Imagem de Nsey Benajah no Unsplash
A saliva, um fluido corporal muitas vezes menosprezado, guarda segredos milenares sobre a evolução humana. Um estudo pioneiro da Universidade de Buffalo desvendou que a composição proteica da saliva humana é radicalmente diferente da de outros primatas, resultado de uma intensa pressão evolutiva ligada à dieta, à proteção dos dentes e à defesa contra doenças. A investigação, publicada na revista Genome Biology and Evolution, analisou a genética por trás das proteínas salivares, traçando um caminho de adaptações que remonta aos primatas.
A equipe, composta pelos professores Stefan Ruhl e Omer Gokcumen, descobriu que os genes responsáveis pelas proteínas mais abundantes na saliva sofreram repetidas duplicações, perdas e modificações ao longo da evolução. Essas alterações tornaram-se especialmente pronunciadas na linhagem dos primatas. A saliva humana, por exemplo, apresenta uma concentração extraordinariamente alta de amilase, enzima que decompõe amidos. Essa característica reflete a transição histórica dos humanos para uma dieta rica em amidos, um caminho não seguido por outros macacos.
A surpresa inicial dos pesquisadores foi constatar que a saliva humana não é quase idêntica à de outros primatas, como se poderia esperar dada a grande semelhança genética. A análise revelou dezenas de proteínas diferentes. Essa diversidade proteica nos primatas estaria relacionada à necessidade de discernir entre uma vasta gama de sabores de frutas e vegetais, ou de se proteger contra toxinas presentes em algumas plantas. A evolução da saliva parece estar intrinamente ligada ao ambiente e aos hábitos alimentares de cada espécie.
Os cientistas observaram que muitos dos genes que codificam proteínas salivares humanas abundantes estão no mesmo grupo genético das caseínas do leite. Ambos os sistemas evoluíram para fornecer cálcio, seja para a mineralização dos dentes na boca, seja para o desenvolvimento dos ossos em bebês. Esta conexão inesperada ilustra como a evolução reaproveita mecanismos biológicos para funções distintas. A proteção dos dentes, a única parte mineralizada do corpo permanentemente exposta, representou um desafio evolutivo significativo, moldando a própria composição da saliva.
As implicações do estudo são amplas. A rápida evolução desses genes pode explicar por que alguns indivíduos são mais susceptíveis a cáries ou outras doenças bucais. Estabelecer uma base de referência para a composição salivar normal é um passo fundamental para identificar biomarcadores confiáveis para diagnósticos. A saliva, um biofluido de fácil acesso, pode se tornar uma ferramenta poderosa para a medicina personalizada, revelando detalhes específicos sobre a saúde oral e sistêmica. Futuras pesquisas poderiam investigar a saliva em culturas com dietas tradicionais distintas ou em animais como morcegos, que possuem uma variedade impressionante de hábitos alimentares.
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