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Estudo que analisou populações de crustáceos do Brasil e da China identificou fragilidade dos organismos diante de alterações ambientais como elevação da temperatura e acidificação dos oceanos. Novas pesquisas apontam efeitos danosos também sobre relações entre espécies, do tipo presa e predador

Por Marcos do Amaral Jorge em Jornal Unesp | Um trabalho que reuniu pesquisadores de Hong Kong, da Europa e do câmpus de São Vicente da Unesp analisou a resposta dos organismos dos caranguejos-chama-maré a temperaturas extremas na China e no Brasil e concluiu que as espécies que habitam os manguezais brasileiros possuem menor resiliência a essas alterações. A diferença ocorre também entre os sexos, sendo as fêmeas mais suscetíveis a temperaturas quentes do que os machos. Os achados, alertam os estudiosos, ganham ainda mais relevância no contexto das mudanças climáticas e do aumento das temperaturas em escala global.

Quem já teve a oportunidade de caminhar por uma área de mangue muito provavelmente se deparou com pequenos caranguejos que chamam a atenção por terem uma das pinças (chamadas quelípodos) muito maiores do que o outro par, e por se esconderem rapidamente em suas tocas ao primeiro gesto de aproximação. O caranguejo-chama-maré, ou caranguejo-violinista, não é abundante apenas nos mangues brasileiros; existem mais de cem espécies desse crustáceo habitando os mais diversos ecossistemas costeiros nas regiões tropicais e subtropicais do planeta.

A vasta distribuição geográfica desse caranguejo pelo planeta permitiu que uma equipe que reuniu pesquisadores da Unesp, da Europa e de Hong Kong desenvolvesse um projeto conjunto para avaliar a resposta de seis espécies do crustáceo das costas brasileira e chinesa a temperaturas extremas. Uma das principais conclusões do trabalho é que caranguejos-chama-maré que vivem em regiões tropicais são mais suscetíveis a temperaturas extremas do que seus equivalentes que habitam a costa chinesa. O artigo relatando o estudo, publicado na revista Frontiers in Marine Sciences, é assinado por Pedro Jimenez e Lyle Vorsatz, da Escola de Ciências Biológicas da Universidade de Hong Kong, Stefano Cannicci, da Universidade de Florença, e Tânia Marcia Costa, docente e pesquisadora do Instituto de Biociências do câmpus Litoral Paulista da Unesp.

Diferenças entre os sexos

O trabalho também apontou uma diferença na capacidade de resistir às variações de temperatura entre os sexos, com as fêmeas sendo mais suscetíveis ao aumento do calor. A vulnerabilidade, segundo o trabalho, estaria associada ao gasto energético que as fêmeas têm com a produção e armazenamento dos ovos. Já os machos têm em seus quelípodos hipertrofiados um instrumento termorregulador que colabora para torná-los mais “resistentes” a essa variação.

De acordo com o trabalho, por serem as mais sensíveis termicamente, as fêmeas devem ser as primeiras a sucumbirem às mudanças na temperatura, colocando em risco a própria reprodução da espécie. Além disso, a maior temperatura impulsiona também o metabolismo dos caranguejos, o que os obriga a sair das tocas para buscar alimentos e, consequentemente, aumenta sua exposição a predadores.

Além de propor um novo entendimento sobre a performance metabólica desse tipo de caranguejo, os resultados do trabalho despertam a atenção quando analisados sob o cenário de contínuo aumento nas emissões de gases causadores do efeito estufa. A presença desses gases faz com que o calor resultante da radiação solar fique retido na atmosfera, provocando, como consequência, o aquecimento também dos oceanos. Para se ter uma ideia, no início do ano passado, um conjunto de pesquisadores de instituições de pesquisa da China e dos Estados Unidos publicaram um artigo na revista Advances in Atmospheric Sciences alertando que o ano de 2021 registrou o sexto aumento seguido na temperatura dos oceanos.

No Brasil, efeitos podem ser maiores

Para a Tânia Marcia Costa, a observação de que as espécies de caranguejos-chama-maré brasileiras apresentam uma temperatura letal menor que as chinesas contradiz uma ideia cristalizada na literatura científica de que espécies que habitam regiões do globo com maiores latitudes teriam menor capacidade de suportar as variações na temperatura.

“Se as espécies que vivem no Brasil têm uma sensibilidade maior, então qualquer alteração na temperatura pode ter um efeito muito mais drástico para elas”, explica a bióloga especialista no comportamento de animais aquáticos e efeitos de mudanças climáticas.“Essas espécies vivem muito próximas do seu limite térmico, e isso pode ser assustador se observarmos as projeções do clima para o futuro.”

