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Chegamos ao ponto em que empresas brasileiras, líderes globais em suas áreas de atuação como madeira, ouro, grãos e carnes, dependem fundamentalmente da capacidade de rastrear todos os estágios de suas cadeias produtivas para provarem que não são cúmplices do que se passa na região amazônica

Por Roberto Silva Waack* e Francisco Gaetani** em Página22 Não haverá vida onde não houver sustentabilidade – a de fato, não a retórica. O cálculo empresarial baseado em práticas imediatistas e inconsequentes está com os dias contados. Os impactos negativos dos empreendimentos privados devem fazer parte das equações públicas e privadas. O Brasil precisa entender isso, adequar-se à esta realidade e aproveitar as oportunidades que se abrem.

A operacionalização das nem tão novas premissas da ordem global é um desafio civilizatório, no qual o Brasil, a maior potência verde do planeta, tem rateado. O histórico de atuação predatória do atual governo chegou ao ponto de mobilizar as forças do mercado, que reagiram ao furor insano com o qual se investiu contra as frágeis políticas públicas na esfera ambiental das últimas três décadas.

Mercados respondem às leis da economia, da oferta e demanda. E o Brasil tem se tornado uma marca “radioativa” na arena internacional porque os processos produtivos de suas commodities, em especial na Amazônia, estão sendo considerados inaceitáveis pelos consumidores dos países do Norte, que pressionam seus governos para tomarem providências.

Sem nos darmos conta, talvez tenhamos ultrapassado um ponto para o qual não há retorno. Na verdade, estamos acostumados a fazer isso no Brasil, como se não fôssemos relevantes para o mundo. É provável que isso seja verdade para várias áreas – quem liga para nossos indicadores de desigualdade e de violência, por exemplo? – mas não se refere a produtos como minérios, grãos e carnes que impactam o meio ambiente.

Anos de ausências de políticas de desenvolvimento regional da parte de sucessivos governos contribuíram para uma região amazônica pobre, onde o Estado é capturado pelos interesses particulares e no qual as populações são vulneráveis aos populismos mais rasos. Os maiores incentivos a uma ocupação predadora foram dados por governos precários, em uma região em que prevalece uma difícil sustentação do Estado de Direito, problema do qual fazem parte complacentes setores dos poderes judiciários, Tribunais de Contas e Ministérios Públicos estaduais e federal, além dos próprios poderes executivos e legislativos.

A conta chegou. Vivemos a iminência do estabelecimento de barreiras a produtos brasileiros cuja origem não possa ser rastreada. Nesse contexto cada vez mais adverso, tampouco há condições de se insistir na distinção entre desmatamento legal ou ilegal – uma nuance importante a ser observada, mas desde que alguém esteja se preocupando com a preservação da legalidade da exploração madeireira no País, o que não parece ser o caso.

O desmatamento na Amazônia tem nome, sobrenome, identidade, CNPJ, local de ocorrência, rota de escoamento e arranjos de proteção consolidados. O Ibama (responsável por licenciamentos e fiscalizações ambientais), o ICMBio (que cuida das Unidades de Conservação), a Polícia Federal (enfrentando politização crescente) e as Forças Armadas (incompreendidas e inadequadamente financiadas e utilizadas) encontram-se manietados. Os governos estaduais, com raras e episódicas exceções, não dispõem nem dos meios materiais, nem das condições políticas para atuarem na esfera de comando e controle.

As indústrias de carnes, as mineradoras, as madeireiras, os produtores de grãos e outros pagarão com a perda do acesso a mercados por sua lentidão, conivência e displicência no enfrentamento de seus passivos ambientais. Vários estão buscando “correr atrás do prejuízo”. O fato é que os riscos reputacionais colocados já não serão resolvidos por gestos de boa vontade. A única – e incompleta – esperança reside na rastreabilidade da origem dos bens transacionados.

