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Confira na íntegra a entrevista concedida por Matt Jordan, diretor de desenvolvimento sustentável do parque, ao Mongabay

Imagem de Hans Ripa no Unsplash

Resumo

  • O Parque Nacional da Gorongosa está sendo reflorestado com a ajuda do cultivo de café e outros sistemas agroflorestais.
  • Exportado para outros países, o Café da Gorongosa e outros empreendimentos relacionados a ele empregam diversos povos locais e indígenas com um modelo de agricultura regenerativo.
  • As plantações do parque também são benéficas para a vida selvagem: além dos pássaros que visitam frequentemente as agroflorestas, esses lotes são o lar de inúmeras espécies, incluindo algumas novas que acabaram de ser descritas pela ciência, como uma espécie de morcego.
  • A agrossilvicultura é o plantio intencional de safras de café, caju e outras plantas lenhosas perenes, como as árvores da floresta tropical. Esse tipo de agricultura também captura muito carbono da atmosfera, o que ajuda a desacelerar as mudanças climáticas.

O Parque Nacional da Gorongosa tem uma história e tanto! Fundado 60 anos atrás, foi campo de batalha da guerra civil em Moçambique, passou por um processo de revitalização recente e, hoje, é conhecido pelo envolvimento com as comunidades locais. O parque engaja a população local na gestão em todos os níveis, concentrando-se no desenvolvimento de escolas e programas de empoderamento feminino.

Nesse contexto, parece natural que o parque envolva a comunidade em um novo empreendimento agrícola, concebido para auxiliar no reflorestamento das encostas da Serra da Gorongosa através de sistemas agroflorestais. E Matt Jordan está bem preparado para dirigir esse projeto. Depois de se formar em engenharia ambiental, serviu ao Corpo da Paz em Moçambique, acreditando que os destinos das sociedades humanas e do mundo natural estão interligados e podem prosperar juntos.

Hoje, Jordan atua como diretor de desenvolvimento sustentável do parque. O cargo inclui a supervisão de projetos locais, como o cultivo do Café Gorongosa. Em entrevista via e-mail ao Mongabay, ele respondeu a algumas perguntas (cujas respostas foram editadas por questões de brevidade e clareza).

Entrevista

Mongabay: Que safras você está cultivando dentro dos limites do parque?

Matt Jordan: Plantamos café arábica cultivado à sombra, dentro das fronteiras do parque. A plantação de café é intercalada com árvores de madeira de lei nativas, como o mogno da África Oriental (Khaya anthoteca), titi (Erythrina lisistemon), albizia (Albizia adianthifolia), muonha (Breonadia salicina), panga panga (Millettia stuhlmannii) e mussulo (Bridelia micrantha), que fornecem a sombra necessária para os cafeeiros e ajudam a restaurar a floresta tropical.

No intervalo antes que o café se torne produtivo para os agricultores, apoiamos famílias com várias sementes para rotação de culturas, como feijão e milho, e através da horticultura. Ao lado das florestas de café restauradas, existem áreas de reflorestamento direto, principalmente em torno dos sistemas ribeirinhos. Além disso, os agricultores implementam a permacultura em grande parte das terras de cultivo de café, conservando o solo e a umidade para aumentar a produtividade.

Mongabay: De que maneira essas atividades se alinham aos objetivos e à missão do parque?

Matt Jordan: Todas as atividades agrícolas apoiadas pelo parque são regenerativas. O parque oferece suporte a três cadeias de valor principais: café à sombra, caju nas comunidades ao redor do parque e mel. Tanto o cafeeiro como o cajueiro são árvores perenes, que contribuem com o reflorestamento das áreas devastadas pelo corte de árvores para lavouras insustentáveis.

Por meio desses programas, o parque apoia os agricultores em toda a fase de produção, com insumos e assistência técnica. Todos os insumos são compatíveis com a conservação e as práticas agrícolas ensinadas aos agricultores são consideradas inteligentes para o clima (consórcio, rotação de culturas e outras).

O programa de mel ajuda as comunidades locais com uma renda extra, além de ampliar a compreensão da importância das abelhas como principais polinizadores. Em alto nível, essa combinação de ações (apoio local, mercados e práticas resilientes ao clima) pode levar a uma cadeia de valor virtual para os pequenos proprietários ligados a práticas agrícolas regenerativas e, assim, criar um senso de administração e prosperidade para ambos os envolvidos: biodiversidade e comunidades.

Mongabay: Quem é o dono da terra que está sendo cultivada? Os produtores têm segurança para o futuro?

