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Avaliação foi feita por participantes da mesa-redonda “A bionergia alavancando a transição energética”, promovida pelo Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia

Por José Tadeu Arantes em Agência FAPESP | Com terras, insolação e vastas áreas de pastagem a serem convertidas em plantações, os chamados países emergentes (China, Índia, outras nações asiáticas, africanas ou latino-americanas e, principalmente, o Brasil) podem vir a desempenhar um papel crucial na transição energética. Abastecendo os mercados globais com biocombustíveis (de cana, milho e outros), contribuirão para a redução das emissões de gases de efeito estufa e para a consecução da meta de atingir uma taxa líquida (emissões menos absorções) igual a zero até meados deste século. Ao mesmo tempo, terão nisso uma importante fonte de renda, que pode contribuir para a redução das grandes assimetrias econômicas existentes no planeta.

A perspectiva é altamente promissora, mas há um grande obstáculo a ser vencido: as falsas narrativas que continuam circulando pelo mundo, principalmente nos países ricos da Europa. “Até pouco tempo atrás, a narrativa era a de que não havia terras suficientes e que a produção de biocombustíveis iria competir com a produção de alimentos e contribuir para a degradação florestal – o que foi totalmente desmentido pela experiência brasileira. Agora, a narrativa é a de que pode não haver biomassa suficiente. Quando entram na conta biocombustíveis para aviação, biocombustíveis marítimos e os planos europeus de não permitir em seu território o uso de nenhum produto agrícola, mas apenas resíduos, surge essa nova narrativa”, disse Glaucia Mendes Souza, professora titular do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP) e membro da coordenação do Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (BIOEN).

O assunto foi debatido na mesa-redonda “A bionergia alavancando a transição energética”, promovida em 20 de junho pela FAPESP, que reuniu vários especialistas do setor.

“Analisamos a situação de Brasil, Argentina, Colômbia e Guatemala, considerando inicialmente biocombustíveis que já estão estabelecidos: etanol de cana e milho, biodiesel de soja e palma. E chegamos à conclusão de que, em todos os casos, as reduções de emissões são significativas, chegando a 86%; que os produtos são competitivos com o preço do petróleo e geram empregos; e que esses países têm áreas de pastagem tais que, se quisermos duplicar a produção, conseguiremos com, em média, 5% de conversão dessas áreas em lavouras para produção de bioenergia – no caso brasileiro apenas 3%”, afirmou Mendes Souza.

Essa expectativa de duplicação para o Brasil é até conservadora. Pois há estudos mostrando que, apenas reutilizando áreas de pastagens degradadas, sem derrubar uma única árvore da Amazônia ou do Cerrado, é possível multiplicar por seis a produção atual de biocombustíveis. “Agora, estamos olhando a Ásia: China, Índia, Tailândia e Malásia. Também a África do Sul. A conclusão é a de que todos esses países, exceto a Malásia, têm terras consideráveis de pastagem que poderiam ser usadas”, acrescentou a pesquisadora, referindo-se a um levantamento que está sendo realizado no âmbito da Agência Internacional de Energia (International Energy Agency – IEA ).

O problema, conforme foi enfatizado por outros debatedores no evento, é que a ignorância é enorme. E, mais uma vez, está sendo utilizada na construção de narrativas que atendem a interesses econômicos que vão na contramão de uma efetiva transição energética.

Um dos subtemas polêmicos tratados na mesa-redonda foi o dos veículos elétricos, muitas vezes apresentados como uma espécie de panaceia para limpar as emissões no setor de transportes. “No Brasil, infelizmente, estamos comprando uma discussão que não é nossa. Uma coisa tem que ficar clara: a mobilidade do futuro vai ser eletrificada. Isso significa que a energia que chega à roda do veículo vai ser produzida por um motor elétrico. Porque isso é muito mais eficiente, elimina uma série de componentes. E, principalmente, porque, quando o veículo é freado, é possível transformar o motor em gerador e recuperar 30% da energia gasta – energia que hoje é desperdiçada quando pisamos no freio”, falou Ricardo Abreu, consultor em assuntos de mobilidade da União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica), entidade representativa das principais unidades produtoras de açúcar, etanol e bioeletricidade da região Centro-Sul do Brasil.

