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Novo estudo sugere que efeitos combinados reduziriam a riqueza de espécies em até 58% e criariam “duas Amazônias”, com porção fragmentada ao sul

A combinação entre desmatamento e mudança climática pode reconfigurar radicalmente o mapa da Amazônia em 2050. Um estudo publicado nesta segunda-feira (24) por pesquisadores do Brasil e da Holanda indica que esses dois fatores podem cortar a maior floresta tropical do mundo ao meio, com uma imensa porção a sudeste reduzida a fragmentos. A riqueza total de espécies de árvore pode cair em 58%, com quase metade delas sob algum grau de ameaça de extinção.

O resultado sinistro vem de uma análise da distribuição atual de mais de 10 mil espécies arbóreas, cruzada com modelos de projeção de desmatamento e com dois cenários dos modelos climáticos do IPCC, o painel do clima das Nações Unidas. Os resultados estão em um artigo científico publicado esta semana no periódico Nature Climate Change.

O grupo liderado pelo cientista ambiental Vítor Gomes, da Universidade Federal do Pará, mostrou que, embora o desmatamento seja hoje a maior causa da perda de habitat na Amazônia, nas próximas décadas ele deverá ser suplantado pela crise do clima. No meio deste século, as motosserras e os tratores podem causar perdas de 19% (no melhor cenário) a 36% (no pior) na riqueza de espécies da Amazônia, enquanto a mudança climática causaria reduções de 31% a 37%. “O resultado nos surpreendeu”, contou o pesquisador paraense ao Observatório do Clima.

A explicação para isso reside na ubiquidade do clima. “O desmatamento está concentrado em determinadas faixas e seu impacto no oeste e no norte da Amazônia é menor”, afirmou Gomes. “O clima, por outro lado, age em toda a floresta, alterando a precipitação e a temperatura.”

Quando isso acontece, a área de distribuição ideal de uma espécie muda. Em geral, as criaturas impactadas pelo clima migram em busca de locais mais adequados. No caso da Amazônia, os climas mais adequados daqui a 35 ou 40 anos poderão estar a mais de 300 km das zonas de distribuição atuais das espécies.

O problema, claro, é que árvores são lentas para migrar. “A gente sempre brinca que elas não vão subir num ônibus e dizer, ‘tchau, pessoal, vamos para um lugar melhor’”, a diz Gomes. Durante os períodos secos do Holoceno, período geológico iniciado 12 mil anos atrás, comunidades de árvores da Amazônia também precisaram migrar. Isso ocorreu a uma taxa de menos de 100 quilômetros em 3.000 anos. Ou seja, a perspectiva de deslocamento de 300 quilômetros em 35 ou 40 anos simplesmente não existe.

Já hoje o desmatamento vem causando impactos graves na diversidade de espécies. Estima-se que a Pan-Amazônia, ou seja, o bioma em todos os seus nove países, já tenha perdido 11% de sua cobertura. Isso causou uma perda de 7% no habitat das espécies. Para 2050, a projeção com políticas de controle de desmatamento mostra 21% de redução da floresta (e 19% na diversidade); sem controle, isso vai a 40% (e 36% de perda de diversidade).

Para a mudança climática foram considerados dois cenários: o melhor, o qual o Acordo de Paris é cumprido e o mundo esquenta menos de 2 ºC, causa uma perda de 31% na diversidade de espécies na Amazônia; no pior, no qual não se faz nada, esse número sobe para 37%.

Quando se somam os dois efeitos, a Amazônia literalmente quebra. Uma linha diagonal de nordeste a sudoeste passa a dividir o bioma a partir do leste do Amapá. Os maiores remanescentes de floresta permanecerão na porção noroeste (em azul no mapa). Toda a metade sudeste consistirá de matas altamente fragmentadas, e o que sobrar estará praticamente confinado a áreas protegidas e terras indígenas. No pior cenário de desmatamento somado com o pior cenário de mudança do clima, a riqueza de espécies declinaria 65% e 22% delas estariam criticamente ameaçadas de extinção.

Ima Vieira, pesquisadora do Museu Paraense Emílio Goeldi e coautora do estudo, afirma que a situação pode ser ainda pior: o trabalho, afinal, não considera os potenciais efeitos do projeto de lei 2362/2019, de autoria de Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), que tramita no Senado.

O texto propõe simplesmente o fim da reserva legal nas propriedades rurais, o que autorizaria o desmatamento de 89 milhões de hectares na Amazônia. “O valor é 30 vezes maior do que prevê o pior cenário de desmatamento usado neste estudo”, afirma. “Se já ficamos assustados com os resultados dessa pesquisa, imaginem o que pode vir pela frente com esse nível de retrocesso ambiental?”

Para evitar um desastre maior do que o que o estudo já aponta, afirma a cientista, “a rede de proteção da floresta amazônica deve sempre considerar as áreas protegidas e as reservas legais, que são complementares na proteção da biodiversidade”.

As áreas protegidas, vale lembrar, também estão sob cerco, com o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles (Novo-SP), propondo a revisão de 334 unidades de conservação federais e considerando reduzir 67 delas alegadamente a pedido do Ministério da Infraestrutura. Isso sem falar nos modelos de negócios voltados para a atividade madeireira.



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