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O mosquito Aedes aegypti tem sido apontado como o principal vetor do vírus zika, que, estima-se, infectou até junho de 2016 49 mil pessoas dentre 139 mil casos notificados no Brasil, e causou o nascimento de 1,6 mil crianças com microcefalia em 582 municípios.

Mas, além do Aedes aegypti, o zika também pode ter outros vetores, como o mosquito Culex quinquefasciatus, conhecido popularmente como pernilongo ou muriçoca, sobre o qual crescem as evidências de que pode estar envolvido na emergência do vírus no país.

O alerta foi feito por Constância Flávia Junqueira Ayres Lopes, pesquisadora do Instituto Aggeu Magalhães (IAM) da Fiocruz em Recife, Pernambuco, em uma mesa-redonda sobre “O mosquito, o vírus e o que temos para combatê-los”, durante a 68ª Reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), no campus de Porto Seguro da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB).

“Há sérias dúvidas se o Aedes aegypti é um vetor exclusivo do vírus zika”, disse Lopes. “Em ambientes silvestres várias espécies de Aedes estão implicadas no processo de transmissão. Por que em ambientes urbanos somente uma espécie estaria envolvida?”, questionou.

De acordo com a pesquisadora, o mosquito Aedes aegypti começou a ser incriminado como vetor do vírus zika em 1947, quando foi encontrado em uma floresta com nome homônimo em Uganda, na África, por pesquisadores financiados pelo Instituto Rockefeller, dos Estados Unidos.

Os pesquisadores estavam tentando isolar o vírus da febre amarela e, para isso, estudaram mosquitos de espécies de Aedes, velhos conhecidos como transmissores da doença.

Ao analisar o material coletado, eles observaram que o vírus que isolaram era diferente e o batizaram de zika em homenagem à floresta onde foi descoberto.

Desde então, diversos outros isolamentos do vírus zika foram feitos a partir de diferentes espécies de Aedes, como o Aedes africanus, contou a pesquisadora.

Em 1966, quando houve a primeira emergência do vírus zika, na Malásia, foram analisados inúmeros pools de mosquito no país asiático e identificado apenas um como Aedes aegypti.

Já nas epidemias mais recentes do vírus zika, como em 2007, na Micronésia, na região do Pacífico, quando cerca de 70% da população da ilha de Yap, com população de 7,3 mil pessoas, foi infectada, não foi encontrado nenhum pool de Aedes aegypti, afirmou a pesquisadora.

“Na verdade, há pouquíssimos mosquitos Aedes aegypti na Micronésia. Há outras espécies de Aedes na região, mas o Aedes aegypti é muito raro na maioria das ilhas e completamente ausente nas ilhas onde houve uma grande ocorrência de casos de infecção pelo zika vírus”, disse.

Quando ocorreu a epidemia, Lopes entrou em contato com pesquisadores da região a fim de saber qual era a espécie de mosquito mais abundante por lá. A resposta dos pesquisadores foi o Culex quinquefasciatus, que não tinha sido investigado como um vetor do vírus zika.

“A questão é que todo mundo que estudou a circulação do vírus zika antes só olhou para as espécies de Aedes. Como esses mosquitos já são conhecidos como vetores de dengue, chikungunya e febre amarela, por que não seriam também do zika?”, explicou Lopes.

No início da emergência do zika no Brasil, a pesquisadora decidiu investigar se o Culex quinquefasciatus também poderia transmitir o vírus. O mosquito é 20% mais abundante do que o Aedes aegypti no ambiente urbano e é vetor de outros arbovírus (transmitidos essencialmente por artrópodes), como o do Oeste do Nilo e da encefalite japonesa, que são próximos do vírus zika.

Além disso, começou a chamar a atenção da comunidade científica e da Organização Mundial da Saúde (OMS), por meio de cartas publicadas em revistas como Lancet, sobre a urgência e a necessidade de se investigar outras espécies de mosquito que também podem ser vetores do vírus zika, e não apenas o Aedes aegypti .

“Até então, infelizmente, a comunidade científica e a OMS estavam focando só o Aedes aegypti e todo o combate ao vírus zika foi voltado exclusivamente para essa espécie de mosquito, negligenciando uma série de outras, como o Culex quinquefasciatus”, afirmou Lopes.

Os resultados dos ensaios realizados pelos pesquisadores, em que foram infectados, em laboratório, mosquitos Culex quinquefasciatusAedes aegypti com zika para comparar suas capacidades de transmitir o vírus, indicaram que o desempenho das duas espécies é muito semelhante.

