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Alvos da agropecuária e da urbanização, as últimas paisagens de butiás resistem em municípios do Rio Grande do Sul

Por Aldem Bourscheit em Mongabay Brasil

  • Das 21 variedades conhecidas de butiás na América do Sul, 19 ocorrem no Brasil; todas estão ameaçadas de extinção.
  • Projeto experimental propõe o manejo do gado em áreas de butiazais como forma de impedir que os brotos sejam comidos pelo rebanho.

Compondo paisagens exóticas até para os padrões de países tropicais, os butiazais do Rio Grande do Sul são pontilhados por árvores com média de 200 anos de idade. A agropecuária e a urbanização descontroladas são as principais inimigas do que resta destes palmeirais meridionais, que abrigam até 50 espécies de animais e plantas silvestres. Muitos também em vias de extinção.

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“Há um leque enorme de vida associada aos butiás, de répteis e mamíferos a roedores e aves. Por isso, não podemos ignorar o valor de suas paisagens ou olhar isoladamente para a espécie, que também é cultivada em ruas e casas de vários municípios”, explicou Lídio Coradin, diretor-nacional do projeto Plantas para o Futuro, que há duas décadas promove o uso e a conservação da flora nativa brasileira.

Há 21 variedades de butiá no Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. Dezenove ocorrem aqui, em grande parte no Cerrado e no Pampa, e todas podem sumir do mapa-múndi. Até a década de 1960, sua palha forrava colchões e outros produtos. Mas quando a “crina”, feita das fibras da palmeira, foi trocada por materiais sintéticos, os butiazais perderam peso econômico e inúmeros foram atropelados por pastagens, lavouras e loteamentos.

Seus maiores remanescentes nacionais estão no Rio Grande do Sul, estado mais meridional do Brasil. Raros municípios na sua faixa costeira ainda abrigam palmeirais, com poucas centenas de hectares. Tais áreas são uma sombra dos butiazais do passado.

“Mapear os palmeirais restantes no estado é fundamental para sua conservação, com áreas protegidas ou melhor manejo da agropecuária”, ressaltou Adalberto Eberhard, ex-presidente do ICMBio. Ele percorreu 11 mil quilômetros avaliando a conservação da zona costeira da Região Sul.

“É de vital importância que os butiazais, como o de Tapes, sejam efetivamente protegidos. Outros remanescentes, como em Santa Vitória do Palmar, que teve grandes butiazais, estão profundamente comprometidos”, descreveu Eberhard, que também dirigiu a Fundação Ecotrópica, no Pantanal.

Vista aérea de um butiazal do município de Tapes (RS). Foto: Ricardo Aranha Ramos/SEMA-RS

Em regiões produtoras, a perpetuação dos palmeirais é ameaçada por agrotóxicos carregados pelo vento e pela água, desmate e brotos devorados por gado solto. “Bois em excesso comem tudo, mas é possível manejá-los para que se tornem aliados da manutenção e recuperação dos butiazais”, disse Rosa Lía Barbieri, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Clima Temperado.

Um método da Embrapa alterna rebanhos em distintos pontos dos butiazais ao longo dos anos e nos meses em que há maior oferta de pasto, livrando os jovens butiás do apetite bovino. “Os resultados foram surpreendentes, com muitos brotos sob as árvores antigas. Sem esse manejo, árvores que crescem mais rápido cobririam os butiás, que preferem espaços abertos”, destacou a pesquisadora.

Um dos palcos do experimento foi uma fazenda onde soja e gado dividem espaço com 750 hectares de butiás, no município de Tapes, às margens da Lagoa dos Patos. A área pertence há quase um século à família da socióloga Carmen Heller. “Em seis anos de manejo, o gado não perdeu peso e milhares de butiás nasceram. Estamos determinados a manter os butiazais e ainda ter ganhos produtivos na fazenda”, destacou.

A área também integra a chamada Rota dos Butiazais, criada em 2015 e que hoje agrega mais de 50 municípios no sul do Brasil, Argentina e Uruguai. A iniciativa ganhou lei no Rio Grande do Sul, em 2019. Muito além de roteiros turísticos e festas, o projeto conecta pessoas, produtores, empresas e governos na conservação dos palmeirais.

Mapa da Rota dos Buritizais. Imagem: Embrapa

“O butiá é um elemento emblemático e riquíssimo da nossa biodiversidade que estava sendo deixado de lado. A rota ajuda a recuperar e inovar em receitas e artesanato, estimulando a conservação da espécie de forma permanente e em regiões dos três países”, ressaltou Lía Barbieri, da Embrapa Clima Temperado.

Vestígios revelam que os indígenas consumiam butiás e usavam sua palha há 8 mil anos, ajudando a disseminar os palmeirais. Rico em vitaminas e com propriedades antioxidantes, o frutinho amarelo serve para doces, bolos, licores e dá gosto à cachaça. Árvores bicentenárias seguem produzindo. Uma coletânea com 140 receitas pode ser acessada online.

“É preciso ampliar o conhecimento e o uso de espécies nativas para sua conservação. Não podemos nos contentar apenas com o que é oferecido pelos mercados convencionais. Monoculturas exóticas recebem a grande maioria dos investimentos em pesquisa e produção, mas levam à remoção de muita vegetação primária”, constatou Lídio Coradin, do Plantas para o Futuro.

Com tamanha importância histórica, cultural e gastronômica, os butiazais ainda não mereceram proteção formal no Brasil. A Argentina tem dois parques nacionais com palmeirais, enquanto no Uruguai estão abrigados em áreas privadas. Tais espaços são fontes de renda e empregos, recebendo milhares de turistas anuais.

Cacho de butiás. Foto: Carmen Heller Barros

“A gestão pública de unidades de conservação no Brasil é deficiente. As experiências com manejo do gado mostram que não é necessário desapropriar fazendas para a criação de áreas protegidas com butiazais”, concluiu a pesquisadora Rosa Lía Barbieri.

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Por email, a Secretaria de Meio Ambiente do Rio Grande do Sul informou que, junto ao Ministério Público Estadual, “deliberou pela não criação de Unidades de Conservação com ocorrência de butiazais em meio ao sistema de manejo pecuário, visto que estudos realizados por instituições de pesquisa avaliam como positiva a necessidade de manejo nessas áreas”.

Com ou sem áreas sob resguardo de governos, a proteção dos palmeirais promete resgatar histórias e sentimentos guardados com muitos sulistas. “Vejo com muita tristeza o que ocorreu com o butiá e outras espécies. Nossa alimentação poderia ser bem suprida igualmente com plantas nativas. O trabalho feito hoje pelos butiazais trará resultados positivos no longo prazo”, completou Carmen Heller.


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