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Como ilhas oceânicas isoladas abrigam grupo de espécies com características biológicas e geográficas iguais, incluindo 46 espécies que não existem em nenhum outro lugar do planeta

Por Theo Schwan – Jornal da USP | No meio do Atlântico, as ilhas oceânicas de São Pedro e São Paulo, Ascensão e Santa Helena passam quase despercebidas no mapa. Com um olhar atento, pesquisadores identificaram que, apesar de isoladas por até 1.300 quilômetros de mar aberto, elas compartilham origens evolutivas. Pela primeira vez nesta escala, especialistas reuniram dados genéticos, biológicos e geográficos para reconstituir a história natural dos peixes do Atlântico tropical.

As comunidades recifais que lá habitam formam um grupo coeso: 46 espécies são endêmicas dos três locais – não existem em nenhum outro lugar do planeta. O estudo mostra ainda que as populações das ilhas têm maior afinidade com as do Atlântico Ocidental e se assemelham às naturais da costa do Brasil e do Caribe. 

“Há décadas, talvez séculos, pesquisadores se perguntam como foi formada a fauna dessas ilhas”, conta Isadora Cord, primeira autora do artigo. Sua pesquisa busca responder a essa questão ao desenhar as rotas de dispersão das espécies que as colonizaram. A reconstrução temporal desses caminhos revela conexões entre o Atlântico Ocidental, a África, ao leste, e o Oceano Índico.

Resultado de seu doutorado na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o trabalho aponta que algumas espécies têm origens anteriores à formação das próprias ilhas – certas linhagens são mais antigas que a própria terra que rodeiam hoje, com mais de 5 milhões de anos. Outras são recentes: diante da análise genética, o grupo defende a identificação de um peixe novo para a ciência, um novo membro do gênero Ophioblennius, comum nas ilhas do Atlântico tropical.

Publicado na revista científica Proceedings of the Royal Society B, o artigo foi escrito em parceria com o Centro de Biologia Marinha (Cebimar) da USP. Seu desenvolvimento contou, ainda, com o envolvimento de pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), da Universidade Técnica da Dinamarca e da Academia de Ciências da Califórnia. 

“Laboratórios naturais”

“São laboratórios naturais,” diz Isadora sobre as ilhas oceânicas. A pesquisadora explica que, por se tratarem de ambientes isolados com comunidades reduzidas, funcionam como palco perfeito para experimentos biogeográficos. 

“Conseguimos trabalhar as teorias da biogeografia,” continua. Fatores ambientais – como o clima – e históricos – como a transformação dos continentes ao longo das eras geológicas – isolam populações da mesma espécie e moldam a diversidade de animais. Quando populações são apartadas, o cruzamento entre indivíduos de um mesmo grupo leva à especiação: o surgimento de novas espécies adaptadas ao ambiente local. 

Também são a reclusão e a pequenez das populações que possibilitam o estudo da evolução, segundo Isadora. Isolados, os indivíduos passam a se reproduzir apenas entre si – e, com o tempo, originam uma nova espécie. O processo, nesse caso, é provocado pelo soerguimento de barreiras biogeográficas que limitam o movimento dos organismos. Como resultado, os animais que surgem nessas ilhas se tornam endêmicos à região.

Um peixe se destaca diante do fundo. Um recife, colorido em rosa, verde e marrom, abriga o animal, marrom e branco. Ele é quadrado, tem a boca em bico e nadadeira peitoral fina.
A imagem destaca o Prognathodes dichrous, uma das três espécies endêmicas das ilhas de Ascensão e Santa Helena, localizadas na Cordilheira Mesoatlântica – Foto: Cedida pela autora

As barreiras variam em intensidade. As mais rígidas impossibilitam a circulação de animais e, consequentemente, de material genético. “Um exemplo clássico é o Istmo do Panamá,” diz Isadora, sobre a faixa de terra que conecta a América do Sul com a do Norte e separa o Oceano Atlântico do Pacífico. Os continentes impedem a livre circulação de animais entre dois os oceanos, separados: “É impossível que um peixe atravesse – ele não consegue atravessar a terra de jeito nenhum”.

Outras, suaves, dificultam a propagação das espécies, mas não a impede. Temperatura, salinidade e sentido das correntes oceânicas são exemplos desse caso – fatores que se tornam mais agressivos em águas abertas. As ilhas, então, se tornam refúgios.

“É como se o mar fosse um deserto, e a costa dos continentes e as ilhas oceânicas fossem oásis,” afirma Isadora. Os arquipélagos, então, fornecem as condições necessárias para receber peixes adaptados à costa continental.

“Talvez exista uma migração por osmose das espécies do Brasil,” afirma Gabriel Araújo, pesquisador do Cebimar e coautor do artigo. Ainda que nadando contra a corrente – literalmente –, as espécies brasileiras são geneticamente próximas das encontradas nas três ilhas. A hipótese levantada pelos pesquisadores é que a diversidade de peixes no Atlântico Ocidental impulsiona a colonização de ilha em ilha. “Através das análises genéticas e históricas, vimos que algumas espécies usaram ilhas como trampolins para chegar ao meio do Atlântico,” resume.

