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A desinformação é utilizada como método para desmobilizar a luta pela proteção do rio Manicoré, mas também para influenciar o voto

Por Rosana Villar, da Greenpeace Brasil | A informação é uma mercadoria de difícil acesso nos confins da Amazônia. Em diversas regiões, o rádio ainda é um aparelho fundamental nas residências, por meio do qual é possível manter-se minimamente atualizado. Muitas comunidades não têm acesso à energia elétrica e tampouco à rede de celular ou internet. São lugares onde o que conta, acima de tudo, é de quem você ouviu uma história e o ambiente propício para a mais antiga das fake news, a fofoca.

Ao longo do rio Manicoré vivem quatro mil pessoas, distribuídas em 15 comunidades. Em 2006, quando começou a empreitada pela proteção da área de quase 390 mil hectares de florestas, campos naturais, campinas e campinaranas, com a criação de uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) na região, havia amplo apoio das comunidades associadas à Central das Associações Agroextrativistas do Rio Manicoré (Caarim) a favor do projeto, como conta Jolêmia Chagas, cientista agrária e doutora em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade. 

“O processo pela criação da unidade de conservação no Rio Manicoré tinha inicialmente todas as comunidades apoiando, todos muito engajados na luta. Mas no meio do caminho, começou um processo de muita desinformação, sobretudo pelo poder público local, vereadores fazendo um movimento contra a criação da unidade”, relata a pesquisadora. 

Uma RDS é um tipo de unidade de conservação (UC) categorizada como de “uso sustentável”, onde é possível aliar a conservação da natureza com o uso sustentável de parte dos recursos naturais. Diferente de uma UC de “proteção integral”, que tem a finalidade de preservar a natureza e sua biodiversidade e possui normas mais restritivas, as RDS protegem também o direito de comunidades tradicionais de manterem seu modo de vida e a transmissão de saberes. Mas não era essa a fofoca que chegava às barrancas do rio.

Na sede do município de Manicoré, carros de som e comícios propagavam a ideia de que a RDS impediria as comunidades do rio de manterem seus modos de vida, que não poderiam pescar, não poderiam fazer suas roças, que a área teria mais valor explorada. Notícias que ecoavam pelo rio, comunidade por comunidade. 

Na verdade, a RDS visa preservar justamente a área em favor do modo de vida dessas populações, evitando que a floresta de que dependem seja destruída por invasores. E é justamente contra isso que age a desinformação na região, para minar o movimento pela proteção da área, enquanto se constroem as estruturas para o crime ambiental. 

Segundo Jolêmia, em dezembro de 2021, durante uma reunião em Manaus com a Secretaria de Meio Ambiente do Amazonas, os representantes da Caarim receberam a notícia de que o processo da RDS do Rio Manicoré havia sido arquivado há meses. Por coincidência – ou não –  de acordo com levantamento do InfoAmazônia, em 2020 o registro de propriedades particulares dentro da área disparou e o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) emitiu uma série de licenças para exploração de madeira dentro da área e para serrarias no entorno

Comunicação no fluxo do rio

Durante a expedição Amazônia que Precisamos, conectamos os moradores do rio Manicoré com pesquisadores de conceituadas instituições de pesquisa em biodiversidade e ciências sociais do Brasil, para atuarem juntos na construção de um Plano de Gestão para implementar a Concessão de Direito Real de Uso (CDRU), conquistada pelas comunidades associadas à Caarim com muita pressão, após a fatídica reunião de dezembro de 2021. Foi espetacular ver como a troca de saberes corria como um rio sem obstáculos. 

Para que o território seja de fato protegido, fiscalizado e que seus moradores tenham acesso a políticas públicas voltadas ao fomento de atividades sustentáveis, a Caarim precisa apresentar uma série de estudos, como um inventário biológico da área, para que se possa avaliar seu potencial de conservação e de uso sustentável, um levantamento socioeconômico e um plano de uso, além de formar um conselho de gestão que ficará responsável por essas atividades e do Território de Uso Comum do Rio Manicoré.

