Lâmpadas LED tubulares inservíveis no depósito da Tramppo, em Osasco (SP) | Foto: Léo Ramos Chaves / Revista Pesquisa FAPESP
Por Yuri Vasconcelos – Revista Pesquisa FAPESP | Estima-se que em torno de 350 milhões de lâmpadas LED (diodo emissor de luz) sejam comercializados por ano no país. Mais econômicas e eficientes do que os modelos convencionais incandescentes e fluorescentes, elas têm vida útil de 25 mil a 50 mil horas de uso, segundo os fabricantes. Após esse período, são descartadas, muitas vezes de maneira inadequada. Para reduzir sua pegada ambiental e promover a economia circular, grupos de pesquisa no Brasil estudam formas de viabilizar a reciclagem dessas lâmpadas, que têm em sua composição metais raros e valiosos, como ouro, prata, cobre e os de terras-raras ítrio e cério.
Uma das investigações mais avançadas é liderada por pesquisadores do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), vinculado ao governo paulista, e da empresa Tramppo Reciclagem, com sede em Osasco (SP). Juntos, eles desenvolveram um método de desmontagem e separação dos materiais e componentes de lâmpadas LED, empregando uma rota de processamento físico. O caráter inovador do trabalho levou ao registro de duas patentes no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).
“Em 2018, assinamos um contrato com o IPT para criar uma tecnologia para reciclagem de lâmpadas LED. Sete anos depois, temos um protótipo funcional que faz a desmontagem delas de maneira automatizada”, afirma Carlos Alberto Pachelli, sócio-fundador e diretor da Tramppo. “Ao final do processo, cada um dos materiais que a compõem, basicamente polímeros, metais e cerâmicas, pode ser destinado à reciclagem. Até onde sabemos, somos pioneiros no desenvolvimento de um processo mecanizado. As poucas empresas do segmento fazem o desmantelamento das lâmpadas de forma manual, o que é um problema com o aumento do volume desse material.” O trabalho recebeu apoio da FAPESP por meio do programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe), da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação (Embrapii) e do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).
As lâmpadas LED são fabricadas em diferentes formatos, sendo os mais comuns o tubular, o bulbo – com a forma de pera – e o globo. Seus principais componentes são um invólucro de vidro ou plástico, uma fita com os diodos emissores de luz e um conjunto eletrônico formado por uma placa de circuito impresso contendo chips. O vidro é o material mais abundante, mas não o mais valioso. É na fita LED e na parte eletrônica que estão presentes os metais de interesse, conforme artigo da equipe do IPT focado na caracterização química de lâmpadas do tipo bulbo, publicado na revista Tecnologia em Metalurgia, Materiais e Mineração, em 2024.
Especialistas ouvidos pela reportagem dizem que a reciclagem de lâmpadas LED é importante do ponto de vista econômico e da sustentabilidade. “Permite a recuperação de metais raros, que podem ser usados em novos produtos, diminuindo a necessidade de extrair minérios da natureza e reduzindo os impactos ambientais”, destaca a engenheira química Sandra Lúcia de Moraes, diretora da Unidade de Materiais Avançados do IPT e gerente do projeto. Ao mesmo tempo, diz ela, contribui para reduzir a geração de resíduos eletrônicos. Lâmpadas LED contêm plástico e metais potencialmente tóxicos, como cobre, zinco e chumbo, que podem se acumular no solo e na água, causando danos à biodiversidade e à saúde humana.
Terminais com o circuito eletrônico (à esq.), fitas LED (ao centro) e vidro moído das lâmpadas descartadas (à dir.) | Foto: Léo Ramos Chaves / Revista Pesquisa FAPESP | Tramppo
Até hoje, explica Moraes, as iniciativas de reciclagem ao redor do mundo têm sido focadas na extração de metais valiosos nos diodos emissores de luz, sem que haja estudos voltados para os processos de separação física que antecedem as operações de metalurgia extrativa. “Essas rotas tecnológicas, comuns na Europa, não se aplicam à realidade brasileira, pois não contemplam os processos de separação pelos quais podem ser recuperados materiais como plástico, vidro, alumínio e cobre. Esses materiais, com valor agregado no mercado de reciclagem brasileiro, deixam de ser comercializados.”
Os métodos que aplicam diretamente a etapa de metalurgia extrativa recorrem a solventes para recuperar metais de interesse. Têm como passo prévio um processo de cominuição (redução de tamanho das partículas) das lâmpadas pelo qual todos os materiais presentes são triturados e transformados em partículas extremamente finas. “Esse material alimenta os processos de extração, que usam alto volume de reagentes químicos, gerando grande quantidade de resíduos. O plástico e o vidro não são aproveitados”, diz Moraes.
A maior diferença do método criado por IPT e Tramppo reside na etapa que antecede a extração dos materiais valiosos, qual seja, o desmantelamento e a separação física dos materiais recicláveis. Para isso, os parceiros desenvolveram um aparelho que separa os componentes das lâmpadas LED. Nas lâmpadas tubulares, o processo começa com o corte dos terminais, contendo o circuito eletrônico. Uma das particularidades do processo é o uso de um moinho autógeno, dispositivo cilíndrico e giratório usado para desmantelar a parte eletrônica e, assim, permitir a recuperação posterior dos metais contidos nela (ver infográfico abaixo).
