteúdo de cada planilha, ou seja, os metadados, e incentivamos o compartilhamento de dados e metadados em suplementos, banco de dados e repositórios on-line.

Regra 8: Relate o seu fluxo de análise minuciosamente

Hoje em dia, muitos estudos são analisados por programação, usando linguagens como R, Python, MATLAB, C++ ou Julia. Porém, muitos códigos não são compartilhados, o que dificulta muito o entendimento completo do fluxo de análise dos dados e a reutilização desses dados. Por isso, incentivamos fortemente não só o compartilhamento completo do código, mas também o arquivamento do código e dos dados processados em repositórios públicos on-line. Além disso, listamos algumas opções de repositórios especializados e gerais. Como forma de encorajar o uso de repositórios públicos, listamos também opções de licenças Creative Commons que permitem que o autor tenha controle sobre a forma de utilização de seus dados por outras pessoas.

Regra 9: Relate os seus resultados minuciosamente

O relato incompleto de resultados de análises dificulta a extração de dados e afeta significativamente a confiabilidade e a usabilidade do estudo. Nesta regra, discutimos brevemente a importância de relatar os resultados de forma completa e listamos algumas informações que devem ser incluídas de modo a aumentar a transparência e evitar fraudes.

Regra 10: Escolha as suas palavras-chave sabiamente

Vários estudos sobre interações entre espécies são negligenciados em pesquisas avançadas, devido à má escolha de palavras-chave. Isso porque as palavras-chave são fundamentais para encontrar estudos sobre um tema de interesse nas bases bibliométricas acadêmicas. Para que os estudos primários possam ser encontrados e utilizados, explicamos como escolher palavras-chave de acordo com o resultado esperado da interação ecológica, grau de intimidade das interações e tipo de interação.


Este texto foi originalmente publicado pelo Jornal da USP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.


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