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Nova cultivar de gramínea para o gado lançada pela Embrapa pode contribuir para elevar a produtividade da pecuária brasileira

Há duas boas notícias para os pecuaristas brasileiros. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) lançou há pouco tempo no mercado a primeira cultivar desenvolvida no país do capim Urochloa ruziziensis, também conhecido como Brachiaria ruziziensis. A nova planta, batizada de BRS Integra, é mais adequada às condições de solo e clima nacionais. Em um trabalho paralelo, outro grupo da instituição sequenciou o genoma da espécie, o que potencializa o melhoramento genético da gramínea e de outros capins do gênero Urochloa. Originário da África, o Urochloa, também conhecido como capim braquiária, é uma das principais forrageiras empregadas no país. Forrageira é o nome dado aos diferentes tipos de gramíneas e leguminosas, como milho e alfafa, usados para alimentar o gado.

A cultivar BRS Integra recebeu esse nome por se destinar aos sistemas de integração lavoura, pecuária e floresta (ILPF), um método sistematizado pela Embrapa que preconiza a rotação entre atividades agrícolas, criação de gado e plantio de florestas em uma mesma área. O objetivo desse sistema é elevar a eficiência de uso dos recursos naturais e reduzir o impacto ambiental da agropecuária. Estima-se que o sistema ILPF e suas variantes – como a conjugação apenas de culturas agrícolas e atividade pecuária em um mesmo local – estejam implantados entre 15 milhões e 18 milhões de hectares no Brasil, cerca de 10% do total (ver Pesquisa FAPESP no 314).

O principal diferencial da variedade BRS Integra, segundo o engenheiro-agrônomo Fausto Souza Sobrinho, pesquisador da Embrapa Gado de Leite, sediada em Juiz de Fora (MG), é a elevada produção de forragem na entressafra em comparação à cultivar Kennedy, a única recomendada no mercado para sistemas ILPF. “Ela chega a produzir na entressafra 25% mais forragem do que a Kennedy, uma gramínea de origem australiana que chegou ao Brasil nos anos 1970”, ressalta o especialista. Souza Sobrinho é o líder do estudo que resultou na nova cultivar.

Essa característica é importante, explica o agrônomo, porque, ao manter alta produtividade no inverno – o período seco que vai de junho a setembro –, a BRS Integra pode ser aproveitada tanto como forragem para alimentação do gado quanto como palhada, a palha seca que fica depositada sobre o solo após a aplicação de herbicida dessecante. “Quanto mais forragem no pasto, mais alimento disponível para o gado. Consequentemente, maior a produção de leite e carne naquela área.”

A palhada, por sua vez, é essencial para o plantio da lavoura de milho e soja, que acontece a partir da primeira ou da segunda semana de outubro. “A palhada aumenta a matéria orgânica do solo, o que ajuda a reter a umidade por um período maior e dificulta o crescimento de ervas daninhas. Com isso, cria-se um sistema mais sustentável e produtivo”, explica Souza Sobrinho.

De porte médio, com altura entre 80 e 110 centímetros (cm), a nova planta é resultado de um programa de melhoramento genético iniciado em 2004. “Ela foi registrada no Mapa [Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento] em 2019 e chegou ao mercado três anos depois, em março deste ano”, diz Souza Sobrinho. Seu uso foi direcionado inicialmente para o bioma da Mata Atlântica, mas já está sendo ampliado para o Cerrado. O custo da semente, segundo o pesquisador, é equivalente ao da cultivar Kennedy.

Para o zootecnista Ricardo Andrade Reis, da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Jabuticabal, o programa de melhoramento genético do gênero Urochloa desenvolvido pela Embrapa é de “suma importância” para o setor agropecuário. “Ele disponibiliza material genético de alto valor nutritivo e adaptado a diferentes condições edafoclimáticas [relativas ao clima e ao solo] do nosso país”, diz.

Segundo Reis, embora o Brasil tenha muitas espécies de gramíneas nativas, o desenvolvimento da pecuária nacional iniciou-se com a introdução acidental de espécies de gramíneas vindas da África Ocidental como cama nos navios que transportavam escravos. “Hoje, o capim predominante no país é o Urochloa brizantha, cultivar Marandu, que significa novidade em tupi guarani”, afirma. “Plantas forrageiras nativas do Brasil, como as gramíneas do gênero Paspalum (ver box abaixo), são utilizadas no sul dos Estados Unidos, na Argentina e no Paraguai, mas não têm a mesma importância econômica por aqui”, destaca Reis.

Sequenciamento genômico
Outra pesquisa envolvendo a U. ruziziensis foi realizada nos laboratórios da Embrapa Cerrados, unidade localizada no Distrito Federal. A equipe liderada pelo biólogo molecular Marco Pessoa Filho recorreu a tecnologias de sequenciamento de DNA e bioinformática de última geração para montar o genoma da gramínea.

