Sami, o povo indígena do Norte da Europa

Se preferir, vá direto ao ponto Esconder

Por Mariana Galvão Lyra*, para a Página 22 | O Sami é o único povo indígena da União Europeia. As lutas indígenas históricas, do passado até hoje, também existem para os Sami, mas diferem das que acontecem na América Latina. “A história de colonização ainda impacta de formas diferentes atualmente, por exemplo nas relações de gênero, com sociedade dominante e nas hierarquias de poder”, analisa Pirjo Kristiina Virtanen, professora de Estudos Indígenas na Universidade de Helsinki.

A colonização na América Latina deu-se de forma muito violenta, com reflexos e consequências até os dias atuais. Já no contexto nórdico, os indígenas lutaram contra os processos de assimilação. Conseguiram a educação escolar própria em todos os níveis, o que é uma luta histórica e, segundo Virtanen, demorou muito tempo para acontecer, mas ainda enfrenta desafios pela frente.

Na década de 1970, os Sami decidiram que deveriam estar na governança de sua própria educação.  Esforços nesse sentido, principalmente na educação superior, foram feitos. Hoje na Noruega existe a primeira (e a única até então) Universidade Sami.

No Brasil, as políticas educacionais dos povos indígenas se dão a partir de programas e estudos de afirmação e direcionados a minorias (gênero, etnia etc.). Os povos indígenas brasileiros têm ingressado nas universidades cada vez mais, mas ainda não possuem a governança da educação de seu povo reconhecida pelo Estado.

Os Sami vivem da economia de cooperação. Com as atividades ligadas ao pastoreio de renas, passam o verão e inverno em áreas geográficas distintas. Como no Brasil, questões ligadas à terra são temas essenciais de discussão. Há um conhecimento ecológico tradicional, e eles têm no conhecimento da terra seu patrimônio cultural: tudo o que vivem e são não se pode separar do meio ambiente. Segundo Virtanen, a natureza da Amazônia e da Lapônia são diferentes, mas os valores são parecidos.

É um povo que mora em quatro países diferentes – Rússia, Noruega, Suécia e Finlândia – e que antigamente, ao longo das estações do ano, trafegava por entre territórios desses países com suas renas.

Com os atuais processos, legislações e idiomas em cada país, a vida dos Sami se tornou mais complexa. Isso demandou um entendimento da cultura e processos legais daqueles países, o que acaba gerando conflitos, uma vez que os indígenas do Norte da Europa continuam tendo a sua versão da história muitas vezes ignorada na prática.

Convenção 169

Nas longas viagens necessárias para a economia pastoril, eles encontram na Noruega o único país que ratificou a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Essa Convenção é também conhecida como FPIC – free, prior, and informed consent, ou o consentimento prévio, livre, e informado. Esse é o primeiro instrumento internacional vinculante que trata especificamente do direito dos povos indígenas e tribais.

A Convenção 169 é norteada pelos conceitos básicos de que a consulta e a participação dos povos interessados, e o direito desses povos em definir suas próprias prioridades de desenvolvimento, na a medida em que afetem suas vidas, crenças, instituições, valores espirituais e a própria terra que ocupam ou utilizam.

Na Finlândia e na Suécia, as questões envolvendo os Sami são continuamente negociadas, mesmo que esses países não tenham ratificado a Convenção 169. Já a Rússia é um caso particular, tendo uma presença menor de Sami e uma legislação que não acompanha a União Europeia. Já na América Latina, os países também ratificaram a 169, mas não implementaram a Convenção.

Recentemente, vários projetos de desenvolvimento e infraestrutura na Finlândia e Suécia exigiram negociações envolvendo os Sami. É constantemente o caso de novas explorações de minerais na região, e até a ONU chegou a criticar a conduta da Suécia por falhar em consultá-los antes de emitir a licença de operação de uma mineradora de níquel em 2020.

Um outro caso que vem gerando conflitos é oArctic Railway, o “Corredor do Ártico”, como vem sendo chamado, atravessa o território Sami e foi catalogado no Atlas de Justiça Ambiental como um conflito envolvendo não só ONGs em proteção ao povo indígena, mas outras organizações internacionais, como o Greenpeace, por exemplo. Trata-se da construção de uma malha ferroviária ligando a Noruega à Finlândia, para facilitar o transporte de minerais, peixes e madeira entre esses países.

O cerne dos dois tipos de conflitos está na interpretação do Sami e outros stakeholders na forma com que empresas e investidores vêm realizando as consultas ao povo indígena. “O que quer dizer consultar os povos indígenas na prática? No que se configura o consentimento prévio, livre e informado?”, questiona Virtanen.

A ONU tem um Fórum Permanente para explicar os mecanismos dos direitos dos indígenas. No final do século XIX e XX, lideranças indígenas fizeram reivindicações para líderes de Estado, da ONU e em outros fóruns internacionais. Ainda assim, os conflitos com indígenas do Norte ao Sul Global continuam existindo.

“Na Finlândia ainda existe muito preconceito e ignorância com relação aos Sami”, pondera Virtanen. “A situação vem progredindo, mas é necessário ainda educar as pessoas de uma forma melhor. Na escola, por exemplo, os livros apresentam os Sami como minoria linguística e étnica, e raramente são considerados como um povo indígena”, completa.

Assim, o conteúdo escolar finlandês sobre o Sami ainda é pouco e estereotipado, na opinião da professora. Esforços como uma enciclopédia digital do povo Sami vêm para ajudar alunos e professores a terem mais informações sobre os indígenas do Norte da Europa e a tentativa de corrigir falhas históricas de negligência e conflitos.

*Mariana Galvão Lyra é pesquisadora na plataforma Greenrenew, Lappeenranta University of Technology, Finlândia

Este texto foi originalmente publicado pela Página 22 de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.

Thaís Niero

Bióloga marinha formada pela Unesp e graduanda de gestão ambiental. Tentando consumir menos e melhor e agir para alcançar as mudanças que desejo ver na sociedade.

Utilizamos cookies para oferecer uma melhor experiência de navegação. Ao navegar pelo site você concorda com o uso dos mesmos.

Saiba mais