Turismo espacial: a exploração comercial do espaço

Turismo espacial é um termo desenvolvido pela  indústria aeroespacial que se refere a viagens espaciais.

Um pouco de história

A curiosidade move as pessoas. Estudiosos afirmam que o incerto é o responsável pelo aumento da curiosidade e também o gatilho que motiva a busca pelo conhecimento. Essa busca constante se adapta à medida que o ser humano evolui. 

A curiosidade que o espaço sideral desperta no ser humano não é algo recente.

A astronomia, considerada a mais antiga das ciências, é definida como uma ciência que estuda os astros, suas posições, constituição e movimentos.

Os primeiros estudos de astronomia foram feitos há cinco mil anos, pelos sumérios, babilônios, assírios, egípcios e chineses. Eles estudaram os astros para medir e prever o tempo e as estações. 

Na antiguidade, os polinésios usaram os astros para navegar. Os maias criaram um calendário e estudaram os fenômenos celestes. O povo pré-inca construiu o mais antigo observatório solar das Américas.

Já na Grécia antiga, os estudos da astronomia e das ciências, em geral, foram desenvolvidos e atingiram seu auge com a chegada da Ciência Moderna, na figura de Galileu Galilei, a partir do século 16.

A partir daí, grandes nomes da Física, como Johannes Kepler, Christiaan Huygens e Isaac Newton desenvolveram estudos, elaboraram teorias e leis que contribuíram – e ainda contribuem – para o avanço científico até a chegada da era espacial.

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O que marcou o início da era espacial?

Dados históricos mostram que, com o fim da 2ª Guerra Mundial, em 1945, e a chegada dos Aliados – EUA, Inglaterra, França e a então União Soviética – à Alemanha, os serviços de inteligência priorizaram a investigação sobre a tecnologia militar alemã. 

A União Soviética tomou o controle de dois grandes centros de pesquisas militares – Peenemünde e Nordhausen – esse último contava com inúmeros campos de concentração de prisioneiros, que eram obrigados a fabricar foguetes (que apesar de terem aplicação espacial, aqui tinham fins militares).

No entanto, para o desgosto dos soviéticos, a grande maioria dos engenheiros alemães, que participavam da equipe de foguetes, já haviam se rendido para os Estados Unidos, meses antes do fim da guerra e levado consigo toda a documentação que abrangia a tecnologia dos foguetes alemães e sua expertise.

Com o fim da guerra, a Alemanha foi dividida entre oriente e ocidente – literalmente, pelo Muro de Berlim, em 1961 –  controlada, respectivamente, pelas duas grandes potências do pós-guerra, União Soviética e Estados Unidos.

O período que se seguiu a partir daí foi marcado pela disputa por poder e soberania, que resultou na Guerra Fria.

Guerra, futuro e sustentabilidade

Como a Guerra Fria influenciou a corrida espacial?

Apesar da busca incessante pelo desenvolvimento da tecnologia bélica – tecnologia com fins militares, como armas – historiadores atribuem à Guerra Fria o incentivo pela corrida espacial: o desenvolvimento acirrado de pesquisas espaciais entre os EUA e União Soviética, que culminou com a chegada da humanidade à lua.

Seguindo a cronologia histórica, o marco inicial da corrida espacial data de 1957, quando os soviéticos lançaram o primeiro satélite artificial, batizado de Sputnik. A Nasa foi criada no ano seguinte.

Já em 1961, Yuri Gagarin fez o primeiro voo na órbita terrestre, a bordo da nave Vostok 1. Oito anos depois, Neil Armstrong, Michael Collins e Buzz Aldrin chegaram à lua, com a missão Apollo 11.

A partir da década de 70, se iniciou o desenvolvimento de satélites artificiais, com diversas funções e aplicações, tais como comunicação e meteorologia. 

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Qual é a participação feminina na corrida espacial?

Muitas mulheres dedicaram – e muitas dedicam – suas vidas ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia. O trabalho e o pioneirismo de muitas dessas mulheres, muitas vezes silenciados, foi de extrema importância nas descobertas das diversas áreas da ciência, inclusive nas conquistas espaciais. Aqui vamos citar apenas algumas dessas cientistas, pois a lista é longa.

Margaret Hamilton, cientista da computação e engenheira de software, foi a responsável pelo desenvolvimento do programa de voo da missão espacial Apollo 11, que garantiu que a nave pousasse na lua com sucesso.

