5G, uma revolução com muitas promessas e desafios

Por Felipe Mateus, do Jornal da Unicamp | Uma pequena parcela de brasileiros já pode se conectar ao 5G. Em 4 de julho deste ano, a quinta geração de internet móvel foi ativada em Brasília, primeira cidade do país a ter acesso à tecnologia. A previsão da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) é que as próximas capitais a receberem o 5G serão João Pessoa (PB), Porto Alegre (RS), Belo Horizonte (BH) e São Paulo (SP). O cronograma para a cobertura de todo o país vai até 2029. Conforme a tecnologia avançar, novas aplicações de internet serão desenvolvidas, contribuindo para a inovação de setores como a indústria, a agropecuária e os transportes. Ao mesmo tempo, a chegada do 5G torna mais urgente  reduzir as profundas desigualdades no acesso à internet existentes no Brasil. 

“Hoje, onde há cobertura 4G no país, a migração para o 5G é algo que faz sentido. No entanto, há lugares em que ainda não existe 4G ou mesmo 3G. É uma realidade que precisa de atenção”, comenta Christian Rothenberg, professor da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Unicamp e pesquisador na área. Ele explica que a expansão do 5G tem o potencial de ampliar as áreas do país em que ainda não há cobertura por outras gerações de internet móvel. Assim, a ativação do 5G não implicará o desligamento das demais redes. “O 5G vai conviver com o 4G”, pontua.

Dados da Anatel de junho de 2022 mostram que 90,49% dos moradores do país recebem cobertura 4G. A porcentagem alta esconde diferenças regionais: enquanto 99,66% dos moradores do Distrito Federal acessam o 4G, no Piauí o percentual cai para 73,78%. Por ser uma tecnologia que depende da infraestrutura de antenas – as chamadas Estações Rádio Base, ERBs, que fazem a conexão entre as operadoras e os dispositivos digitais –, há no país grandes “vazios” de conexão. Apenas 12,45% do território conta com cobertura 4G. O Amazonas é a unidade da federação com menor área coberta, 0,82% do estado. 

O potencial de ampliação da cobertura da banda larga móvel trazida pelo 5G é importante não apenas para garantir mais acesso a serviços digitais. Com a tecnologia chegando a mais pessoas e instituições, surgem novas possibilidades de incorporação da internet ao dia a dia, desde o consumo de vídeos por streaming e comodidades por aplicativos, até a operação de linhas de produção industriais, comunicação de veículos inteligentes e a realização, por robôs, de cirurgias à distância. Por isso, novos paradigmas tecnológicos devem levar em conta suas implicações sociais.  

“A Unicamp tem um potencial incrível para contribuir com o desenvolvimento do 5G, não apenas do ponto de vista tecnológico, mas também na formação de profissionais das humanidades que pensem a tecnologia pela perspectiva social, econômica e política”, avalia Marina Martinelli, doutoranda do Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências (IG). Ela coordena um fórum de discussão sobre 5G e convergência de tecnologias que reúne cerca de 220 pessoas de todo o país e fomenta a troca de informações de diferentes áreas do conhecimento. “Para modificarmos a realidade da exclusão digital, é necessário reformularmos todas as nossas políticas”, afirma Marina.

Alta velocidade e resposta rápida

A grande evolução proporcionada pelo 5G traduz-se no aumento da velocidade de downloads e uploads bem como na redução da latência, que corresponde ao tempo que um dispositivo demora para receber uma resposta; esses dois fatores tornam as conexões mais estáveis. Segundo a consultoria OpenSignal, hoje a velocidade média de download pelo 4G no país é de 21,6 Mbps (megabits por segundo), chegando a picos de 82,6 Mbps. Já no caso do 5G, a estimativa é de que essa velocidade seja de, em média, 1 Gbps (gigabit por segundo), podendo superar essa marca. A latência também diminui: o tempo de resposta cairia da média atual (de 30 ms a 70 ms (milissegundos) no 4G) para algo entre 5 ms e 20 ms com o 5G. 

Os avanços da banda larga móvel estarão disponíveis de forma plena a usuários e empresas com a implementação do chamado 5G standalone (SA), conhecido como “puro”. Em anos recentes, tornou-se comum que operadoras de telefonia oferecessem versões mais rápidas de conexão com o nome comercial de 5G, ou “4.5G” em alguns casos. Essa versão, chamada de non-standalone (NSA), utiliza parte da infraestrutura das redes 4G para entregar uma velocidade mais rápida, que se aproxima do desempenho do 5G. No entanto, o potencial verdadeiro da quinta geração acompanha outros incrementos que só as redes SA conseguem entregar, como é o caso da redução na latência. 