Que os veículos vão ser eletrificados é ponto pacífico. Mas não é este o nó da questão. A disputa, de acordo com Abreu, é saber se vão ser totalmente elétricos ou não. “No futuro, os veículos vão ter uma espécie de prancha totalmente montada com baterias e um motor elétrico em cada roda, ou em duas rodas pelo menos. Mas será preciso abastecer, de algum jeito, esse conjunto de baterias. Se forem abastecidas externamente, o veículo será 100% elétrico. Mas é possível reduzir em 80% a quantidade de baterias e colocar um gerador de eletricidade no interior do veículo: um motor de combustão interna, que abastecerá as baterias. Esse veículo será um híbrido”, explicou.

Segundo o consultor, a opção pelo veículo totalmente elétrico não está sendo feita por uma questão de sustentabilidade. Mas por interesses econômicos, de manter o mercado, e por interesses geopolíticos, de não depender de países produtores de combustíveis de baixo carbono. “Mas este não é o nosso problema. Não temos que entrar nessa discussão. Se adotássemos hoje, por decreto, a decisão de termos apenas veículos 100% elétricos, quais seriam os problemas? Primeiro: falta de infraestrutura de abastecimento. Segundo: baterias, que são muito caras, e precisam de materiais raros, concentrados apenas em alguns lugares, o que criaria a tal dependência geopolítica que se pretende evitar. A Europa foi correndo para os veículos elétricos porque não queria ficar na mão do sheik do petróleo e caiu na mão do chinês da bateria”, argumentou.

Abreu acrescentou que é possível ter um veículo híbrido, com bateria pequena e motor de combustão interna, abastecido com combustível de baixo carbono, por exemplo, o etanol. “É uma solução mais rápida, porque não precisa de toda uma infraestrutura; é mais barata, porque reduz o custo de baterias; e pode ser feita inteiramente no Brasil”, disse. E emendou que uma produção voltada totalmente para veículos 100% elétricos levaria, devido ao custo do produto, a uma redução do consumo e, consequentemente, ao envelhecimento da frota circulante e ao aumento ainda maior do fosso abissal que separa as classes sociais no país.

Outro problema em relação aos veículos elétricos é onde buscar a eletricidade. O caminho adotado inicialmente na Europa foi duramente criticado, durante o evento, por Hugo Cagno Filho, presidente da União Nacional da Bioenergia (Udop). “Os europeus apresentaram o carro elétrico como opção não poluente e foram recuperar minas de carvão para produzir a eletricidade. Essa foi a maior aberração que eu já vi”, falou.

Vale lembrar que o carvão é o combustível fóssil mais poluente: quando queimado, emite cerca de duas vezes mais dióxido de carbono (CO2) do que o gás natural e 30% mais do que a gasolina. “Agora, perceberam o que fizeram e estão mudando a conversa para o hidrogênio. Nós acreditamos que uma das fontes de hidrogênio será o etanol. Mas [o fato é que] o hidrogênio não será produzido nas usinas atuais. E, sim, dentro do próprio veículo. Já existe um carro no Brasil que faz isso há muitos anos”, comentou Cagno Filho.

Conforme o presidente da Udop, existem ainda dois entraves a um maior uso do bioetanol combustível do Brasil: a falta de conscientização ambiental dos consumidores e a política de preços. “Estou há 49 anos no setor. E, infelizmente, não conseguimos até agora conscientizar o povo brasileiro de que o etanol é uma coisa nossa, não poluente. Não há uma política pública de conscientização do uso de energia limpa. As pessoas só veem o preço na bomba. Ninguém consome o etanol porque é não poluente, consome porque é mais barato. E, quando o governo adota políticas para baixar o preço da gasolina, nós vamos juntos na brincadeira. Neste ano, por exemplo, estamos passando por uma dificuldade muito grande: as usinas direcionaram sua produção para o açúcar, porque o preço do etanol está abaixo do custo de produção. Vamos ter uma média de 30% de etanol para 70% de açúcar. E, mesmo assim, a maioria vai ser de etanol anidro, para ser misturado à gasolina”, enfatizou.

