Vacina inédita para vírus de elefantes ativa células T e tem participação brasileira

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Por Denis Pacheco – Jornal da USP | O elefante-asiático, único representante vivo de seu gênero, é o maior mamífero terrestre da Ásia. Desde 1986, sua população caiu mais de 50% nas últimas três gerações devido à caça, destruição de habitats e a presença de um vírus, descoberto nos anos 1990, que infecta os animais da espécie. Por isso, pesquisadores do Reino Unido e do Brasil desenvolveram a primeira vacina contra o chamado Herpesvírus Endoteliotrópico de Elefantes (EEHV). Os resultados foram publicados recentemente na revista Nature Communications.

A vacina é fruto de um esforço internacional que contou com a participação do pesquisador Frederico Moraes Ferreira, do Laboratório de Nefrologia Celular, Genética e Molecular (LIM/29) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP). Em entrevista ao Jornal da USP, Ferreira explicou que o vírus EEHV representa hoje uma das maiores ameaças à conservação dos elefantes-asiáticos, especialmente os filhotes. “Esse vírus causa uma doença hemorrágica nos animais, particularmente nos bebês elefantes”, explica. “Como é uma espécie ameaçada de extinção, não podemos mais retirar esses animais da natureza, e o herpesvírus está causando a morte de outros justamente na fase da infância.”

A preocupação é fundamentada por dados que estimam que, nos últimos 20 anos, cerca de 65% dos elefantes-asiáticos jovens que contraíram o EEHV em zoológicos da Europa e América do Norte não sobreviveram à doença. Com um número reduzido de nascimentos e altas taxas de mortalidade, a população em cativeiro, essencial para a conservação, se torna cada vez mais vulnerável.

Para enfrentar esse desafio, os cientistas desenvolveram uma vacina heteróloga, ou seja, baseada na combinação de mais de um imunógeno, substância que provoca resposta imune no organismo. “Utilizamos uma combinação do vírus modificado MVA [versão inofensiva do vírus vaccinia] e de uma proteína adjuvada [que aumenta a eficácia da vacina] para induzir uma resposta de células T, particularmente CD4+ e CD8+”, explica Ferreira. 

Essas células são tipos de glóbulos brancos que desempenham um papel central na defesa contra infecções. Eles são essenciais no combate a vírus latentes – que permanecem “adormecidos” dentro das células após a infecção inicial – como o herpes, detalha ele. 

O estudo, conduzido como prova de conceito, foi realizado com três elefantes adultos no Zoológico de Chester, no Reino Unido, que já apresentavam imunidade prévia por serem portadores latentes do EEHV. Nenhum deles apresentou efeitos adversos. “Era fundamental saber se a vacina era segura antes de qualquer coisa. E conseguimos demonstrar isso: a vacina é segura e tem capacidade imunogênica”, afirma Ferreira.

De acordo com o pesquisador, a escolha de direcionar a vacina para a chamada imunidade celular, em vez da produção de anticorpos, foi estratégica. “A análise transcriptômica [estudo dos RNAs mensageiros para entender como os genes são ativados ou desativados] mostrou aumento de marcadores genéticos ligados a essas células T, enquanto genes associados a monócitos e células B foram suprimidos”, relata. Isso sugere uma ativação precoce e específica contra o vírus, uma abordagem considerada inovadora para esse tipo de infecção.

Uma fêmea de elefante asiático e seu filhote no Parque Nacional Mudumalai, na Índia – Foto: Mitali Banerji – Wikipedia

Próximos passos

Para Helder Nakaya, pesquisador da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP e também autor do estudo, a opção por induzir a resposta celular, em vez da tradicional resposta baseada em anticorpos, se justifica pela natureza do próprio vírus. “Esse vírus é da família dos herpesvírus, a mesma do citomegalovírus e do herpes simples, que ficam latentes nas células”, esclarece. “As células CD8+, que são células T, conseguem encontrar essas células infectadas e matá-las.” Segundo o cientista, esse tipo de resposta tende a ser mais eficaz contra vírus que se escondem no organismo, reduzindo o risco de latência e possíveis recidivas.

Nakaya também salienta que, em casos como o do EEHV, o uso de anticorpos pode até agravar a infecção, fenômeno conhecido como ADE (do inglês antibody-dependent enhancement). “Imagine que você tem esse EEHV de uma cepa X e a vacina foi feita para a cepa Y. O anticorpo induzido para combater o vírus Y não neutraliza o vírus X quando ele infecta”, explica. “Além de não neutralizar, o anticorpo ligado ao vírus faz com que o monócito, a célula primária que o vírus gosta de infectar, o capture, facilitando a infecção em vez de impedi-la.” Por isso, ele reforça que a estratégia de estimular células T, e não anticorpos, é considerada mais segura nesse caso.

E a técnica também tem potencial para aplicações futuras. “É uma vacina específica para elefantes. A próxima etapa é realizar um estudo maior, incluindo animais em idade infante, para analisar o tipo de resposta imune celular que está sendo induzido”, diz Frederico Moraes Ferreira. A continuidade do estudo envolve testar a vacina em elefantes jovens, mais suscetíveis ao vírus. “Tivemos que realizar uma análise detalhada. Isso demandou bastante cautela devido ao número pequeno de amostras, o que é uma limitação reconhecida no artigo. Ainda assim, a prova de conceito foi realizada diretamente em elefantes e considerada um sucesso”, pontua ele.

Embora ainda não esteja disponível comercialmente, a vacina pode ter impacto direto na preservação da espécie, especialmente entre os animais em cativeiro, os mais afetados pela doença. “[Ela] contribui com a conservação de uma espécie que, além de ameaçada, é símbolo de educação ambiental e pesquisa científica”, conclui Ferreira.

O artigo A safe, T cell-inducing heterologous vaccine against elephant endotheliotropic herpesvirus in a proof-of-concept study pode ser acessado aqui

Mais informações com o pesquisador Frederico Moraes Ferreira, pelo e-mail ferreirafm@usp.br, e com o professor Helder Nakaya, pelo e-mail hnakaya@usp.br.

Este texto foi originalmente publicado pelo Jornal da USP, de acordo com a licença CC BY-SA 4.0. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.

Bruna Chicano

Cientista ambiental, vegana, mãe da Amora e da Nina. Adora caminhar sem pressa e subir montanhas.

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