Foto de Jonathan Hislop no Unsplash
Por Isabella Lopes – Jornal da USP | A biomimética é um ramo de pesquisa que busca traçar estruturas e funcionamentos da natureza, de modo a incorporá-los em produções e dificuldades humanas. Para isso, são realizados estudos interdisciplinares que analisam a viabilidade e sustentabilidade dos mecanismos. Os fixadores de velcro, por exemplo, foram inspirados em carrapichos globulares e hoje compõem vestimentas, acessórios e itens organizacionais, entre outros.
O termo foi criado em 1997 pela bióloga e escritora Janine Benyus, no livro Biomimética: Inovação Inspirada pela Natureza (Cultrix, 2012) que o popularizou. Denise Selivon, professora do Departamento de Genética e Biologia Evolutiva do Instituto de Biociências da USP (IB-USP), entende que a área é uma aplicação prática da ciência evolutiva. “Ela vai utilizar as adaptações existentes que os organismos desenvolveram ao longo do tempo e que permitem a sobrevivência nos mais diversos ambientes.”
Para ela, a biomimética busca imitar essas adaptações e traduzi-las em tecnologias que atendam às necessidades da sociedade, com preferência à sustentabilidade. Além disso, segundo a especialista, essa prática está presente desde o momento em que a humanidade começou a produzir objetos, visto que havia inspiração na natureza.
A professora expõe que a observação é o primeiro passo para buscar essas estratégias. Já a segunda situação é caracterizada pelo entendimento profundo das funções e modos naturais. “A partir do momento em que você consegue desenvolver uma tecnologia que expande os seus sentidos, você passa a ver a natureza de outra maneira”, comenta.
O velcro é um caso em que a ação citada ocorreu. Em 1941, após um passeio com o cachorro, o engenheiro suíço Georges de Mestral percebeu que pequenas sementes grudavam nas suas roupas e nos pelos de seu animal de estimação. O profissional passou sete anos em pesquisas para entender o mecanismo dos carrapichos globulares e torná-lo utilizável, como alternativa para o zíper, conta Denise.
Após isso, ele montou uma estrutura de ganchos de nylon, que obteve sucesso comercial em 1967, com o início das expedições espaciais rumo à Lua. Isso se deu graças à facilidade de manuseio pelos astronautas.
O voo do pássaro martim-pescador foi a inspiração para um problema ocasionado pela alta velocidade dos trens-bala japoneses. Depois de atingir cerca de 270 km/h, o veículo gerava ondas de choque de ar deslocado dentro dos túneis, que, por sua vez, inviabilizavam o uso humano devido à poluição sonora. Eiji Nakatsu, um engenheiro japonês, encontrou no seu hobby de observação de aves a solução para o barulho dos trens-bala. Ao ver que o martim-pescador mergulhava na água produzindo poucos respingos e obtinha sucesso na predação, traçou uma relação entre a aerodinâmica e o bico do animal. “Ele fez estudos da forma e os engenheiros passaram a mudar a parte anterior do trem, para reduzir a formação dessas ondas de choque, e conseguiram”, conta Denise.
Outros exemplos, como a coloração estrutural das asas das borboletas, usada em maquiagens e na pintura de veículos, e as protuberâncias nas nadadeiras de baleias-jubarte — incluídas nas pás de geradores eólicos, de modo a trazer mais eficiência — são outros exemplos da biomimética no cotidiano.
A especialista explica que, apesar do eixo sustentável, nem todos os projetos seguem essa via: “O produto não é necessariamente assim porque a natureza não é sustentável. A sustentabilidade é um conceito humano”. Para ser considerado dessa linha é necessário que o item corresponda a três conceitos: modelo, medida (limites na atuação) e natureza como mentora, ou seja, “aprender com a natureza, sem extrair dela”.
Denise entende que os estudos sobre biomimética têm funcionalidade maior quando realizados em grupos interdisciplinares. “A quantidade de informações e conhecimentos que você tem em cada área é imenso. Você não consegue vários Leonardo da Vinci [em referência às atuações diversas do cientista, considerado o primeiro biomimetista da era moderna]”. Assim, a especialista avalia que é preciso saber trabalhar em equipe e entender que todos possuem a mesma relevância nas pesquisas.
De acordo com a visão dela, o ramo tem crescimento na atualidade pela preocupação com o consumo de produtos sustentáveis, especialmente de gerações mais novas. “A indústria está atenta a isso. Ela percebeu que a sociedade está mudando e que tem que se adequar à demanda.” Denise vê na educação uma maneira de despertar no grupo infantojuvenil a curiosidade pela natureza e ciência: “A criança tem o olhar diferente do nosso em relação ao mundo, até pela própria dimensão [física] dele”.
Este texto foi originalmente publicado pelo Jornal da USP, de acordo com a licença CC BY-SA 4.0. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.
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