Imagem: Alexandre Affonso/Revista Pesquisa FAPESP
“Nosso maior desafio foi desenvolver uma tecnologia que permitisse a descaracterização das lâmpadas e a separação de seus componentes, inclusive da fita LED, em materiais mais grosseiros”, explica o engenheiro de minas do IPT Francisco Junior Batista Pedrosa. Essa etapa prévia do processo reduz a quantidade de materiais submetidos às operações de metalurgia extrativa, minimizando o risco de gerar passivos ambientais. “Trata-se de um conceito conhecido no setor mineral como pré-concentração, que prevê o descarte do material que não é de interesse nas etapas iniciais do processo”, explica o pesquisador. Membro da equipe, Pedrosa é um dos autores de um artigo que investiga os mecanismos de desmantelamento de lâmpadas LED, publicado nos Anais do 76º Congresso Anual da Associação Brasileira de Metalurgia, Materiais e Mineração (ABM), em 2023.
A linha produtiva da Tramppo, que há 10 anos havia desenvolvido um método para reciclar lâmpadas fluorescentes, também com apoio da FAPESP (ver Pesquisa FAPESP nº 146), opera desde o início do ano em fase de testes. A capacidade do equipamento é de 500 quilos (kg) por dia. Melhorias e ajustes no processo poderão quadruplicar esse valor, estima Pachelli. O vidro, maior volume separado, é destinado à indústria cerâmica, enquanto o plástico segue para empresas recicladoras. Uma companhia estrangeira faz a retirada dos metais preciosos presentes na placa eletrônica. Tramppo e IPT têm interesse em criar uma rota para recuperar os metais presentes nos terminais eletrônicos e nas fitas LED.
A pesquisadora Lúcia Helena Xavier, do Centro de Tecnologia Mineral (Cetem), instituto de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), avalia como inovador o processo criado por IPT e Tramppo. “O maquinário construído possibilita a separação dos materiais presentes nas lâmpadas de forma eficiente e automatizada, conferindo maior viabilidade econômica ao processo. Sem a separação e a concentração dos diversos componentes, as etapas subsequentes de reciclagem ficam comprometidas”, destaca Xavier, que não participou da pesquisa.
Especialista em logística reversa, mineração urbana e economia circular, Xavier é uma das autoras de um estudo apresentado no 11º Fórum Internacional de Resíduos Sólidos, ocorrido em Porto Alegre, em 2020, que delineou um panorama das técnicas de reciclagem de lâmpadas LED inservíveis. Naquela ocasião, um dos principais problemas era a inexistência de um sistema de reciclagem padronizado para os diodos.
O Cetem investiga como recuperar metais valiosos e críticos presentes em lâmpadas LED. “Buscamos a caracterização físico-química desses resíduos e a aplicação de rotas de processamento que viabilizem a separação e a concentração seletiva de elementos de interesse, como cobre, prata, ouro”, explica a química Larissa Oliveira Alexandre, pesquisadora do centro. “O processo é simples, tem apenas duas etapas e não gera efluentes líquidos – não posso dar detalhes porque um pedido de patente ainda está em elaboração. Os produtos gerados têm teores de ítrio, gálio, cobre e prata bem superiores aos minérios naturais, reduzindo a dependência da extração primária.”
Imagem: Alexandre Affonso/Revista Pesquisa FAPESP
Na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul, pesquisadores do Departamento de Engenharia Química apostaram em uma rota similar à da Tramppo e do IPT, baseada no processamento mecânico da lâmpada descartada. “Usamos diferentes técnicas, como moagem, separação magnética e eletrostática, para realizar o desmembramento dos principais constituintes desses resíduos”, relata o engenheiro químico Daniel Bertuol, coordenador do trabalho.
Assim como na tecnologia desenvolvida em São Paulo, após o processamento mecânico da lâmpada, alguns componentes já poderiam ser enviados à reciclagem, enquanto outros – as placas de circuito impresso e o LED – ainda precisariam passar por rotas metalúrgicas adicionais. Uma diferença entre os estudos paulista e gaúcho é que a rota proposta na UFSM não prevê o corte dos terminais das lâmpadas e não usa o moinho autógeno para desmantelar o circuito eletrônico. Um artigo detalhando o processo foi publicado no periódico Resources, Conservation and Recycling, em 2020.
“Na época em que fizemos esse trabalho, havia poucos estudos dedicados ao tema. Nosso artigo contribuiu para o entendimento da composição química dos diferentes componentes, além de apresentar uma rota mecânica de separação deles”, diz Bertuol. O grupo não chegou a construir um protótipo do maquinário para desmontagem das lâmpadas. “No desenvolvimento da rota de processamento, utilizamos equipamentos em escala-piloto.”
Este texto foi originalmente publicado pela Revista Pesquisa FAPESP, de acordo com a licença CC BY-SA 4.0. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.
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