O limite térmico ao qual a pesquisadora se refere diz respeito a um ambiente muito particular – e desafiador – que esses caranguejos habitam: o entremarés, uma faixa da região costeira restrita ao movimento de baixa e alta da maré. Nesta região, os crustáceos, além de lidarem com a dinâmica cíclica das águas do mar, que faz com que ora estejam expostos, ora estejam submersos, também acabam submetidos a uma intensa variação da temperatura. “No caso de um costão rochoso, por exemplo, quando a maré abaixa, surgem poças que podem chegar a 42 graus de temperatura e uma alta salinidade decorrente da evaporação da água. E mesmo nessas condições encontramos ali peixes e caranguejos”, explica Tânia. “Sabemos que as primeiras espécies afetadas pela mudança do clima são essas que habitam as entremarés, uma vez que elas já estão vivendo muito próximas do seu limite térmico.”

No projeto, os pesquisadores da Unesp, da Universidade de Hong Kong e da Universidade de Florença selecionaram três espécies de caranguejos de cada país, mas que habitam áreas com perfis distintos, sendo um de área não vegetada, um de áreas vegetadas e um de área úmida. Uma vez coletados, os animais foram depositados em tanques externos que simulavam o seu habitat natural. Ao replicar o ambiente, cada um em sua instituição, os pesquisadores puderam monitorar com maior precisão informações como o consumo de oxigênio ou o batimento cardíaco, por exemplo.

Leptuca thayeri, com sua pinça aumentada característica

“Para identificar a tolerância térmica, a metodologia que usamos foi colocar o caranguejo em banho-maria, virá-lo de ponta-cabeça e ir aumentando a temperatura gradativamente, enquanto monitorávamos o batimento cardíaco e avaliávamos a sua capacidade de retornar à posição normal”, explica Tânia. “Temos um protocolo para identificar qual é o momento em que o animal perde a capacidade de voltar à posição anterior e não precisamos esperar ele morrer. Testamos principalmente para temperaturas mais quentes, porque a ideia era estudar a resposta dos caranguejos no contexto da mudança do clima”..

Tânia vem trabalhando com esse tipo de caranguejo há cerca de 20 anos, quando estudou a ecologia da espécie na época do doutorado. A pesquisadora argumenta que os chama-maré são um bom modelo para pesquisa e fáceis de se trabalhar em laboratório, uma vez que não se estressam com facilidade e seu alimento é encontrado facilmente no sedimento presente no manguezal.

Outro fato que pesa no estudo dos caranguejo- chama-maré pela professora é que a região em que está localizado o câmpus do Litoral Paulista da Unesp, em São Vicente, abriga diversas espécies do crustáceo. Desde que chegou ao Instituto de Biociências da Unesp, Tânia vem trabalhando em uma área de mangue chamada Manguezal do Portinho que, embora seja bastante impactada pela presença humana, é habitat de oito das dez espécies de chama-maré encontradas no Brasil.

Uma das áreas de mangue investigadas por Tânia Costa e sua equipe

O longo período de estudos na área permitiu que a professora da Unesp encontrasse, alguns anos atrás, uma pequena população de uma espécie de chama-maré que não costumava habitar aquela área. Conforme a densidade dessa população foi aumentando, Tânia começou a estudar o fenômeno e concluiu que o aumento de 0,9 grau no litoral da Baixada Santista permitiu a expansão da espécie até o Manguezal do Portinho. “A chegada de uma nova espécie não é necessariamente uma coisa boa. O que nós observamos, entretanto, é que até o momento a densidade da nova população não está afetando outras populações que já existiam ali. Mas é um indicativo de que as coisas estão mudando”, afirma. O trabalho foi publicado no Journal of Experimental Marine Biology and Ecology, em 2020.

As pesquisas desenvolvidas pela professora da Unesp têm como principal foco o comportamento animal. Com as evidências da mudança do clima e suas consequências para o ambiente marítimo, como o já mencionado aumento da temperatura, a subida do nível do mar, a acidificação e maior salinidade das águas, os trabalhos de Tânia têm buscado cada vez mais relacionar essas duas áreas. “O que eu notei muito cedo foi que as primeiras respostas dos organismos às mudanças do clima ocorrem no âmbito comportamental”, argumenta. As próximas publicações irão avaliar o efeito do clima nas interações de consumo, como a relação entre presa e predador ou entre herbívoros e macroalgas, usando outros modelos que não os caranguejos-chama-maré. “Na relação presa-predador, por exemplo, as espécies se comunicam muito quimicamente. Com a acidificação oceânica decorrente das mudanças do clima, eles perdem essa capacidade: nem a presa identifica o predador, nem o predador identifica a presa. Esses são os projetos que estamos trabalhando no laboratório, atualmente.”

Este texto foi originalmente publicado pela Jornal Unesp de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.


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