Apesar dos obstáculos, o tom predominante nos dois painéis realizados durante o evento foi de otimismo em relação ao papel dos biocombustíveis na transição energética. Inclusive diante da possibilidade de serem explorados, além do bioetanol e do biodiesel, outros subprodutos ou derivados com grande valor agregado. “A indústria do petróleo pautou toda a história da química e da produção de energia. Com isso, foram desenvolvidos modelos que são adequados para o petróleo. Mas as estruturas químicas dos produtos renováveis são bastante diferentes. O petróleo tem pouco oxigênio, enquanto os renováveis têm muito. Então, quando tentamos fazer com os renováveis algo semelhante ao que se faz com o petróleo, somos obrigados a jogar muita massa fora. Por exemplo, na produção de polietileno a partir do etanol, para cada quilo de polietileno produzido, 2,4 quilos de água são jogados fora. Isso acontece porque estamos forçando a situação, tentando adaptar uma coisa a outra”, ponderou Luis Fernando Cassinelli, professor de Embalagens Poliméricas no Instituto Mauá de Tecnologia e membro da coordenação do BIOEN-FAPESP.

Em contrapartida, segundo o coordenador, há uma série de bioprodutos interessantíssimos surgindo. “Um deles é a metionina, um aminoácido bastante usado na alimentação de frangos. A metionina de origem renovável é muito mais barata do que a feita de petróleo. Outro caso é o do ácido succínico, que dá origem a uma série de produtos. Feito a partir do petróleo, custava US$ 10 o quilo; feito de biomassa renovável, custa US$ 2”, exemplificou.

Cassinelli lembrou que o próprio motor flex utilizado nos veículos produzidos no Brasil foi uma tentativa de adaptação e disse não ser o ideal para funcionar com etanol. Segundo o cientista, um motor totalmente dedicado seria bem mais eficiente. “Estamos em uma fase de transição. Existe uma grande oportunidade para o Brasil. Nunca tivemos uma oportunidade tão boa como temos agora com a bioenergia. A área de pesquisa é extremamente importante para dar ferramentas a esse desenvolvimento. E acredito que, desta vez, ao contrário do que ocorreu em outras ocasiões, não perderemos a oportunidade”, arrematou.

A mesa-redonda “A bionergia alavancando a transição energética” teve dois painéis. No primeiro – “O futuro das biorrefinarias” –, além de Cagno Filho e Cassinelli, participaram Angela Oliveira da Costa, da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), e Alysson Camargo de Oliveira, da Geo Biogas & Tech. A coordenação foi de Rubens Maciel Filho, professor titular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e membro da coordenação do BIOEN-FAPESP.

No segundo painel – “Biocombustíveis e mercados emergentes” –, além de Mendes Souza e Abreu, participaram Aulus Binelli, da Vesta Greentech, e Erwin Franieck, da SAE Brasil. A coordenação foi de Luiz Augusto Horta Nogueira, professor da Universidade Federal de Itajubá e membro da coordenação do BIOEN-FAPESP.

A abertura do evento contou com as participações de Marcio de Castro Silva Filho, diretor científico da FAPESP; Marisa Barros, subsecretária de Energia, Petróleo, Gás e Mineração da Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado de São Paulo; Carlos Nabil Ghobril, coordenador da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA); e Glaucia Mendes Souza.

A mesa-redonda “A bionergia alavancando a transição energética” pode ser assistida na íntegra em: www.youtube.com/watch?v=wc8T2tEogaI.


Este texto foi originalmente publicado pela Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.


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