Consumo e Produção

Poluição local expõe consumidores de peixe do mundo inteiro a químicos persistentes nocivos, revela análise

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Um estudo recente publicado na revista Science expõe o papel do comércio global de pescado na disseminação mundial de PFAS, substâncias químicas persistentes ligadas a doenças graves. A pesquisa demonstra que peixes contaminados em um oceano podem levar poluição a consumidores a milhares de quilômetros de distância, revelando uma dinâmica transfronteiriça de risco sanitário.

Os chamados “químicos eternos” – ou PFAS – são compostos industriais utilizados em uma vasta gama de produtos, como embalagens alimentares, cosméticos, revestimentos antiaderentes e espumas para combate a incêndios. Sua extrema resistência à degradação no ambiente faz com que persistam por décadas, acumulando-se nos organismos vivos. A ciência já associa esses poluentes a diversos problemas de saúde, incluindo câncer e doenças hepáticas.

No oceano, os PFAS são absorvidos por plâncton e algas, base da cadeia alimentar marinha. Pequenos peixes que se alimentam desses organismos incorporam as toxinas, que então se concentram progressivamente em predadores de maior porte – muitas das espécies que acabam servidas em mesas ao redor do mundo. O processo, conhecido como bioacumulação, transforma o pescado em um vetor de contaminação.

Para rastrear esse percurso, pesquisadores desenvolveram um modelo computacional que abrange 212 espécies marinhas, simulando a acumulação de PFAS ao longo da teia alimentar. Os resultados do modelo foram validados com testes laboratoriais em peixes de diferentes origens. Cruzando esses dados com registros de comércio internacional, a equipe mapeou como os poluentes viajam entre países por meio da exportação e importação de frutos do mar.

A investigação revela que uma nação com águas territoriais relativamente limpas pode ter sua população exposta a níveis elevados de PFAS através do pescado importado de regiões mais contaminadas. Itália, por exemplo, adquire apenas 11% de seu pescado da Suécia, mas essa parcela responde por mais de 35% da exposição nacional a essas substâncias. O comércio funciona, assim, como uma correia transportadora global de contaminantes.

Historicamente, considerava-se a contaminação por PFAS um problema local, vinculado à poluição das águas próximas. O novo estudo desmonta essa ideia, mostrando que a globalização do mercado de pescado desconecta a origem da poluição do ponto de consumo. Diante desse cenário, os autores defendem a criação de uma estratégia internacional coordenada para mitigar a exposição humana.

Medidas globais já demonstraram eficácia: a eliminação progressiva do PFOS, um tipo específico de PFAS, contribuiu para uma redução de 72% do risco associado a esse químico em peixes marinhos desde 2009. A construção de regulamentos mais rigorosos para o comércio internacional de pescado e o controle de substâncias de cadeia longa surgem como caminhos necessários.

A pesquisa reforça a complexidade dos desafios ambientais e sanitários na era da economia interconectada, onde a poluição de um ecossistema local pode repercutir em pratos de consumidores de outro continente. A proteção da saúde pública, portanto, demanda cooperação além das fronteiras nacionais.

Stella Legnaioli

Jornalista, gestora ambiental, ecofeminista, vegana e livre de glúten. Aceito convites para morar em uma ecovila :)

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