Outro nome por trás do sucesso da Apollo 11 é Katherine Johnson. A cientista afro americana enfrentou o sofrimento e as dificuldades causadas pelas leis de segregação racial norte americanas e se formou bacharel em matemática e francês, numa universidade para negros, em 1937. 

Katherine Johnson / Foto da Nasa, sob domínio público, no Picryl

Extremamente habilidosa com números, a cientista fazia todos os cálculos matemáticos das trajetórias da nave à mão. Ela fez a maior parte dos cálculos que envolviam o projeto Apollo 11, sendo responsável por conferir os resultados, posteriormente, no primeiro computador instalado no departamento. 

A astrônoma Nancy Roman foi Chefe de Astronomia no Escritório de Ciência Espacial da Nasa e foi cientista-chefe no projeto que originou o telescópio Hubble, liderando e organizando as pesquisas e todo o trabalho com os profissionais envolvidos no projeto.

A paraquedista e cosmonauta russa Valentina Tereshkova foi a primeira mulher a chegar ao espaço. O feito aconteceu a bordo da espaçonave Vostok 6, em 1963, que deu a volta ao mundo 48 vezes.

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Como está a corrida espacial hoje?

A missão Apollo 11, realizada com sucesso em 1969, completou 54 anos em julho de 2023. Entre 1969 e 1975, houve uma trégua na relação entre EUA e União Soviética, que passaram a cooperar mutuamente para a exploração espacial. Cooperação essa que se estende entre a Rússia e os EUA até os tempos atuais.

Mais de meio século se passou, desde a chegada da humanidade à lua, e o legado tecnológico desenvolvido nesse período, contribuiu para o avanço de tecnologias ainda mais avançadas ao longo dos anos.

Tudo indica que chegamos ao início de uma nova corrida espacial, com a participação de novos países querendo chegar ao espaço. Em 2021, a China se tornou o terceiro país do mundo a explorar o espaço, com o lançamento de um módulo de sua estação espacial, na órbita terrestre.

Outras nações também pretendem ir ao espaço. Coréia do Sul, Japão, Índia e Emirados Árabes estão trabalhando nesse sentido.

Os Estados Unidos planejam retornar à lua em 2024, com o objetivo de construir uma base para estudos e pesquisa, com a finalidade de enviar uma missão tripulada a Marte, num futuro próximo.

É válido ressaltar que existe uma série de tratados internacionais, promovidos pela Organização das Nações Unidas (ONU), visando regular e proteger o espaço e os corpos celestes da ganância humana. Desde 1967 o Tratado do Espaço Sideral restringe o uso do cosmos a fins pacíficos e proíbe a proclamação de posse por qualquer país.

Outro tratado bem interessante é o Moon Agreement, ou Tratado da Lua, que tentou estabelecer um controle em relação à exploração dos recursos naturais da lua e de outros corpos celestes. O tratado também quis definir condições de viagem e ocupação dos corpos celestes, proibir seu uso como base militar e ainda banir qualquer ação que pudesse gerar contaminação ambiental ou causasse qualquer tipo de alteração no planeta em questão.

Sem qualquer surpresa, o Tratado da Lua não foi assinado pelos Estados Unidos, Rússia ou China.

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Como surgiu o turismo espacial?

Em novembro de 1998 a cooperação entre nações – incluindo EUA, Canadá, Japão, Rússia e países da Europa – fez com que o primeiro módulo da Estação Espacial Internacional (ISS, da sigla em inglês) chegasse à órbita da Terra. 

A ISS é um grande laboratório cooperativo, uma plataforma de pesquisa espacial internacional, onde astronautas de diferentes países atuam com pesquisa científica. É habitada desde o início dos anos 2000 e deve ser aposentada em 2030, sendo substituída por estações espaciais comerciais, financiadas por empresas privadas em parceria com agências espaciais.

Foto de NASA na Unsplash

As empresas de turismo espacial são lideradas por bilionários, como Jeff Bezos, Elon Musk e Richard Branson e fazem parte de uma outra finalidade dentro da nova corrida espacial: a exploração comercial do espaço.

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Quanto custa uma viagem de turismo espacial?

O primeiro turista espacial, o milionário norte americano Dennis Tito, passou 8 dias na Estação Espacial Internacional, em 2001, ao custo de 20 milhões de dólares. Segundo Tito: “Provei que um homem comum pode ir ao espaço, desde que treinado” (e tenha alto poder aquisitivo).