Chegamos ao ponto em que empresas brasileiras, líderes globais nas suas áreas de atuação, dependem fundamentalmente da capacidade de rastrear todos os estágios de suas cadeias produtivas para proverem evidências de que não são cúmplices do que se passa na região amazônica. As novas tecnologias permitem o acompanhamento da trajetória dos produtos desde sua origem até o seu destino final. O desafio não é técnico e nem de provisão de recursos.

Os interesses protecionistas europeus estão tirando todas as vantagens possíveis do comportamento brasileiro em relação à forma de exploração dos recursos naturais da Amazônia e ampliando o tema. Qual será a resposta do País, distraído por um reality show, que mobiliza a atenção da sociedade de forma permanente para assuntos de natureza bizarra e irrelevantes, em um diversionismo sem fim?

Produtos da Amazônia sofrem com a desconfiança do mundo em relação à legalidade e sustentabilidade de sua origem. Essa suspeita, refere-se principalmente à madeira, ao ouro e às carnes, afeta toda a região, em especial às populações mais pobres. As limpezas das cadeias produtivas dependem das empresas, mas precisa também de um poder público que atue nos termos do Estado de Direito.

É fundamental a promoção da Amazônia que valoriza a sustentabilidade, a circularidade e a rastreabilidade. Não é justo, não é correto e não ajuda o enfrentamento dos problemas criminalizar a Amazônia, ao contrário. O isolamento da região – e mesmo do País – facilita práticas criminosas, danosas ao meio ambiente e agravantes da exclusão social.

Todos os países estão engajados na descarbonização de suas economias – uns mais, outros menos. O Brasil segue languidamente tratando o assunto como um incômodo menor, por possuir uma matriz energética de renováveis que o deixa em posição invejável em relação ao resto do mundo. Mas somos um dos maiores emissores globais. Não tratamos a Amazônia como o ativo que é. Fazemos muito pouco para reduzir as emissões nos outros setores responsáveis por metade de nossas emissões. E continuamos tratando da mudança climática como se fosse um assunto de meio ambiente apenas, e não a chave para uma transição rumo a novas estruturas produtivas e pactos sociais.

É inútil contar com o governo em 2022, não apenas porque se trata de um ano eleitoral. A administração pública federal entrou em fase de anomia profunda, salvo setores isolados cuja resiliência tem superado os incentivos à inação. As soluções para esta situação precisarão vir do setor privado e de organizações da sociedade civil. O eixo da construção das soluções capazes de ao mesmo tempo assegurar desenvolvimentos de mercados sustentáveis e construir instituições à altura das necessidades de um projeto nacional encontra-se fora da esfera estatal. 

Esta é também uma extraordinária oportunidade de negócios para as empresas interessadas em ampliar suas fatias de mercado junto ao crescente segmento dos consumidores engajados em padrões de consumo éticos e sustentáveis. Produtos certificados e com rastreabilidade transparente são cada vez mais premiados pelo aumento de sua demanda. Credibilidade e confiabilidade estão associadas à origem do produto e ao seu trânsito ao longo de sua cadeia produtiva. Produtos exportados e, cada vez mais, produtos nacionais estão sujeitos a este escrutínio.

A COP 26 terminou no mês passado com relativamente poucos avanços, frente à essa “marcha da insensatez” que precisamos interromper. Ano que vem teremos a celebração dos 50 anos de Estocolmo, isto é, do histórico evento que lançou a agenda Nosso Futuro Comum. Além disso, teremos – teremos? – a oportunidade de realizar a Rio+30. O Brasil procurou sair da posição vexaminosa de pária global em que se colocou e buscou fazer um controle de danos em relação ao passado recente.

Acorda, Brasil! O momento é de proatividade, criatividade, solidariedade e protagonismo, e não de entrega e resignação. A credibilidade do País será recuperada pelas práticas políticas, ambientais, regulatórias e empresariais que formos capazes de, coletivamente, fazer prevalecer.

*Roberto Silva Waack é cofundador da iniciativa Uma Concertação pela Amazônia e presidente do Conselho do Instituto Arapyaú

**Francisco Gaetani é professor da Ebape/FGV e participante da iniciativa Uma Concertação pela Amazônia

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