Vida

O oceano silencioso: poluentes eternos invadem a vida marinha

Compartilhar

Um espectro invisível assombra os mares. Substâncias perfluoroalquiladas, os chamados PFAS ou “químicos eternos”, contaminam uma gama muito mais ampla de golfinhos e baleias do que a ciência anteriormente documentara. Evidências recentes demonstram que a poluição química está profundamente entranhada nas teias alimentares oceânicas, afetando desde pequenos golfinhos costeiros até gigantescas baleias de mergulho profundo. A descoberta surpreendente é que o local onde o animal vive tem menos influência na contaminação do que sua biologia, com machos e indivíduos mais velhos acumulando cargas maiores desses poluentes.

A pesquisa, que analisou amostras de fígado de 127 cetáceos de 16 espécies, incluindo algumas nunca antes estudadas, revelou um cenário alarmante. Espécies que habitam águas profundas e distantes da atividade humana apresentaram níveis de PFAS comparáveis ou até superiores aos de animais costeiros. Isso indica que o problema é sistêmico e persistente, transcendendo a proximidade com fontes de poluição conhecidas. A contaminação segue padrões biológicos claros: animais mais velhos acumulam mais PFAS ao longo da vida, e as fêmeas transferem parte de sua carga para as crias durante a gestação e a lactação, o que explica a menor concentração encontrada nelas.

Originalmente desenvolvidos para oferecer praticidade em produtos do cotidiano, como panelas antiaderentes, embalagens de comida e tecidos impermeáveis, os PFAS compreendem mais de 14.000 compostos sintéticos. A sua designação de “eternos” advém da resistência à degradação natural no ambiente. Após o uso, essas substâncias viajam pela atmosfera e pelos cursos d’água, desembocando no oceano. Uma vez no mar, infiltram-se na água e nos sedimentos, sendo incorporados pela cadeia alimentar através do plâncton e de pequenos peixes, subindo até os grandes predadores.

Baleias e golfinhos funcionam como sentinelas da saúde dos oceanos. A sua posição no topo da cadeia alimentar e os seus longos ciclos de vida fazem deles espelhos dos impactos humanos no ecossistema marinho. O acúmulo de PFAS nos seus órgãos, principalmente no fígado e no sangue, pode desregular hormônios, prejudicar o sistema imunológico e comprometer a reprodução. Para espécies ameaçadas, como o golfinho Māui, essa pressão química adicional pode ser a gota d’água em um cenário já crítico de mudanças climáticas e perda de habitat.

A presença ubíqua desses contaminantes levanta questões urgentes sobre os seus efeitos a longo prazo na vida marinha e, por extensão, na saúde humana. Compreender como a exposição a esses químicos afeta a resiliência das populações de cetáceos tornou-se uma prioridade para a conservação. A constatação de que nenhum canto do oceano está livre dessa contaminação serve como um alerta severo sobre o legado duradouro da poluição industrial e a interconexão inevitável entre a saúde do planeta, dos animais e das pessoas.

Stella Legnaioli

Jornalista, gestora ambiental, ecofeminista, vegana e livre de glúten. Aceito convites para morar em uma ecovila :)

Utilizamos cookies para oferecer uma melhor experiência de navegação. Ao navegar pelo site você concorda com o uso dos mesmos.

Saiba mais