Viajar para o espaço é para poucos: para voar 80 km acima da Terra (que é seis vezes a altitude de cruzeiro de um avião comercial), a Virgin Galactic’s – cujo lema é “tornando o impossível no inevitável –  cobra 450 mil dólares por passageiro. Quanto mais alto, mais caro.

Uma viagem de 11 minutos a bordo do foguete suborbital da Blue Origin’s – batizado de New Shepard, em homenagem a Alan Shepard, primeiro norte americano a ir ao espaço – teve um custo estimado de 1 milhão de dólares.

Já para visitar a Estação Espacial Internacional, com o foguete da SpaceX, o custo sai por 55 milhões de dólares. 

O ano de 2021 foi um marco para o turismo espacial. As três grandes empresas norte americanas do ramo – Space X, Blue Origin’s e Virgin Galactic’s – tiveram suas primeiras experiências com vôos turísticos, além da Space Adventures, em conjunto com a agência espacial russa – Roscosmos – que levaram dois grupos de turistas para o espaço.

Desigualdade social versus turismo espacial

Ao longo das décadas, a exploração espacial trouxe descobertas importantes, que conduziram um desenvolvimento científico e tecnológico sem precedentes.

No entanto, apesar do turismo espacial representar uma das consequências de todo o trabalho realizado desde o início da corrida espacial, sua finalidade atual é satisfazer interesses particulares das pessoas mais ricas do planeta Terra: são os space barons (barões do espaço), um clube de viajantes espaciais de elite. 

Críticos apontam que a contradição está justamente na lista enorme de questões urgentes de resolução que existem no planeta Terra e como todo esse dinheiro empenhado com o turismo espacial poderia ser mais bem gasto no combate à fome e à pobreza mundiais. 

Para citar um exemplo, Jeff Bezos, fundador e um dos tripulantes da New Shepard, na expedição da Blue Origin’s, em 2021, gastou cerca de 5.5 bilhões de dólares para tornar possível o voo espacial que durou 11 minutos, os dados são da Global Citizen.

A Global Citizen também listou sete problemas, espalhados pelo mundo, que poderiam ter sido resolvidos com essa quantia. São questões relacionadas ao combate à fome, garantia de vacinas para pessoas em países mais pobres, financiamento de questões humanitárias, fundos de desenvolvimento agrícola para comunidades rurais em situação vulnerável, garantia de programas de educação para crianças refugiadas, ajuda para os países mais necessitados nas questões de adaptação climática e ainda, a plantação 5 bilhões de árvores.

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Qual é o impacto do turismo espacial no meio ambiente?

Uma pesquisa com o tema “insustentabilidades”, realizada por universidades da Suíça, Holanda e Reino Unido, apontam o turismo espacial como uma inovação que torna a sociedade menos sustentável. A pesquisa afirma que é um desenvolvimento que prejudica as transições de sustentabilidade em curso.

O estudo ainda argumenta que enquanto nos concentramos, por exemplo, em buscar alternativas para a geração de energias renováveis, ou ainda opções sustentáveis ao consumo de carne, centenas de novos produtos, serviços e tecnologias são criados sem qualquer consideração com o desenvolvimento sustentável, criando assim, indústrias inteiras que causam graves impactos ambientais.

O turismo espacial pode trazer grandes implicações em relação às mudanças climáticas, pois é um sistema que causa três tipos de emissões, compostas de: produtos químicos, dióxido de carbono      (CO2) e fuligem.

De acordo com a pesquisa, a pegada de carbono do turismo espacial é bem alta. O lançamento de apenas um foguete é o responsável por emitir 150 toneladas de carbono na atmosfera. Isso equivale ao triplo de emissões de um voo comercial intercontinental, que leva até 100 vezes mais passageiros.

Já em relação a fuligem – carbono negro – as emissões podem aumentar de maneira significativa as temperaturas nas calotas polares, uma vez que a fuligem pode permanecer na estratosfera por até dez anos.

As previsões futuras indicam que as viagens espaciais devem se tornar cada vez mais comuns, com a redução significativa dos custos. Ainda assim, o turismo espacial deverá permanecer no rol de coisas extravagantes, praticadas apenas por quem tem muito dinheiro (e não se importa com os impactos ao meio ambiente).

Bruna Chicano

Cientista ambiental, vegana, mãe da Amora e da Nina. Adora caminhar sem pressa e subir montanhas.

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