A série Stranger Things popularizou conceitos quânticos reais, como a interpretação de muitos mundos, que divide físicos há décadas
Em um laboratório secreto do governo, um experimento abre um portal para uma dimensão sinistra, desencadeando monstros em uma pacata cidade dos anos 1980. Essa premissa fantástica de Stranger Things, série da Netflix que chega ao fim este ano, encontra eco em teorias científicas reais. Embora Demogorgons e adolescentes com poderes psicocinéticos pertençam ao reino da ficção, a ideia de um universo paralelo – chamado de “Mundo Invertido” na produção – bebe de debates concretos da física teórica.
A interpretação de muitos mundos, proposta na década de 1950 pelo físico norte-americano Hugh Everett, é uma das referências mais claras. A teoria tenta resolver um quebra-cabeça quântico conhecido como “problema da medição”: como uma partícula, como um elétron, pode aparentar estar em dois lugares ao mesmo tempo até ser observada, quando então colapsa em um único estado. Everett sugeriu uma alternativa extraordinária. No momento da medição, o universo se ramifica, criando realidades paralelas onde cada resultado possível coexiste. Isso geraria um número infinito de mundos.
A série incorpora outros conceitos físicos além da trama central. O eletromagnetismo explica bússolas descontroladas e ímãs que caem de refrigeradores. Em uma cena da terceira temporada, os personagens até utilizam a constante de Planck em sua missão para fechar o portal – ainda que o valor usado pertença a 2014, um anacronismo para a ambientação nos anos 80.
Entre os físicos teóricos, a interpretação de muitos mundos gera profunda divisão. Para alguns, como Sean Carroll, da Universidade Johns Hopkins, é a explicação mais elegante e simples que se ajusta aos dados. Para outros, a teoria é considerada especulativa, já que a suposta impossibilidade de interação entre esses mundos a tornaria infalseável, conforme aponta Jorge Pullin, da Universidade Estadual da Louisiana. Uma pesquisa recente da revista Nature revelou que, entre as interpretações da mecânica quântica, a de muitos mundos ocupa atualmente a terceira posição em popularidade entre os especialistas.
O legado da série vai além do entretenimento. Ao misturar ficção e ciência, Stranger Things popularizou questões complexas da física moderna e reacendeu o interesse público por debates antes restritos aos círculos acadêmicos. A narrativa mostra como teorias abstratas podem capturar a imaginação e inspirar novas gerações a questionarem a natureza da realidade.
fonte: Nature