Os pesquisadores conseguiram observar a presença do vírus zika na glândula salivar dos mosquitos Culex quinquefasciatus eAedes aegypti três dias após infectados.

“Esse ciclo é menor do que o do vírus da dengue, que leva entre dez a 15 dias para vencer as barreiras de resistência e chegar à glândula salivar dos mosquitos. O pico de surgimento do vírus zika na glândula salivar dos insetos ocorre sete dias após serem infectados”, detalhou Lopes.

A fim de verificar se o vírus zika era capaz de sair da glândula salivar e ser encontrado na saliva dos mosquitos, os pesquisadores realizaram um teste em que expuseram os insetos a um papel filtro coberto com mel e um antibiótico.

Ao se alimentar do mel, os mosquitos depositavam saliva no papel filtro, que era coletada e dela extraído o RNA.

O resultado do ensaio, em vias de ser publicado, aponta que o zika está presente e com carga semelhante na saliva dos mosquitosCulex quinquefasciatusAedes aegypti.

“Como o Culex quinquefasciatus é mais abundante no ambiente urbano do que o Aedes aegypti, queremos saber agora qual tem maior importância no papel de transmissão do vírus zika”, disse Lopes.

Os resultados dos estudos realizados pelos pesquisadores da Fiocruz foram apresentados à OMS, que recomendou à Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) que outras espécies de mosquitos – principalmente o Culex quinquefasciatus – fossem investigados em regiões com casos registrados de infecção por vírus zika no mundo.

Mudança na forma de controle

Na avaliação de Lopes, uma das implicações de ter outras espécies envolvidas na transmissão do vírus zika, caso seja comprovado, é que mudará drasticamente a forma de controle da infecção, que hoje está focada exclusivamente no Aedes aegypti.

Os hábitos do Aedes aegypti são bastante diferentes dos do Culex quinquefasciatus, ressaltou.

Enquanto o Aedes aegypti pica durante o dia, o Culex quinquefasciatus pica durante a noite. Isso deve provocar uma mudança de hábito das pessoas – especialmente as grávidas – que estão tomando medidas de proteção contra a picada, como o uso de repelentes, somente durante o dia.

Além disso, enquanto o Aedes aegypti tem preferência por colocar ovos em água parada, de chuva, o Culex quinquefasciatus gosta de colocar seus ovos em água extremamente poluída, como a de esgoto e de fossa. “Isso irá requerer um investimento na melhoria das condições de saneamento no país, que é um problema histórico”, avaliou a pesquisadora.

O controle do Culex quinquefasciatus, contudo, deve ser mais fácil do que o do Aedes aegypti, estimou Lopes.

Enquanto a fêmea do Aedes aegypti prefere depositar seus ovos de forma distribuída para garantir que sua prole tenha maiores chances de sobrevivência, a fêmea do mosquito Culex quinquefasciatus deposita seus ovos em um único lugar.

“Os criadouros do Culex quinquefasciatus são mais concentrados e têm um alto nível de infestação, enquanto os do Aedes aegypti são mais distribuídos”, comparou a pesquisadora.

“A chance de sucesso de um programa de controle de Culex quinquefasciatus é muito maior do que o de Aedes aegypti. Prova disso é que até hoje não há um controle efetivo da dengue no Brasil”, avaliou.

De acordo com a pesquisadora, Recife – a cidade considerada o epicentro da epidemia do vírus zika no Brasil – é a única no país onde há incidência de filariose – uma doença parasitária crônica causada por vermes nematoides (as filárias). O parasita é transmitido pelo mosquito Culex quinquefasciatus, que é o vetor exclusivo.

Um trabalho realizado por colegas dela na Fiocruz de Recife identificou que os casos de microcefalia registrados na cidade ocorreram exatamente em regiões onde também foram notificados casos de filariose.

“Cerca de 85% das mães que tiveram bebês com microcefalia vivem em áreas onde foram registrados casos de filariose”, afirmou Lopes.

Algumas das características das regiões onde moram essas mães são as baixas condições de saneamento básico, com esgoto a céu aberto.

“Se o vírus zika fosse transmitido exclusivamente por Aedes aegypti seria uma doença democrática, como a dengue é. Todo mundo pega, e não somente as pessoas que estão extremamente expostas a picadas e à transmissão do vírus”, avaliou.


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