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Harpias na Amazônia usam 28 espécies de árvores como locais de nidificação – e quase todas são alvo da indústria madeireira

Imagem de Marcelo Plaza no Pixabay

Resumo

  • As harpias na Amazônia usam apenas 28 espécies de árvores para fazerem seus ninhos. Muitas delas, como a samaúma, são cobiçadas por madeireiras tanto legais quanto ilegais.
  • Aves com até 2,5 metros de envergadura, as harpias escolhem as árvores mais altas da floresta, onde podem construir seus grandes ninhos e avistar as presas de um ponto privilegiado.
  • Restringir ainda mais as regulações de extração legal de madeira e fortalecer a fiscalização pode ajudar a resolver o problema. Mas coibir a extração ilegal é um desafio mais urgente: 90% da madeira que deixa Amazônia têm origem criminosa.

A extração seletiva de árvores vem sendo defendida há tempos como uma forma ambiental e ecologicamente correta para retirar madeira da floresta, porém um novo estudo sugere que nem sempre é o caso.

Na Floresta Amazônica, segundo o estudo, as espécies de árvore usadas como locais de nidificação pela harpia ou gavião-real (Harpia harpyja) são quase todas alvo da indústria madeireira, inclusive aquela que é legalizada. Os autores afirmam que as operações de corte de árvores na região podem estar causando a degradação em larga escala do habitat de uma das maiores águias do mundo. A análise foi publicada na revista Biological Conservation.

“É uma verdadeira ameaça no momento”, diz o autor principal do estudo, Everton Miranda, biólogo brasileiro da Universidade de KwaZulu-Natal, na África do Sul.

As harpias antes estavam presentes desde o México até o norte da Argentina, mas seu habitat e população foram pressionados por anos de desmatamento e caça. A Amazônia agora representa o que os autores chamam de “último refúgio” dessas aves, onde acredita-se que vivam 93% da população existente. A maior ave de rapina brasileira é conhecida por fazer seus ninhos em árvores altas que ultrapassam o dossel, mas até então não se sabia exatamente quais árvores elas usavam.

Miranda e uma equipe de pesquisadores do Reino Unido e do Brasil reuniram toda a informação existente na literatura científica e em estudos ainda não publicados e anotações de biólogos de aves de rapina de toda a região sobre ninhos e árvores com ninhos conhecidos na América Latina. No total, eles encontraram informações sobre 98 ninhos, estruturas das árvores e vegetação circundante.

Eles detectaram que as harpias usam apenas 28 espécies de árvores para fazerem seus ninhos, das cerca de 10 mil espécies existentes na Bacia Amazônica. Invariavelmente, as harpias escolhem as árvores mais altas do local, com estruturas específicas capazes de sustentar seus ninhos.

Os pesquisadores tinham um palpite de que as mesmas árvores eram procuradas para extração legal e ilegal de madeira. Eles então checaram as espécies numa lista de preços da indústria madeireira no Pará, um campeão de extração que responde por cerca de metade de toda a madeira retirada da Amazônia brasileira. Das árvores usadas para nidificação pela harpia, mais de 92% estavam na lista, sugerindo o interesse comercial tanto das empresas que possuem concessão legal para retirada de madeira quanto dos madeireiros ilegais.

Extração seletiva

A extração seletiva de madeira é uma estratégia amplamente usada em florestas tropicais. Em vez de desmatar todo um trecho de floresta, algumas espécies comerciais de árvores são cortadas para produzir madeira e o resto continua em pé. A floresta então pode se recuperar, normalmente por duas ou três décadas, antes da nova extração.

Alguns estudos sugerem que florestas de produção de madeira bem manejadas podem manter níveis de biodiversidade comparáveis às florestas protegidas ou nativas. Muitos conservacionistas consideram que elas atingem um equilíbrio adequado entre os benefícios comerciais e a proteção ambiental.

Na Amazônia, as áreas de extração seletiva são atualmente maiores do que as áreas desmatadas, embora isso se deva tanto ao corte legal quanto ilegal de árvores em toda a região. “Este é o lado ruim, de que há uma área gigantesca que foi seletivamente desmatada”, observa David Edwards, professor de Ciência da Conservação na Universidade de Sheffield, no Reino Unido, que não esteve envolvido no estudo. “O lado bom é que ainda temos uma floresta no final, porque a extração é seletiva”, diz ele.

Outra pesquisa mostrou que a extração seletiva de madeira costuma levar ao desmatamento de qualquer forma: um estudo feito por cientistas norte-americanos e brasileiros revelou que 16% das áreas florestais de extração seletiva no Brasil foram posteriormente desmatadas dentro de um ano. Abrir um espaço no dossel pode também enfraquecer as árvores vizinhas e secar a floresta abaixo, tornando-a mais suscetível ao fogo. Isso também afeta as populações de besouros do esterco, insetos fundamentais para o ecossistema da Amazônia. E para as espécies que dependem de árvores específicas e da estrutura das mesmas, como a harpia, o corte seletivo pode apresentar um problema de conservação mais sério.

