Além dos consultórios, os resíduos plásticos de pastas, fios dentais, restaurações e aparelhos ortodônticos percorrem um caminho perigoso da pia até o organismo humano, alertam especialistas
A busca por dentes limpos e saudáveis pode estar alimentando, silenciosamente, uma das crises ambientais mais urgentes do planeta. Bilhões de partículas de microplásticos são lavadas ralo abaixo diariamente, provenientes de produtos de higiene bucal e materiais dentários, contaminando ecossistemas e entrando na cadeia alimentar.
As pastas de dente, mesmo após a proibição de microesferas plásticas em vários países, continuam a liberar partículas microscópicas. O fio dental, majoritariamente produzido com náilon ou Teflon, constitui outra fonte silenciosa de contaminação, uma vez que suas fibras não biodegradáveis se desprendem e persistem no meio ambiente. Até a escova de dente comum solta fragmentos de cerdas de náilon durante o uso, que percorrem sistemas de esgoto e atingem o oceano.
Na cadeia alimentar marinha, esses microplásticos são ingeridos por plâncton, moluscos, peixes e, por fim, retornam aos humanos. Estudo médico de 2024 associou a presença de microplásticos em placas arteriais a maior risco de infarto e acidente vascular cerebral. Outras pesquisas indicam que a ingestão dessas partículas pode alterar a microbiota intestinal e desencadear processos inflamatórios.
Os materiais utilizados em consultórios odontológicos também representam uma preocupação significativa. As restaurações dentárias de resina composta, alternativa comum ao amálgama de mercúrio, liberam gradualmente partículas e monômeros na saliva. Durante procedimentos de desgaste ou polimento, são geradas poeiras plásticas microscópicas que, aspiradas e descartadas, alcançam o sistema de águas residuais.
Próteses dentárias acrílicas, placas miorrelaxantes, alinhadores transparentes e contenções ortodônticas removíveis também contribuem para o problema, desprendendo fragmentos com a mastigação ou a limpeza. O bisfenol A, composto presente em algumas resinas odontológicas, age como desregulador endócrino, mimetizando hormônios no organismo.
Diante dos riscos, soluções começam a emergir. A indústria investe em pastas com abrasivos naturais, como sílica ou argila, e pesquisa polímeros biodegradáveis. Mais de quinze países proíbem microesferas plásticas em cosméticos. Clínicas odontológicas testam sistemas de filtragem com carbono ativado para reter resíduos de resina.
Consumidores podem optar por pastas em tabletes ou pó, com embalagens livres de plástico, escovas de bambu ou com cerdas naturais, e fios dentais à base de fibras vegetais. Aparelhos ortodônticos metálicos permanecem como alternativa eficiente e menos poluente.
Os benefícios dos plásticos na odontologia são inegáveis, desde dentes mais brancos até tratamentos simplificados. No entanto, seus custos ambientais e potenciais riscos à saúde demandam atenção imediata. Inovação e conscientização são fundamentais para que a odontologia proteja os sorrisos sem intensificar a crise do plástico.
Referência: Mulligan, S., Hatton, P. & Martin, N. Resin-based composite materials: elution and pollution. Br Dent J 232, 644–652 (2022). https://doi.org/10.1038/s41415-022-4241-7