Povos originários

Tramitação acelerada da PEC 48 ameaça garantias constitucionais dos povos indígenas

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Por Lays Cristina Araujo – WWF-Brasil | A PEC 48/2025 foi encaminhada diretamente ao plenário do Senado Federal para votação, sem apreciação prévia pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). A proposta tenta incluir na Constituição o chamado “Marco Temporal” para a demarcação de terras indígenas. A votação ocorre na mesma semana em que o Supremo Tribunal Federal (STF) pautou para julgamento as ações diretas de inconstitucionalidade (ADI) que questionam a Lei 14.701/2023, que trata da mesma matéria. 

A condução acelerada da Proposta de Emenda à Constituição 48/2025 tem gerado preocupações entre especialistas em direitos indígenas e organizações socioambientais. Para o WWF-Brasil, a tramitação direta ao plenário reduz a transparência, limita o rigor técnico do debate da constitucionalidade da proposta e pode ter implicações para a segurança jurídica necessária à formulação de políticas públicas socioambientais consistentes. 

Ao propor que o direito dos povos indígenas à posse de seus territórios dependa de marcos temporais e condicionantes não previstos originalmente no texto constitucional, a PEC 48 pode alterar de forma significativa o regime jurídico que orienta a demarcação de terras. Os artigos 231 e 232 da Constituição reconhecem esses direitos como anteriores à formação do Estado brasileiro — entendimento reiterado pelo Supremo Tribunal Federal — e estabelecem que os processos de demarcação se baseiem em estudos técnicos, evidências antropológicas e participação social qualificada. Juristas apontam que esses direitos integram o núcleo essencial das garantias constitucionais e são considerados pela doutrina como cláusulas pétreas, o que limita alterações por emenda constitucional. 

A aceleração da votação ocorre paralelamente ao julgamento, pelo STF, da Lei 14.701/2023, que estabeleceu que apenas as terras ocupadas por povos indígenas na data da promulgação da Constituição poderiam ser reconhecidas enquanto tal. Essa disposição tem sido considerada por especialistas como incompatível com o art. 231, que afirma que os direitos territoriais indígenas são originários e independem da ocupação contemporânea. 

A sobreposição entre iniciativas legislativas e judiciais cria um cenário de incerteza sobre o futuro das políticas territoriais e pode gerar interpretações conflitantes sobre o tema. Organizações e pesquisadores avaliam que a eventual aprovação da PEC 48 teria efeitos especialmente sensíveis em biomas como a Amazônia e a Mata Atlântica, onde territórios indígenas desempenham papel central na conservação da biodiversidade, no controle do desmatamento e na regulação climática. Estudos independentes e órgãos de controle têm indicado que mudanças nas regras de demarcação podem intensificar conflitos fundiários, facilitar a expansão de fronteiras de degradação e ampliar pressões sobre ecossistemas vulneráveis, com possíveis impactos sobre compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. 

Do ponto de vista institucional, alterações no regime constitucional dos direitos indígenas também podem influenciar a estabilidade jurídica de políticas públicas e empreendimentos em regiões onde há disputas territoriais. Projetos localizados em áreas de conflito fundiário tendem a enfrentar maior risco de judicialização e insegurança regulatória, o que afeta tanto o setor público quanto o privado. Especialistas afirmam que modelos de governança eficazes dependem de marcos normativos estáveis, decisões fundamentadas e processos participativos — elementos que podem ser impactados pela tramitação abreviada da PEC 48. 

O debate ocorre em meio a desafios mais amplos relacionados à proteção dos direitos indígenas, ao cumprimento de obrigações constitucionais, ao fortalecimento das instituições democráticas e ao enfrentamento das mudanças climáticas. A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário, prevê consulta prévia, livre e informada sempre que iniciativas legislativas ou administrativas possam afetar povos indígenas — mecanismo que tem sido citado por lideranças indígenas e especialistas como fundamental no debate atual. 

Este texto foi originalmente publicado pela WWF Brasil, de acordo com a licença CC BY-SA 4.0. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.

Bruna Chicano

Cientista ambiental, vegana, mãe da Amora e da Nina. Adora caminhar sem pressa e subir montanhas.

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