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Para os povos originários, saúde envolve a integração entre corpo, mente, espírito e ambiente

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Por Liana Colla da Jornal da Unicamp | Apesar de a medicina tradicional beber na fonte dos conhecimentos dos povos originários, a valorização dos saberes tradicionais pela academia enfrenta ainda algumas barreiras. Na Unicamp, a doutoranda da Faculdade de Medicina Kellen Vilharva, da etnia Guarani-Kaiowá, tem se dedicado a construir esse diálogo que, conforme avalia, pode trazer diversos benefícios à área da saúde. 

“Quando falamos de saúde, não tem como separar a anatomia e a fisiologia da cosmologia, dos conhecimentos, da natureza, do território e do espiritual, da forma como é feito na academia. Trazer esse conceito de saúde tem sido um desafio e uma paixão”, aponta a pesquisadora, que veio da reserva indígena de Jaguapiru, em Dourados (MS). 

Foto de duas mulheres indígenas. Elas estão sentadas e usam cocar, colares de contas e enfeites nos braços.
Kellen Vilharva (à esquerda), doutoranda da Faculdade de Medicina da Unicamp, tem se dedicado a estabelecer diálogos entre a medicina tradicional e as perspectivas indígenas sobre saúde (Foto: Antoninho Perri)

Neta de rezadeira, Vilharva aprendeu desde cedo que, para o seu povo, não adianta tratar somente os sintomas. É preciso saber as causas da doença, papel que é exercido por pessoas como a avó dela. “Fazendo um canto ou uma reza, muitas vezes se descobre uma doença espiritual. Às vezes, a pessoa fez algo de errado para a natureza, provocando algum espírito”, diz.

Foi também por meio da avó que ela, depois de cursar Ciências Biológicas, decidiu dedicar-se à etnofarmacologia, área que abarca estudos antropológicos e fármaco-toxicológicos das substâncias utilizadas em tratamentos de saúde. “Um dia eu estava com a garganta inflamada e não tinha como ir à farmácia porque a aldeia é longe da cidade. Minha vó trouxe um óleo para mim. Eu tomei e no outro dia minha garganta já estava muito melhor. Fiquei pensando se tinha alguma propriedade anti-inflamatória, se agia como antibiótico. Isso foi no final da graduação e foi a minha motivação para ir para o mestrado”, conta. 

No mestrado, realizado na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), a pesquisadora investigou as propriedades farmacológicas do óleo, que é extraído da larva de um besouro, conhecida como broca do coqueiro (Rhynchophorus palmarum Linnaeus – Coleoptera, Curculionidae). “Vimos que ela é rica em propriedades que fazem parte da cascata de componentes anti-inflamatórios, por isso ela tem essa capacidade. Também fizemos um ensaio com fibroblastos e cultura de células e obtivemos um resultado muito bom para a cicatrização da pele”, diz a doutoranda.

Foi verificado, ainda, que a substância não possui toxicidade. “Como o meu povo já toma esse óleo há muito tempo, eu já sabia que não ia ser tóxico. Mas avaliamos e comprovamos.”

Já no doutorado, orientado pelo professor João Ernesto de Carvalho, Vilharva escolheu analisar a casca de um cedro utilizado pelos Guarani-Kaiowá e que está em risco de extinção. “Esse cedro é sagrado para o meu povo. Ele é utilizado para febre e dores musculares Além disso, também é usado para trazer paz de espírito para as pessoas e para o ambiente. Vamos avaliar dois extratos – da casca e da folha – para pesquisar se há também propriedades anticâncer”, explica.

Ela espera que, com a entrada dos estudantes indígenas nas universidades, esses saberes possam ser cada vez mais reconhecidos. “O conhecimento tradicional indígena norteou o desenvolvimento de medicamentos e precisa ser valorizado. As universidades têm a ganhar muito com isso porque, quando se juntam diversos saberes e conhecimentos, tudo fica mais completo. O meu desejo no doutorado é fazer isso e há professores incríveis que buscam entender essa cultura.”

Na Unicamp, a valorização desses saberes é um dos objetivos do projeto Ayuri, uma iniciativa da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp que propõe um diálogo sobre saúde e bem-estar com os conhecimentos de povos originários. Saiba mais sobre o projeto na reportagem de Felipe Mateus:

Degradação ambiental e à saúde

A conexão entre a saúde e o ambiente também é destacada pela pesquisadora. “Para o meu povo, quando a gente fala de saúde, não significa só a saúde física, mas também a saúde espiritual, mental e a saúde do meio ambiente também. Não separamos humanos, animais e vegetais. É todo um conjunto em sintonia. Para a gente estar bem de saúde, o corpo, espírito, o local também tem que estar saudável”, diz.

Diante da degradação ambiental e da violência contra povos indígenas, o bem-estar é prejudicado. No Mato Grosso do Sul, de onde é Vilharva, existem graves violações de direitos dos indígenas. Só em 2022, ocorreram quatro assassinatos de guaranis-kaiowá no Estado. Há uma expansão do agronegócio que, além de avançar sobre o território indígena, degrada as terras. Desmatamento e contaminação por agrotóxicos são consequências que atingem o meio ambiente e também a saúde dos povos. 

A atuação dos indígenas na preservação do meio ambiente é ressaltada por ela. “Os povos indígenas atuam como guardiões da floresta, cada um no seu bioma. Aqui no Mato Grosso do Sul, de mato já não tem quase nada, existe muito canavial e área de pasto para gado. A nossa tristeza é ver a quantidade de plantas e remédios que já se perderam. Temos tentado, sem a ajuda do Estado, conservar tudo isso.” 

Este texto foi originalmente publicado por Jornal da Unicamp de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.


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