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Bactérias e levedura tolerantes a radiação solar, escassez hídrica e variações de temperatura foram encontradas sobre placas fotovoltaicas no interior paulista. Segundo pesquisadores da UFSCar, algumas delas podem ser usadas para desenvolver pigmentos e biodetergentes

Por André Julião em Agência FAPESP – Só os organismos mais adaptados podem sobreviver a um ambiente exposto diariamente ao sol e às variações de temperatura que ocorrem ao longo do dia. Onde a água, quando aparece, não permanece por muito tempo.

Pesquisadores apoiados pela FAPESP encontraram um conjunto de bactérias e uma levedura adaptadas a essas condições em painéis fotovoltaicos, aqueles que transformam a energia solar em elétrica, instalados nas cidades de Sorocaba e Itatiba, no interior de São Paulo.

O estudo foi publicado na revista Microbiology Letters, da Federação das Sociedades Europeias de Microbiologia, e foi escolhido pelos editores do periódico como um dos destaques da edição.

Por suas características, os microrganismos encontrados têm grande potencial para o desenvolvimento de produtos que possam ficar expostos por longos períodos à radiação solar, como protetores solares, pigmentos para as indústrias de alimentos, química, têxtil, farmacêutica e cosmética, além de detergentes mais eficientes para a limpeza dos próprios painéis, com ação antimicrobiana.

“Observamos que a composição dessa microbiota é muito parecida com a encontrada em painéis fotovoltaicos em Valência [Espanha], Berkeley [Estados Unidos] e mesmo no Ártico e na Antártica”, conta Juliane Moura, que realizou o estudo durante seu mestrado no Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia e Monitoramento Ambiental (PPGBMA) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), em Sorocaba, com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (Capes).

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“Ainda que as condições climáticas sejam diferentes entre os painéis dos países estudados, a superfície do equipamento abriga uma comunidade de microrganismos adaptada à radiação solar, à flutuação de temperatura, à escassez de água e ao material de que as placas são constituídas”, explica Iolanda Duarte, professora do Departamento de Biologia do Centro de Ciências Humanas e Biológicas (CCHB) da UFSCar e coordenadora do estudo.

Para coletar as amostras, os pesquisadores passaram um tecido de algodão embebido em uma solução estéril sobre módulos fotovoltaicos em Sorocaba e Itatiba. O material foi então acondicionado e levado para o Laboratório de Microbiologia Aplicada da UFSCar, onde teve o DNA extraído.

Usando sequenciamento parcial do gene 16S rRNA, as pesquisadoras encontraram uma composição microbiana similar entre as amostras analisadas, embora a de Sorocaba, coletada na zona rural, apresentasse uma diversidade levemente maior.

Os resultados foram parecidos aos dos trabalhos feitos na Espanha, nos Estados Unidos e nos polos, apesar da distância geográfica e das diferenças climáticas. Os gêneros bacterianos Methylobacterium-methylorubrum e Hymenobacter representaram mais de 90% da diversidade observada no estudo.

Biodetergente

Entender como funciona a comunidade de microrganismos dos painéis fotovoltaicos pode ajudar até mesmo a manter a eficiência desses equipamentos ao longo do tempo. No Brasil, estudos já mostraram que a poeira acumulada nas placas pode reduzir a captação de energia em 11% após 18 meses da instalação. Em desertos, a redução pode chegar a 39%, passando de 50% quando há eventos extremos, como tempestades de areia, por exemplo.

Além de areia e outras partículas, a poeira encontrada nesses equipamentos é rica em microrganismos. Como estratégia de sobrevivência, algumas bactérias se agrupam nos chamados biofilmes, películas que acabam recobrindo os painéis e contribuindo para a redução da captação de radiação solar.

Para uma próxima fase do trabalho, que não consta no artigo publicado agora, as pesquisadoras isolaram uma levedura pigmentada, também encontrada nos painéis solares de regiões de clima frio, que pode produzir biodetergentes.

Essas moléculas são consideradas versáteis quanto a suas aplicações, uma vez que possuem características tensoativas, ou seja, reduzem a tensão superficial da água e, assim, ajudam a misturar água e substâncias insolúveis.

Além disso, podem ser empregadas como antimicrobianos, antitumorais e em biorremediação, como é chamado o uso de processos biológicos para degradar, transformar ou remover contaminantes do ambiente.

“A remoção de biofilmes é um problema difícil de ser resolvido em muitas atividades econômicas. Assim, o estudo é fundamental para o desenvolvimento de novas estratégias de gerenciamento desses painéis. Pesquisas futuras com a levedura produtora de biodetergente podem oferecer uma alternativa na formulação de produtos de limpeza mais eficazes para esses e outros equipamentos”, afirma Duarte.

Extremófilos

Organismos que suportam condições como as encontradas nos painéis fotovoltaicos são conhecidos como extremófilos. Alguns dos grupos de bactérias encontrados em Sorocaba e Itatiba, por exemplo, já foram localizados em amostras de solo dos desertos de Taklamaken, na China, de Gobi, na Mongólia, e do Atacama, no Chile.

Alguns dos isolados chamaram a atenção dos pesquisadores por serem pigmentados e crescerem em diferentes faixas de temperatura (3 oC a 50 oC). A presença de pigmento pode estar associada ao potencial de superar o chamado estresse oxidativo, quando há a produção excessiva de radicais livres e espécies reativas de oxigênio, que passam a causar danos ao organismo.

A radiação solar e a perda de água são algumas das causas do estresse oxidativo. Com superfície lisa e inclinada, os painéis fotovoltaicos são desenhados de forma a não reterem água da chuva ou de eventuais lavagens.

As pesquisadoras isolaram 63 microrganismos com potencial para resistir aos raios ultravioleta. No laboratório, eles serão avaliados quanto à capacidade de resistência a essa radiação e a possibilidades de aplicação biotecnológica.

Este texto foi originalmente publicado por Agência Fapesp de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original.


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