Manipulação da carne de tatu representa riscos para a saúde humana

Se preferir, vá direto ao ponto Esconder

Apesar da Lei n° 5.197, que prevê uma pena de reclusão de um a três anos em caso de descumprimento, caçar, manipular e consumir carne de tatu são atividades comuns em algumas áreas do Brasil. Essa relação com o animal se dá por diversos fatores, como a escassez de alimentos, cultura regional ou apreciação pela carne. O que boa parte dos brasileiros não sabe é que essas atividades podem ser prejudiciais ao ser humano. Diversas doenças e infecções estão associadas a interações com o tatu, de modo que o contato com o animal é repleto de riscos para a saúde humana.

O professor Roberto Martinez, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, examina os perigos atrelados à caça do tatu. Ele conta que o animal faz tocas e sua caça é realizada com o auxílio de cães: “O tatu é acuado para dentro da toca e esse movimento dos cães e do tatu correndo faz uma dispersão das partículas do solo, cria um aerossol, e essas partículas podem ter vários elementos e microrganismos, inclusive fungos. O risco está nisso, a pessoa se aproxima porque ela se ajoelha tentando puxar o tatu da toca e acaba respirando partículas que podem causar doenças”.

Os humanos não são os únicos acometidos por esses fungos. “O pulmão do tatu é muito ‘sujo’. Ele contém muitas partículas, ovos de parasitas, helmintos e pode conter fungos também, de modo que o tatu é uma vítima. O ser humano pode aspirar e ficar doente, dependendo da quantidade de partículas. Os cães, eu não tenho notícia cientificamente relatada como tendo adquirido infecção fúngica, mas eu acredito que é uma possibilidade”, afirma o professor.

Perigos da caça

A principal doença relacionada à caça é a infecção fúngica conhecida como coccidioidomicose. De acordo com a Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, no Brasil, em mais de 90% dos casos, a doença tem sido diagnosticada em indivíduos que realizaram caçadas a tatus e foram expostos à poeira do hábitat desses animais.

Martinez explica como é possível identificar a doença: “Quando ela é sintomática, a pessoa tem sintomas respiratórios que não curam facilmente, pode lembrar até uma gripe, mas eles persistem e a pessoa pode entrar em uma situação de desconforto respiratório e falta de ar. Isso a leva ao médico, ele vai fazer um raio X, vai identificar que tem alterações radiográficas e por meio de testes de cultura de material respiratório ou por testes sorológicos pode detectar a infecção.

A maior parte dos casos de coccidioidomicose se concentra em regiões mais secas, principalmente no Nordeste do País, em Estados como o Piauí e o Ceará. Apesar da concentração regional, o professor indica que todos devem estar atentos: “Outras doenças podem ser transmitidas por essa carne. Além disso, é preciso ter cuidado com qualquer movimentação de solo, não só na caça ao tatu. A gente sugere usar máscara para se proteger contra a aspiração de partículas de fungos”.

Outros riscos

Além de riscos associados à caça, a manipulação da carne do animal também pode ser perigosa. “A carne do tatu pode ser contaminada com outros microrganismos, não só os fungos, porque o tatu pode ficar doente com a coccidioidomicose e com a paracoccidioidomicose — que é um outro fungo -, mas também pode ser infectado por Trypanosoma cruzi, o agente da doença de Chagas, e tem sido relatado o bacilo da lepra — a hanseníase. É claro que, se a pessoa manipula a carne e leva a mão à boca, ao nariz, ela pode estar se autoinoculando com microrganismos”, destaca Martinez.

Já em relação ao consumo, o professor relata que as ameaças são menores: “Se for uma carne bem cozida, como qualquer outra carne, o risco é mínimo ou até inexistente. O perigo seria consumir a carne malpassada, crua. O consumo da carne como um risco grande é de certa forma um mito, desde que a pessoa tenha os cuidados, ela não está tão sujeita a adquirir uma infecção”.

Embora a caça de animais silvestres seja crime ambiental, em algumas regiões do Brasil o consumo da carne de tatu se apresenta como a única opção para a escassez de alimentos. “Ela é praticada como meio de conter a fome no interior do Brasil, é um costume de longa data, as pessoas consomem na falta de outro tipo de carne”, ressalta Martinez.


Este texto foi originalmente publicado pelo Jornal da USP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.

Carolina Hisatomi

Graduanda em Gestão Ambiental pela Universidade de São Paulo e protetora de abelhas nas horas vagas.

Utilizamos cookies para oferecer uma melhor experiência de navegação. Ao navegar pelo site você concorda com o uso dos mesmos.

Saiba mais