“Com os resultados do sequenciamento do genoma poderemos avançar em estratégias de melhoramento genético da U. ruziziensis e de outras espécies usadas como forragem no país”, diz o pesquisador. “Esperamos reduzir o tempo necessário para o desenvolvimento e o lançamento de novas cultivares, hoje entre 10 e 15 anos.” O conhecimento gerado, de acordo com o especialista, também poderá levar a uma maior diversidade genética da gramínea, tornando-a menos vulnerável a pragas, como a cigarrinha-das-pastagens, doenças e eventos climáticos.

Pessoa explica que a U. ruziziensis tem proximidade evolutiva com outras três espécies do gênero Urochloa predominantes em pastagens tropicais, inclusive no Brasil: U. brizanthaU. decumbens e U. humidicola. A diferença é que essas gramíneas se reproduzem de forma assexuada, gerando clones de uma planta mãe a partir de sementes, enquanto a U. ruziziensis tem modo de reprodução sexual, ou seja, depende da combinação do material genético de duas plantas diferentes.

“A U. ruziziensis tem uma genética mais simples e tratável do ponto de vista de análise. O tamanho do seu genoma é mediano, de cerca de 600 milhões de pares de base, enquanto as outras três espécies têm mais de 1,1 bilhão de pares de base. Esse foi um dos fatores que fizeram com que o nosso grupo decidisse realizar o sequenciamento da ruziziensis”, explica Pessoa.

A Embrapa contou com a prestação de serviço do Centro de Inovação Genome Quebec da Universidade McGill, no Canadá. A instituição foi contratada para realizar a leitura e “tradução” de amostras contendo o material genético da gramínea em um texto com sequências de letras representando as bases nitrogenadas (adenina, guanina, citosina e timina) que formam a molécula do DNA. As análises seguintes, de montagem desse texto em grandes peças representando o genoma da espécie, foram feitas pela equipe da Embrapa. O trabalho contou com apoio da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAPDF), que destinou R$ 188 mil ao projeto.

Capim nativo é alvo de melhoramento genético
Pesquisadores trabalham para aprimorar as características do Paspalum, gramínea originária do Brasil

Entre as diversas espécies de capim nativo do Brasil, as que têm maior potencial como gramínea para a pecuária pertencem ao gênero Paspalum. Não por acaso a Embrapa investe desde a década de 1980 em um programa de melhoramento genético com foco na forrageira. “O Paspalum é um ótimo material para ser usado como alimento não apenas para bovinos, mas também para equinos, ovinos e caprinos”, conta o engenheiro-agrônomo Frederico de Pina Matta, pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste, localizada em São Carlos (SP). “Certas espécies apresentam-se superiores em produtividade comparativamente a algumas gramíneas exóticas [originárias de outros países] presentes no mercado, mas elas ainda precisam passar por um processo de melhoramento que aprimore aspectos relacionados à sua qualidade nutricional.”

O objetivo do programa de melhoramento da Embrapa, segundo o especialista, é aumentar a diversidade de forrageiras disponíveis para a pecuária nacional e, com isso, evitar a vulnerabilidade do sistema de produção gerada por extensos monocultivos de poucas espécies – hoje, 80% da pastagem brasileira é de braquiárias do gênero Urochloa, de origem africana. “Queremos elevar a disponibilidade de cultivares adaptadas ao nosso solo e condição climática”, diz Matta. Na década de 2000, a Embrapa chegou a lançar uma cultivar da espécie Paspalum atratum, batizada de Pojuca. A gramínea, contudo, não chegou a ser muito utilizada pelos pecuaristas brasileiros. “Houve um problema de marketing”, diz o agrônomo.

Uma das vantagens do Paspalum frente aos capins exóticos, como os do gênero Urochloa, é a resistência à cigarrinha-das-pastagens, principalmente à espécie Mahanarva sp. “O inseto suga os nutrientes da planta, deixando-a menos produtiva e com baixa qualidade nutricional. O Paspalum apresenta resistência a ela”, afirma Matta. Outra característica de destaque da gramínea nativa é a tolerância a condições de encharcamento do solo, o que geralmente não ocorre com as braquiárias. Por esse motivo o Paspalum é uma aposta para regiões do país que apresentam áreas com deficiência de drenagem.

Paspalum ocupa hoje grande parte da pastagem nativa dos Pampas, onde mais de 60% das gramíneas são nativas. “Os exóticos não têm muita entrada no Sul”, diz Matta. Quatro espécies de Paspalum (P. notatum, P. plicatulum, P. guenoarum e P. lepton) são atualmente alvo de um programa de melhoramento genético liderado por pesquisadores da Embrapa Pecuária Sul, com sede em Bagé, no interior do Rio Grande do Sul.

Este texto foi originalmente publicado pela Revista Pesquisa Fapesp de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.


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