Isso é importante para que os benefícios do 5G consigam ir além das melhorias disponíveis aos usuários comuns. “Carregar vídeos no YouTube de forma mais rápida ou ver uma imagem com melhor definição, não são usos que justificam uma tecnologia 5G. No entanto, os ambientes de indústria 4.0, onde há aplicações de controle robótico, operação de drones, entre outros serviços que requerem comunicação sem fio de baixa latência e alta disponibilidade, utilizam terminais diferentes dos computadores pessoais e dos celulares”, argumenta Rothenberg. De acordo com ele, o setor produtivo demandará planos de distribuição de dados diferentes dos oferecidos aos usuários comuns: “São planos com garantia de desempenho que o Wi-Fi, por exemplo, não é capaz de entregar”. 

Outra possibilidade aberta pelo 5G que pode facilitar a conexão em banda larga de empresas e serviços e tornar realidade os projetos de cidades inteligentes é a criação de redes paralelas, customizáveis, em que é possível adequar as características da conexão às necessidades de cada tipo de serviço. Segundo Rothenberg, as tecnologias atuais não fazem essa diferenciação. 

“Por exemplo, no caso de operação de robôs utilizados em cirurgias médicas, é necessária baixíssima latência e pouca perda de pacotes de dados. Portanto, podemos priorizar esse tipo de tráfego colocando essas funções nas bordas da rede, geograficamente próximos das estações rádio-base, para que o atraso seja mínimo. Já as aplicações que precisem de muita banda, mas nas quais a latência não seja um problema, podem ser colocadas em datacenters centralizados, em que há maior capacidade de processamento, mesmo que haja uma latência maior”, explica. 

Essa é uma das tecnologias que são alvo das pesquisas na Unicamp. O hardware apresentado por Rothenberg agrega switches programáveis, que fazem a integração e distribuição de dados pelas redes, de forma customizável. Financiado pela Ericsson, a tecnologia também traz economia de espaço e de energia. “Nesse hardware, temos 32 interfaces de 100 Gbps cada. Para implementarmos a mesma capacidade de processamento programável de tráfego 5G utilizando servidores comuns, seriam necessários oito servidores desse tipo”, detalha. 

União de esforços

Os avanços tecnológicos na banda larga móvel do país são acompanhados de perto pelos pesquisadores da Unicamp. Os estudos voltados para o 5G dedicam-se a diversos aspectos, desde a origem dos dados, analisando como os bits são codificados em sinais eletromagnéticos, até as aplicações finais na forma de realidade aumentada e visão computacional, possibilitando novos contextos tecnológicos e sociais, como o potencial da inteligência artificial e o aprendizado de máquina. “Estamos na vanguarda das pesquisas. Acompanhamos o resto do mundo. As pesquisas e o desenvolvimento de padrões para o 5G tiveram início há dez anos. Há cerca de cinco anos, começamos a desenvolver projetos prevendo esse tipo de tecnologia. Já iniciamos pesquisas de base que vão nos permitir ir além do 5G, ou seja, o 6G já está começando.” 

Nesse sentido, Rothenberg destaca o recém-aprovado Centro de Pesquisa em Engenharia “Redes e Serviços Inteligentes rumo a 2030” (SMARTNESS), financiado pela Fapesp e pela Ericsson e com sede na Unicamp. O objetivo do centro é desenvolver pesquisa de ponta com foco em redes de telecomunicação e aplicações em áreas estratégicas nas quais impactos científicos e tecnológicos podem ser alcançados até 2030.

Para ampliar o alcance dos estudos em 5G, a Unicamp integra o Open 5G@ Campinas, uma iniciativa colaborativa para pesquisa, desenvolvimento, experimentação e inovação de tecnologias e aplicações do 5G em áreas como educação, saúde, indústria, desenvolvimento urbano e agropecuária. “Vários atores interessados na tecnologia 5G assinaram um manifesto com princípios e diretrizes de compartilhamento de experiências, laboratórios e infraestrutura. A ideia é trabalhar com modelos de inovação aberta para que todos ganhem com a adoção e evolução do 5G. Aqui em Campinas temos um bom ecossistema para esse trabalho”, ressalta. Além da Unicamp, fazem parte do grupo o  Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPQD), a PUC-Campinas, a Embrapa, a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP), a Prefeitura de Campinas e a operadora Tim. 