As árvores mais cobiçadas

A árvore mais popular para nidificação das harpias na Amazônia é a samaúma (Ceiba pentandra), que pode crescer até 60 metros de altura. Sua madeira é usada para fazer compensado e para a construção leve, e a fibra de sua semente encerada é usada como isolamento ou enchimento de colchões. No Planalto das Guianas, as harpias costumam fazer seus ninhos na copa do maú (Couratari guianensis), uma espécie de tauari cuja madeira é usada na carpintaria e em assoalhos, classificada como espécie vulnerável em 1998.

As harpias, aves que chegam até 2,5 metros de envergadura, selecionam essas árvores pelo seu tamanho, estrutura e força. A altura dá ao predador melhor visão panorâmica para buscar presas, e mantém os filhotes longe de possíveis ameaças. As harpias preferem árvores com copas amplas e galhos em ângulos mais abertos. Isso oferece espaço para os filhotes aprenderem a voar e para os adultos pousarem, bem como apoio para construir um dos maiores ninhos de águias existentes. “A estrutura de que elas precisam é muito específica”, diz Miranda.

Além de fornecer abrigo apropriado para as harpias, essas árvores enormes são essencialmente ecossistemas inteiros. “Elas não apenas apresentam benefícios para as harpias fazerem ninhos, como também costumam congregar uma grande quantidade de biodiversidade”, diz Miranda.

As harpias têm um papel crucial nesses ecossistemas. Elas controlam a população de macacos-pregos, por exemplo, que comem ovos de pássaros e podem até derrubar palmeiras ao comer o cerne delas. Pesquisas sugerem que as carcaças derrubadas em volta das árvores por aves de rapina podem funcionar até para dispersar sementes.

Localização das principais evidências de ninhos de harpia (círculos pretos) nas Américas do Sul e Central segundo modelo de distribuição espacial projetado por Everton Miranda. Fonte: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0216323

É difícil saber exatamente quantas dessas árvores foram derrubadas na região, uma vez que a extração ilegal de madeira está em toda parte e o monitoramento é difícil. Peru, Equador e Colômbia também sofrem com altos níveis de extração e exportação ilegal de madeira. A Polícia Federal no Amazonas divulgou no ano passado que 90% da madeira que deixa a Amazônia têm origem criminosa. “Não temos boas estimativas de quanto da Amazônia foi cortada. Existe extração ilegal de madeira em toda parte”, diz Miranda.

Edwards diz que as descobertas ressaltam um potencial problema de conservação. Mas alerta que é difícil extrapolar os resultados para avaliar os efeitos sobre as populações de harpia. “Se não sairmos em campo e encontrarmos as árvores com ninhos, será difícil saber o impacto total”, diz ele. A densidade populacional das harpias em determinada área é muito baixa, ele acrescenta, e é comum elas mudarem de árvore.

No entanto, no contexto da extração ilegal, diz Edwards, as descobertas são particularmente preocupantes. “Certificar-nos de que estamos acompanhando isso é importante”, afirma.

“As diretrizes para o manejo sustentável de florestas não permitem a retirada de todas as árvores-mãe de determinada espécie de uma área de produção”, diz Saulo Souza, pesquisador de pós-doutorado associado à Universidade de Exeter, Reino Unido, que também não esteve envolvido no estudo. “A retenção das árvores de sementes pode atingir até 15%.” Souza observa o sucesso da lei que proíbe os madeireiros de derrubarem as castanheiras (Bertholletia excelsa), que segundo ele, são frequentemente usadas pelas harpias.

“A melhor prática é selecionar cuidadosamente as árvores a extrair, e excluir aquelas com ninhos, especialmente de animais considerados oficialmente sob ameaça de extinção”, diz Souza. A harpia ainda não é considerada uma espécie ameaçada pela lista vermelha da UICN (União Internacional para a Conservação da Natureza), embora os autores do estudo afirmem que a “extensa degradação do habitat” deve ser considerada na próxima avaliação.

Ainda assim, brechas regulatórias estão permitindo o corte mais intensivo, mostra uma pesquisa, e os madeireiros ilegais estão encontrando formas de driblar as garantias legais. Os volumes de árvores comercialmente valiosas estão sendo artificialmente inflados nas licenças de extração, por exemplo, permitindo que criminosos “lavem” a madeira. Enquanto isso, a fiscalização foi reduzida no Brasil, onde o financiamento do Ibama foi cortado durante o governo de Jair Bolsonaro.

“A importância desse estudo para mim é realmente enfatizar como [os conservacionistas] querem trabalhar com os governos nacionais e regionais, e com as madeireiras, para seguir as melhores práticas e ao mesmo tempo coibir a extração ilegal de madeira”, diz Edwards.

“O problema trazido pelo artigo certamente diminuirá se for feito o manejo florestal adequado”, acrescenta Souza. “E, é claro, se a extração ilegal for banida.”



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