Pressionada por lobistas da mineração, a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos enfrenta teste de credibilidade | Foto: Gladstone Taylor / Greenpeace
Por Tais Terra – Greenpeace | Durante os encontros mais recentes do Conselho e Assembleia da ISA (Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos), realizados entre 7 e 25 de julho, em Kingston, Jamaica, importantes debates sobre o avanço da indústria da mineração imergiram, em meio a discussão sobre regras para o licenciamento de atividades de mineração, o chamado Código de Mineração, e a adoção de uma política geral de proteção do alto-mar.
Atualmente, esses dois instrumentos estão sendo debatidos simultaneamente nas reuniões da ISA. A sessão de julho marcou o posicionamento de 38 países contra o avanço de atividades de mineração, aumentando a pressão para que se torne prioridade entender e proteger, antes de explorar e destruir.
“Tratar a mineração no mar profundo como parte de um projeto de futuro é não reconhecer os limites do planeta e que somos uma comunidade global. Os países precisam escolher: seguir alimentando a lógica do lucro a qualquer custo ou se comprometer, de fato, com a proteção dos oceanos e do multilateralismo.” – Mariana Andrade, porta-voz do Greenpeace Brasil
Só que o oceano é muito maior do que isso. Existe uma imensidão de mar que está além dessa faixa e que não pertence diretamente a nenhum país. É o que chamamos de áreas para além da jurisdição nacional. Nestas áreas, o fundo oceânico pode chegar a quilômetros de profundidade. Tudo que está abaixo de 200 metros de profundidade é chamado de mar profundo.
Para entender o papel da ISA, vale voltar um passo. Cada país tem direito a cuidar de uma parte do mar que fica ao redor de seu território, chamada de zona econômica exclusiva. Essa área vai até cerca de 322 quilômetros da costa, equivalendo a 200 milhas náuticas. É como se cada país com saída para o mar tivesse um “quintal” no oceano para proteger.
É aí que entra a ISA, a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos. Criada pelas Nações Unidas, ela foi criada com a Convenção sobre o Direito do Mar e tem a responsabilidade de definir regras sobre como esse pedaço de oceano que pertence a toda a humanidade deve ser cuidado. Hoje 169 países do mundo fazem parte deste fórum, com a missão de garantir que esse território azul siga protegido para as próximas gerações e regular potenciais ameaças e interesses de uso que não gerem benefícios para a humanidade, como a mineração em águas profundas.
A mineração no mar profundo pretende retirar metais como níquel, cobalto, cobre e manganês do fundo do oceano, justamente em regiões onde a vida marinha é pouco conhecida e altamente sensível. Esses minerais são considerados estratégicos para a transição energética, mas sua extração em alto-mar pode causar impactos irreversíveis, como a destruição de habitats únicos, a perda de espécies que nem sequer foram descobertas e a liberação de sedimentos que podem interferir na saúde do oceano e na segurança alimentar de pessoas que dependem dos recursos marinhos vivos.
Por essa razão que a ISA, como órgão responsável por mediar e definir regras sobre essas áreas além da jurisdição nacional, precisa agir com responsabilidade. Além disso, os países que acompanham essas negociações precisam ser firmes e coerentes em seus posicionamentos nas reuniões da ISA, respeitando esse espaço do planeta que é tão fundamental para a manutenção da vida. A moratória de atividades de mineração é hoje a forma mais concreta de colocar essa missão em prática e garantir que decisões sobre o mar profundo sejam tomadas com base em ciência e transparência.
Moratória é uma suspensão temporária de uma atividade ou decisão, adotada como medida de precaução. No caso da mineração no mar profundo, significa parar tudo por um tempo, até que haja informações científicas suficientes, regras claras e garantias de proteção ao meio ambiente. A ideia de uma moratória começou a ganhar força a partir de 2021, quando a empresa The Metals Company (TMC) e o Estado de Nauru acionaram a chamada “regra dos dois anos”, pressionando a ISA a aprovar um código de mineração rapidamente.
A moratória cria espaço para:
É a resposta mais responsável e sensata diante da pressão crescente de empresas privadas e do risco de exploração unilateral.
Durante a última sessão realizada pela Assembleia da ISA (Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos), empresas como The Metals Company e Blue Minerals Jamaica tentaram se tornar observadoras formais da ISA, o que daria a elas um assento semelhante ao de organizações da sociedade civil como o Greenpeace.
A proposta enfrentou forte oposição de países como Costa Rica, Chile e Panamá, sendo negada. Ainda assim, um acordo de bastidores, com termos pouco claros, pode abrir brecha para o tema voltar à pauta em 2026, no contexto de um debate mais amplo.
É um sinal de alerta. A presença de empresas nos debates sobre mineração em mar profundo precisa ser equilibrada, transparente e submetida aos interesses da coletividade global — não do bolso das mesmas.
A moratória é o primeiro passo para garantir que o oceano continue sendo um bem comum da humanidade. A exploração do mar profundo não pode ser decidida por interesses privados, sem participação pública ou base científica.
Proteja a vida no mar profundo. Assine a petição contra a mineração.
Este texto foi originalmente publicado pelo Greenpeace, de acordo com a licença CC BY-SA 4.0. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.
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