A articulação é necessária para atender a uma das características do 5G: seu desenvolvimento constante. “É preciso deixar claro que não haverá um 5G definitivo. Ele é composto por um conjunto de evoluções do padrão 5G chamadas de releases. Vários dos aspectos do sinal ainda estão em evolução. Por isso, não se pode pensar que um sinal de 5G será lançado e ele nos acompanhará até o 6G. Por isso, aspectos que ainda serão relevantes – como carros autônomos, aplicações de baixíssima latência, entre outros – surgirão futuramente. Eles não estão no release atual em lançamento no Brasil”, esclarece Rothenberg. 

É preciso diálogo

Para que os objetivos de desenvolvimento e inovação trazidos pelo 5G se tornem realidade, é necessário olhar para todos os envolvidos nesse processo e levar em conta as demandas e características da sociedade na qual ele será construído. Entretanto, essa é uma perspectiva que precisa ser colocada em prática. “A expansão do 5G ainda está muito restrita às empresas e a discussão ainda é muito técnica”, aponta Martinelli. “Falta articulação dos atores e uma  participação maior das universidades, das associações, dos movimentos sociais, de ONGs e também dos consumidores finais para que se coloquem frente aos órgãos públicos e privados na geração de políticas de incentivo.”

De acordo com a pesquisadora, o país carece de políticas públicas para a ampliação do acesso à internet, como um Plano Nacional de Banda Larga. Da mesma forma, nem o ambiente empresarial suscita a expansão dessas redes para regiões remotas e nem o público em geral é incluído no processo de desenvolvimento de novas tecnologias. “Há uma lacuna na cobertura de internet já nas redes 3G e 4G, fazendo com que as pessoas não tenham acesso à banda larga. Não há incentivo para criar um ambiente competitivo para as empresas, visando à expansão na oferta de pacotes, nem para que as pessoas participem das discussões a respeito disso”, argumenta.

Os dados mostram que a expansão da banda larga móvel, por meio do 5G, pode revolucionar o acesso à internet no Brasil. Segundo a pesquisa TIC Domicílios 2021, elaborada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil, 99,4% dos brasileiros acessam a internet pelo celular, sendo que para 64,1% o dispositivo móvel é a única forma de acesso. O uso de computadores, aptos a utilizar redes por cabo ou Wi-Fi, compreende apenas 35,7% desse total. 

Por isso, o papel das operadoras de telefonia ao levar o 5G a diferentes regiões deve ser orientado para que elas atendam também a essas funções sociais da conexão, de forma a beneficiar tanto o setor produtivo quanto os usuários finais. “O grande problema do leilão do 5G nos Estados Unidos foi que, apesar de considerado um dos mais bem-sucedidos do mundo, o processo não levou em conta os interesses do usuário final. Não foram analisadas as demandas das pessoas, o que resultou no monopólio de algumas empresas e um 5G muito caro”, exemplifica Martinelli. “No Brasil, um plano de universalização da banda larga pode reforçar desigualdades. Por isso, precisamos de um ambiente competitivo, que faça com que as empresas se interessem por essa expansão”.

Martinelli aponta que o papel das universidades nesse cenário é fundamental, por serem elas espaços em que se incentiva a troca de conhecimento e a interdisciplinaridade. “Aqui no IG, há abertura para olharmos a tecnologia como um produto moldado pela sociedade, da mesma forma que a sociedade também é moldada pela tecnologia. Mas essa é uma visão incipiente mesmo no mundo acadêmico. Deve haver uma maior integração entre todas as diferentes visões sobre o que vem a ser Inovação, para além dos binarismos. Os aspectos sociais, políticos e também econômicos devem ser levados em conta; afinal, estão imbricados”.

Na visão da doutoranda, desenvolvimento tecnológico e pensamento social devem ser complementares, de forma que o avanço proporcionado pela nova geração de banda larga móvel traga benefícios para empresas e pessoas. “Há uma promessa de revolução com o 5G, mas, se ela não for acompanhada de ganhos sociais, econômicos e políticos, não haverá revolução nenhuma”.

Este texto foi originalmente publicado pelo Jornal da UNICAMP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.

Equipe eCycle

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