Em família

Os peixes “primos” formam uma espécie de família. As comunidades recifais das três ilhas integram uma mesma unidade biogeográfica — um espaço que compartilha características ambientais e história evolutiva das espécies que nele habitam.

Entre elas, Ascensão e Santa Helena apresentam maiores similaridades entre si do que quando comparadas a São Pedro e São Paulo. Mesmo assim, os arquipélagos compartilham 44 espécies com a costa brasileira e com o Caribe.

A pesquisa identificou 11 espécies que ocorrem exclusivamente em ilhas oceânicas atlânticas e no Atlântico Leste, próximo à costa africana. Outras 74 ocorrem em ambos os lados do oceano e 44 são endêmicas das ilhas da dorsal mesoatlântica – três delas presentes simultaneamente nos três arquipélagos estudados.

O bodião Thalassoma sanctahelenae é outra espécie endêmica encontrada em Ascensão e Santa Helena – Foto: Cedida pela autora

Relógios moleculares

“Com os avanços das técnicas, pudemos realizar o estudo de uma forma mais moderna,” diz Isadora. No processo de identificação dos peixes e de seus ancestrais, a equipe empregou os relógios moleculares – método de análise genética que possibilita estimar o tempo de divergência entre linhagens. 

“A ideia é simples: a cada 2 milhões de anos há uma mudança de 1% em uma parcela do genoma dos vertebrados,” explica Araújo. “Com isso, conseguimos estimar há quanto tempo duas espécies se separaram e reconstruir sua história evolutiva.”

Peixes-borboleta são finos e arredondados. Essa espécie é branca e tem detalhes amarelos no rosto, próximo aos olhos, e nas nadadeiras dorsal, anal e caudal. Ele também tem boca em bico e nadadeira peitoral fina
Chaetodon sanctaehelenae é um tipo de peixe-borboleta. É uma outra espécie abundante nas ilhas de Ascensão e Santa Helena, porém, restrita a elas – Foto: Cedida pela pesquisadora

“Conseguimos datar quando um indivíduo deixou de ser ancestral e se tornou uma nova espécie,” acrescenta Isadora. Segundo os autores, depois da filogenia – das análises moleculares – pode-se separar melhor as espécies. Dessa forma, são esmiuçados os detalhes genéticos de cada animal, o que possibilita revelar espécies crípticas – aquelas cuja distinção é invisível a olho nu.

A nova espécie identificada no artigo ainda carece de descrição completa para confirmar sua independência no gênero Ophioblennius. Mas os pesquisadores afirmam que, geneticamente, ela se diferencia de seus “primos” Ophioblennius atlanticus, também habitante das ilhas estudadas, e Ophioblennius trinitatis, que vive mais próxima à costa brasileira, no arquipélago de Trindade e Martim Vaz, a 1.100 quilômetros da costa capixaba. Pequenas diferenças comportamentais e de hábitat sugerem que sejam de linhagens distintas.

“Durante muito tempo se acreditou que havia apenas uma espécie em todo o Atlântico. Mas a análise genética mostrou que são grupos muito distintos,” diz Araújo. As linhagens, ainda que de mesma aparência, são distintas e muitas vezes resultam de um evento recente de especiação – quando o isolamento transforma parentes em espécies diferentes.

“Presentes da natureza”

“Essas ilhas, pela dificuldade de acesso, foram negligenciadas em muitos estudos,” afirma Araújo. “Mas são lugares únicos no mundo, fundamentais para entender como acontecem os processos de especiação e dispersão no ambiente marinho.”

A identificação de novas espécies e o estudo dos animais que habitam regiões remotas são, para os cientistas, estratégias para a conservação. Para Isadora, mostrar a complexidade dos ecossistemas e destacar que existem mais espécies do que se pensa – algumas ainda não identificadas – é fundamental: “Isso ajuda a convencer a conservar, sabe?”.

As espécies endêmicas, para Araújo, “são presentes da natureza”. O pesquisador explica que, por serem únicas e viverem em lugares remotos, têm populações pequenas e vulneráveis. Segundo ele, ainda que os peixes endêmicos estejam estabelecidos enquanto espécie há milhões de anos, eles ainda estão no limiar da extinção. “Se por acaso acontecer algum evento que possa ser um distúrbio para o ambiente e para as espécies, é muito provável que elas entrem em extinção, porque a população é muito pequena.”

O artigo Biogeography and evolution of reef fishes on tropical Mid-Atlantic Ridge islands pode ser acessado neste link.

Mais informações: cord.isadora@gmail.com, com Isadora Cord, e gabrielsoaraujo@gmail.com, com Gabriel Araújo.

Este texto foi originalmente publicado pelo Jornal da USP, de acordo com a licença CC BY-SA 4.0. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.


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