Foi durante este trabalho que conheci Jairo Félix do Espírito Santo, morador e presidente da comunidade São Pedro dos Cardosos, na margem esquerda do rio Manicoré. Jairo é pescador e atuava como guia para a equipe de pesquisadores de peixes da expedição. Ele me contou que aceitou a empreitada também por curiosidade, pois queria entender o que era realmente uma CDRU. 

“Um dos motivos de eu aceitar essa viagem foi para ter informação. Para tentar conhecer de verdade o que está acontecendo, que está gerando muita dúvida no povo do rio Manicoré. Como isso vai funcionar? Porque o povo de Manicoré entende que ele vai ser limitado dentro de casa. Muita gente tem dúvida se vai poder fazer roça, se vai poder vender o pescado”, diz. 

Para Raimundo Antônio Ribeiro Caetano, morador da comunidade Parintintins, a dificuldade de checar informações também tem gerado dúvidas. O agricultor foi guia da equipe de pesquisadores em botânica da expedição. Sabia nomear as espécies, seus usos e comportamento de cada planta da mata, cada pé de pau.

“Quando começou a discussão da criação da área nós sempre discordamos, porque nós achávamos que seríamos prejudicados, pois tem reservas ao redor e diziam que aqui seria como essas reservas, onde falam que as pessoas passam necessidade. Eu creio que não seja assim, mas vem um dizendo uma coisa, vem outro e diz outra. Eu queria conhecer outra RDS, aí eu podia voltar e explicar qual a realidade mesmo”, afirma.

Informação para mudar o mundo

Depois de vários dias de troca de experiências, pesquisadores voltaram para seus laboratórios, herbários e escritórios, para processar e catalogar todo esse novo conhecimento adquirido com os moradores do Manicoré, e Raimundo e Jairo retornaram para suas comunidades, com novas histórias e uma gana ainda maior para lutar pela proteção de seu território. 

“Estar com as equipes da expedição para mim foi muito bom, porque eu estou com 44 anos aqui, e vi coisas que eu ainda não tinha visto. A gente tem coisas muito preciosas aqui no nosso rio, na nossa mata. E pelo que eu presenciei até agora, essa CDRU vai ser uma segurança a nosso favor, para que nós possamos fazer normalmente as nossas atividades, sem que venha gente de fora para desmatar. E isso para mim já me fortalece muito”, afirma Raimundo. 

A luta pela implementação da CDRU está apenas no começo. Nos primeiros dias de agosto deste ano, uma área de 1.800 hectares dentro da área abrangida pela CDRU foi queimada. O início desse desmatamento havia sido detectado em março pelo Papa-Alfa, o sistema de monitoramento do Greenpeace Brasil. Sem a implantação integral da CDRU, com real reconhecimento do território das comunidades ribeirinhas, aumento da fiscalização, avanço da infraestrutura de energia elétrica, as pessoas e a floresta continuam sob ameaça. 

Em agosto, iniciou-se oficialmente o período de campanha eleitoral no Brasil. Na região, o tom dos discursos políticos está cada vez mais inflamado, pendendo aos interesses das elites que impõem a economia da destruição. Mas desinformação não é uma exclusividade de quem vive longe dos centros urbanos; vivemos o pesadelo diário da notícia falsa de massa nas redes sociais, que tem o poder de destruição de uma bomba nuclear. 

Diante disso, nossa participação nessa empreitada, como indivíduos, pode começar pela nossa própria comunicação. Precisamos analisar com cuidado as informações que compartilhamos, colocar em pauta os debates e questões que são importantes para a vida, como a luta das comunidades do rio Manicoré, trocar conhecimento e experiências com outras pessoas. E, claro, a partir disso, tomar decisões conscientes nas próximas eleições.

Este texto foi originalmente publicado pelo Greenpeace Brasil de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.


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