Matt Jordan: Os indígenas ou locais são os proprietários das terras onde esses produtos são cultivados – embora o parque tenha alguns campos-modelo onde os técnicos cultivam esses produtos com a ajuda dos trabalhadores locais, criando empregos. É objetivo do parque começar a trabalhar com associações (de agricultores), e a lei moçambicana protege o direito à terra dos habitantes locais, inclusive daqueles que não possuem a documentação formal do DUAT (Direito de Uso e Aproveitamento da Terra).

Mongabay: Onde e como os grãos de café, o mel e a castanha de caju são comercializados e consumidos?

Matt Jordan: O Café Gorongosa é comercializado em Moçambique, nos Estados Unidos e na Europa. O mercado global tem se mostrado bastante receptivo e satisfeito em experimentar nossos produtos em casa. Estamos trabalhando para tornar nosso produto o primeiro mel orgânico exportado de Moçambique – atualmente, o mel é comercializado e consumido somente em Moçambique. O projeto de produção de caju acaba de sair da fase piloto, após três anos de trabalho na prova de conceito. Portanto, este será o primeiro ano que o parque vai colher e comprar cajus das comunidades locais.

Mongabay: Como um modelo de agricultura regenerativo, que sequestra muito carbono atmosférico, a agrossilvicultura também abriga enorme biodiversidade. Uma espécie de morcego que acaba de ser descrita pela ciência vive entre suas plantações, certo?

Matt Jordan: O mais empolgante é que as florestas de café estão trazendo a biodiversidade de volta. Projetos de pesquisa em andamento provam que, poucos anos após serem estabelecidas, essas agroflorestas já abrigam até 80% da biodiversidade encontrada na floresta tropical. É um resultado incrível. A Monte Gorongosa, onde o café é cultivado, é o lar de uma miríade de espécies endêmicas, incluindo uma lagartixa nova para a ciência e essa nova espécie de morcego, além de diversos invertebrados.

Mongabay: Uma vez que a Gorongosa é um parque nacional, como é gerida a interação entre esses animais e as culturas?

Matt Jordan: O projeto de coexistência humano-animal é fundamental para o parque. A maioria dos animais não consegue chegar às áreas onde o café é produzido, em razão da grande altitude (ou seja, o Monte Gorongosa). No entanto, nas terras baixas, defendemos uma solução inovadora: o uso de cercas de colmeias como um método eficaz de impedir que os elefantes entrem nas fazendas. Além de ajudar a proteger as plantações das pessoas, o mel, por si só, tem valor econômico e nutricional e ainda preserva os polinizadores. Estamos no processo de construção da maior cerca de colmeia do mundo e no início da produção de um mel especial, de alta qualidade.

Mongabay: Quantas pessoas ou famílias estão empregadas no projeto agroflorestal até agora? Qual é a visão para o futuro?

Matt Jordan: Atualmente, cerca de 5 mil pequenos agricultores se beneficiam diretamente dos programas de café, mel e caju, pois recebem insumos de produção, assistência técnica e têm um mercado garantido e justo para vender seus produtos. Além disso, cerca de 5 mil pequenos proprietários recebem apoio técnico e insumos para atividades de horticultura e pecuária.

Atualmente, também empregamos trezentos trabalhadores sazonais (o que é ótimo para o café, porque a colheita é feita na entressafra da cultura do milho), e o departamento de desenvolvimento sustentável conta com mais de cem funcionários. Em um futuro próximo, pretendemos incorporar a silvicultura sustentável, gerando mais trinta empregos, e já estamos procurando implantar colmeias sustentáveis ​​para as comunidades locais. Também estamos na fase de projeto das primeiras instalações de processamento de caju orgânico de Moçambique. O nosso objetivo é ter mil funcionários nos próximos cinco anos, transformando fundamentalmente as oportunidades disponíveis em torno do Parque Nacional da Gorongosa.

Mongabay: O Café Gorongosa oferece aos produtores opções para expandir suas operações ao longo do tempo?

Matt Jordan: O Café Gorongosa cresce cerca de cem hectares por ano e agrega cerca de duzentos novos agricultores todos os anos. Nossa meta é chegar a mais de mil hectares. Temos de ser grandes, porque esperamos restaurar 8 mil hectares de floresta tropical, usando a produção de café como catalisador para mais oportunidades de regeneração na montanha. O plano inclui também a possibilidade de introduzir um projeto de turismo na montanha, para que os visitantes possam experimentar os sabores do café e, depois, desfrutar das paisagens selvagens, dos leões e dos elefantes da Gorongosa.

Este relatório é parte da cobertura contínua da Mongabay sobre as tendências do agrossilvicultura global. Veja a série completa.

O renascimento ecológico do Parque Nacional da Gorongosa é tema de um novo episódio do programa de ciências Nova, agora transmitido nas estações PBS dos Estados Unidos. Veja o trailer.



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