Declaração sobre saúde planetária pede “mudança fundamental na forma como vivemos”

Por Jornal da USP – Que a pandemia da covid-19 sirva de alerta: o planeta Terra está doente, acometido de poluição, mudanças climáticas, desmatamento, degradação ambiental, extinção de espécies e outras comorbidades diversas induzidas pelo homem. Os seres humanos, neste caso, são ao mesmo tempo os algozes, as vítimas e a solução; mas é preciso agir rápido e em conjunto para reverter esse diagnóstico, segundo uma declaração internacional divulgada nesta terça-feira (5 de outubro), por mais de 250 organizações do setor público e privado, de mais de 40 países.

“Nós, a comunidade global de saúde planetária, emitimos o alarme de que a deterioração contínua dos sistemas naturais do nosso planeta é um perigo claro e presente para a saúde de todas as pessoas em todos os lugares”, diz a Declaração de São Paulo sobre Saúde Planetária, redigida em conjunto pela USP e pela Planetary Health Alliance, um consórcio internacional sediado na Faculdade de Saúde Pública de Harvard, com apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

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“A pandemia de covid-19 é a mais recente de uma série de sinais de socorro que ressoam em todo o mundo. Mudanças climáticas, perda de biodiversidade e destruição da qualidade do ar, da água e do solo estão corroendo os sistemas de suporte de vida fundamentais dos quais todos dependemos”, diz o documento, publicado em conjunto com uma carta no periódico científico The Lancet. “A ciência da saúde planetária é clara: não podemos mais proteger a saúde humana a menos que mudemos o curso.”

Separar o lixo, fechar a torneira e apagar são exemplos de pequenos hábitos saudáveis que precisam ser estimulados; mas a “mudança de curso” sugerida pela declaração vai muito além disso. “Precisamos de uma mudança fundamental na forma como vivemos na Terra, o que estamos chamando de Grande Transição; (que) exigirá mudanças estruturais rápidas e profundas na maioria das dimensões da atividade humana”, alertam os cientistas. Tudo precisa mudar: a maneira como produzimos (e consumimos) nossos alimentos, como construímos nossas cidades (e vivemos nelas), como lidamos com o lixo, medimos prosperidade, produzimos conhecimento, cuidamos das florestas, do oceano, da atmosfera, da biodiversidade, e por aí vai.

“Todas as pessoas, em todos os lugares, de todas as vocações, têm um papel a cumprir na proteção da saúde do planeta e das pessoas para as gerações futuras”, conclui o documento. A declaração inclui recomendações específicas para 19 setores da sociedade — governos, empresas, instituições financeiras, universidades, imprensa, agricultura, lideranças religiosas e culturais, entre outros —, sobre como cada um deles pode contribuir para a Grande Transição. “Considerar o poder e o impacto da tecnologia, a fim de facilitar soluções transformadoras para o benefício de todas as pessoas e do planeta e para transmitir informações baseadas em evidências”, por exemplo, é uma das recomendações para profissionais da tecnologia. Para instituições financeiras, a orientação é: “Não investir em projetos e empreendimentos que lucrem com a degradação da natureza e, consequentemente, prejudiquem a humanidade. Em vez disso, priorizar aqueles que enfatizam o bem-estar humano e a recuperação dos sistemas naturais”.

A declaração deriva de uma conferência internacional realizada em abril (em formato virtual, em função da pandemia): a Reunião Anual de Saúde Planetária 2021, organizada pela Planetary Health Alliance e a USP, que atraiu milhares de pessoas, de diversos setores e diversos países, para discutir, durante seis dias, os desafios e os caminhos para se chegar à Grande Transição.

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“Não precisamos somente de novas leis, mas de novos comportamentos”, ressalta o professor Antonio Mauro Saraiva, da Escola Politécnica da USP, um dos organizadores da declaração e autor da carta na Lancet. A pandemia de covid-19 deu uma demonstração clara disso, segundo ele: não basta as autoridades publicarem leis exigindo o uso de máscaras e o distanciamento social, se as pessoas não mudarem seu comportamento. Por isso, completa o pesquisador, é importante que o movimento de transição rumo à saúde planetária ocorra “de baixo para cima”, liderado pela sociedade civil. “Precisamos trazer mais gente para essa conversa.”

A declaração, segundo Saraiva, é uma “chamada à ação”, e não apenas um discurso teórico: “Tem muita ação concreta que dá para fazer”. O documento foi talhado na conferência de abril e depois refinado com base numa consulta pública, realizada por meio da plataforma digital SparkBlue, do PNUD, da forma mais inclusiva e colaborativa possível. “Se é para produzir um documento que se propõe a induzir mudanças globais, temos que partir desse pressuposto de que todos precisam estar envolvidos, porque todos têm um papel a desempenhar”, pondera o professor.

“A saúde do planeta é um tema importante, urgente, e que abre perspectivas de pesquisa muito amplas e multidisciplinares”, diz o pró-reitor de Pesquisa da USP, o físico Sylvio Canuto. “A ideia de organizar o evento em São Paulo, e na USP em particular, foi uma forma eficiente de chamar a atenção dessas oportunidades e, ao mesmo tempo, dar maior integração internacional para os nossos grupos já atuantes.”

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Entre os signatários da declaração estão várias instituições de ensino e pesquisa do Brasil, incluindo as academias nacionais de Ciências, Letras e Medicina. O documento segue aberto para subscrições e será apresentado num evento internacional virtual, nesta quarta-feira (6 de outubro), às 12 horas, patrocinado pelo PNUD.

Ana Nóbrega

Jornalista ambiental, praticante de liberdade alimentar e defensora da parentalidade positiva. Jovem paraense se aventurando na floresta de cimento de São Paulo.

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