Sindemia: por que você deve conhecer esse conceito

O termo sindemia foi criado a partir da junção das palavras “epidemia” e “sinergia”. Uma sindemia se forma a partir da interação de duas ou mais doenças em um contexto social nocivo à saúde pública.

Em meados da década de 1990, o antropólogo médico americano Merrill Singer, da Universidade de Connecticut, cunhou-o para descrever como as epidemias podem se sobrepor umas às outras sob fatores sociais, ambientais e culturais propícios ao desenvolvimento de determinadas doenças. Em 2009, Singer publicou o livro Introduction to Syndemics: A Critical Systems Approach to Public and Community Health, explicando, por exemplo, que outras doenças como HIV e tuberculose podem frequentemente formar uma sindemia.

Isso não só porque há o elemento biológico envolvido – afinal, o HIV que enfraquece o sistema imunológico, tornando soropositivos mais suscetíveis –, mas também porque desigualdades sociais, econômicas, de saúde precária e hábitos insalubres de vida permitem que a tuberculose prospere. Os efeitos dessas duas epidemias são amplificados em grupos vulneráveis, como pobres e refugiados, constituindo uma sindemia.

Sindemia global: obesidade, subnutrição e mudanças climáticas no mundo

Em 2017, a revista médica e científica The Lancet publicou uma série de artigos delineando como pensar em soluções para sindemias e fornecer cuidados que abranjam todos os problemas sobrepostos. Desde então, três fatores têm sido considerados a base do que se pode chamar de sindemia global: obesidade, desnutrição e mudanças climáticas. Juntos, eles representam uma ameaça grave à saúde humana de diferentes maneiras, mas interligadas entre si.

Essa abordagem se baseia na reformulação dessas três epidemias, permitindo que elas sejam encaradas não como problemas isolados, mas como partes do mesmo super problema, que afeta pessoas no mundo inteiro. A ideia é pensar em estratégias que possibilitem a superação dessas doenças como um todo. 

O relatório The Global Syndemic of Obesity, Undernutrition, and Climate Change, publicado em 2019 pela Comissão do The Lancet, afirma que a sindemia global é reforçada pela união entre sistemas alimentares prejudiciais e grandes empresas multinacionais, que priorizam os lucros em detrimento da saúde humana e da sustentabilidade.

Sistemas semelhantes

A agricultura e a produção de alimentos, por exemplo, contribuem com cerca de 20% das emissões globais de gases do efeito estufa e, de acordo com estudos, podem representar até um terço delas. O mau estilo de vida contemporâneo, acentuado pelo marketing da indústria dos alimentos, nos levou a um paradoxo: a obesidade triplicou desde 1975, atingindo cerca de 13% da população adulta no mundo; por outro lado, também houve um aumento global de desnutrição, que pode afetar tanto pessoas com sobrepeso como pessoas abaixo do peso ideal.

Isso significa que a desnutrição e a obesidade não são polos opostos. Ao contrário, elas são movidas pelos mesmos sistemas alimentares pouco saudáveis e injustos. Por sua vez, esses sistemas são sustentados por uma economia global que tem como foco o crescimento econômico, em detrimento da saúde, da equidade e do respeito ao meio ambiente, formando uma sindemia.

O relatório sugere um tratado global de saúde pública para regular as empresas de alimentos, da mesma forma que muitas nações têm lidado com as empresas de tabaco. Ele também sugere limitar a influência da indústria alimentícia sobre os governos. 

Outras sugestões incluem o estabelecimento de impostos sobre a carne vermelha, o fim dos 5 trilhões de dólares em subsídios para empresas de alimentos e combustíveis fósseis em todo o mundo e a criação de um fundo de 1 bilhão de dólares para apoiar iniciativas políticas de combate à sindemia global.

Imagem de Ante Hamersmit em Unsplash

Saúde pública na história: o que nos levou à sindemia mundial

Pela primeira vez na história registrada, bactérias, vírus e outros agentes infecciosos não causam a maioria das mortes ou incapacidade em nenhuma região do mundo. De fato, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), as doenças crônicas não transmissíveis, como as doenças cardiovasculares, foram responsáveis por cerca de 70% das mortes ocorridas globalmente em 2019. Enquanto as mortes por malária, tuberculose e doenças diarreicas caíram mais de 25% cada uma desde 2003. 

No entanto, nem tudo são boas notícias quanto se trata de saúde da população, e a sindemia global está aí para provar.

As melhorias na saúde contemporânea são impulsionadas mais por intervenções médicas direcionadas do que pelo desenvolvimento geral. A saúde humana passou a ser vista em termos da mera ausência de doenças ou do tratamento e do controle das enfermidades. Essa abordagem vai de encontro à definição de saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS), segundo a qual a saúde é “um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não somente a ausência de enfermidade ou invalidez”.

Essa interpretação errônea da definição de saúde pode ser a causa fundamental do aumento da epidemia de Doenças Não Transmissíveis (DNTs) em todo o mundo. O relatório do The Lancet revela que esse aumento é um reflexo do sistema político e econômico global, que prioriza a geração de riquezas sobre a geração de saúde. Em termos econômicos, essa situação representaria um caso de sucesso comercial (corporações ricas), mas falha de mercado (problemas de saúde e prejuízos ao meio ambiente).

Não restam dúvidas sobre a realidade das mudanças climáticas, induzidas e sustentadas pela ação humana. Há um consenso científico a respeito da ligação entre as emissões de gases de efeito estufa e as mudanças climáticas – e os efeitos disso se manifestam na forma de aumento do nível dos mares, padrões climáticos cada vez mais imprevisíveis e eventos climáticos extremos.

Custos

As estimativas dos custos econômicos futuros das mudanças climáticas são de 5 a 10% do PIB mundial, chegando a ultrapassar 10% do PIB de países de baixa renda. A maior parte do custo humano da mudança climática também recairá sobre os países mais pobres, que são os menos capazes de lidar com a situação e, ao mesmo tempo, os que menos contribuíram para o problema. Essa realidade premente tende a afetar o sistema de saúde pública desses países de maneiras jamais vistas e se manifesta na sindemia global.

Desafios sociais, ambientais e de saúde complexos já foram enfrentados com sucesso por meio de processos de mudança social, levando a mudanças culturais de valores e a ações de políticas públicas que mudaram os comportamentos da população. O relatório descreve, por exemplo, o Conceito de Manejo de Sete Gerações do povo indígena Iroquois, onde a geração atual vive e trabalha para o benefício de sete gerações no futuro. Estratégias como essa podem ser um primeiro passo para superar a sindemia global e evitar sindemias futuras.

Neste contexto, o relatório da Comissão do The Lancet leva o conceito de sindemia um passo adiante, aplicando-o para além das doenças individuais e tirando o foco dos cuidados com a doença para colocá-la sob os cuidados com a saúde (a humana e a do planeta). 

Além disso, ele identifica, com base em evidências, os profundos problemas sistêmicos responsáveis ​​por causar e sustentar a sindemia global. Os resultados revelam por que cada um de nós deveria conhecer e se engajar no combate a essa sindemia e a outras que possam eventualmente surgir, contribuindo para o bem-estar humano e ambiental.

Isabela

Redatora e revisora de textos, formada em Letras pela Universidade de São Paulo. Vegetariana, ecochata na medida, pisciana e louca dos signos. Apaixonada por literatura russa, filmes de terror dos anos 80, política & sociedade. Psicanalista em formação. Meu melhor amigo é um cachorro chamado Tico.

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