Nas cidades campeãs em royalties de petróleo, gasta-se muito, mas pobreza persiste

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Por Rafael Oliveira – Agência Pública | Na ponta da língua dos defensores da exploração de petróleo na foz do Amazonas, está o discurso de que o combustível fóssil, principal responsável pelo avanço do aquecimento global, é sinônimo de desenvolvimento nas regiões em que se instala. Uma análise de indicadores socioeconômicos de municípios brasileiros que mais receberam receitas petrolíferas por habitante nos últimos anos revela, no entanto, um cenário bem menos promissor.

Vários desses municípios “petrorrentistas” aparecem entre os piores de seus estados em indicadores de pobreza, educação, acesso a saneamento básico, emprego e saúde, com desempenho muito inferior ao de cidades similares, que recebem pouco ou nenhum dinheiro do petróleo. Outros têm desempenho apenas intermediário, e apenas alguns poucos se destacam nesses quesitos, a despeito de todos eles terem seus cofres públicos turbinados.

Para chegar a essa conclusão, a Agência Pública analisou dez indicadores socioeconômicos dos 15 municípios que mais receberam royalties e participações especiais per capita entre 1999 e 2024, a partir de dados extraídos na plataforma InfoRoyalties, da Universidade Candido Mendes (UCAM). Também utilizou dados de orçamento e recursos humanos municipais cedidos pela equipe da plataforma FGV Municípios

A análise inclui 12 municípios do Rio de Janeiro, 2 do Espírito Santo e 1 de São Paulo. Somadas, essas prefeituras receberam quase R$ 150 bilhões ao longo do período em dados corrigidos pela inflação, cerca de R$ 95 mil por habitante, considerando a população estimada pelo IBGE em 2024. Para ser considerado entre os piores de seu estado em um indicador, o município deve estar entre os 33% de desempenho inferior. A metodologia completa está no fim da matéria e pode ser acessada neste link, que também contém a íntegra dos dados analisados.

A Pública também visitou dois deles: a capixaba Presidente Kennedy, campeã de dinheiro do petróleo per capita, e a fluminense Campos dos Goytacazes, maior recebedora em valores absolutos (13ª no ranking por habitante). Kennedy está entre as piores cidades do Espírito Santo nos dez indicadores, enquanto Campos tem desempenho apenas intermediário na maior parte dos índices. 

Na cidade do Espírito Santo, os royalties vêm permitindo benesses sociais e obras, mas boa parte da população segue sem saneamento básico e quase não há empregos fora da prefeitura. No município do Rio, moradores reclamam do caos na saúde, e a desigualdade persiste.

E a COP30 com isso?

  • Uma das principais expectativas em torno da 30ª Conferência do Clima da ONU, que será realizada em Belém, é que ela dê encaminhamento a uma decisão tomada em 2023, na COP28, em Dubai, de que os países iniciem uma “transição para longe” dos combustíveis fósseis. A medida é considerada fundamental para conter o avanço do aquecimento global, causado principalmente pela queima de petróleo, carvão e gás natural;
  • O Brasil, como anfitrião do evento, vem sendo cobrado para liderar esse esforço e dar o exemplo nas políticas internas. Mas os planos de abrir uma nova fronteira de exploração na Margem Equatorial, que inclui a foz do Amazonas, vão no sentido contrário;
  • A intensa pressão política tem surtido efeito, e a Petrobras obteve a licença para explorar o polêmico bloco 59, que fica na foz do Amazonas, a despeito de técnicos do órgão ambiental seguirem apontando fragilidades nas soluções apresentadas pela empresa. Outros 19 blocos foram leiloados recentemente na foz;
  • Se todo o petróleo que se estima existir na Margem Equatorial for queimado, isso emitiria entre 4 bilhões e 13 bilhões de toneladas de CO2, como revelou a Pública em 2023. Esse volume anularia os ganhos com desmatamento zero, tornando improvável que o Brasil cumpra sua meta de redução de emissões apresentada junto ao Acordo de Paris.

Para a apuração desta reportagem, ouvimos quase 40 pessoas, entre pesquisadores, servidores públicos e moradores de municípios petrorrentistas. O que une, de caminhoneiros e pescadores da região a especialistas que se debruçam sobre o tema há décadas, é a visão de que a abundância do petróleo nem de longe resolveu os problemas locais.

Pelo contrário, se multiplicaram casos de corrupção e pouco se investiu em projetos estruturantes e no desenvolvimento das potencialidades locais, que pudessem deixar um legado e gerar uma independência futura do dinheiro que vem dos poços de petróleo – que inevitavelmente vão se esgotar.

Este texto foi originalmente publicado pela Agência Pública, de acordo com a licença CC BY-SA 4.0. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.

Bruna Chicano

Cientista ambiental, vegana, mãe da Amora e da Nina. Adora caminhar sem pressa e subir montanhas.

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