Fraude no CAR responde por 65% do desmatamento em terras públicas da Amazônia

A Comissão de Meio Ambiente do Senado recebeu especialistas para um debate acerca das fraudes e descumprimentos da legislação do CAR (Cadastro Ambiental Rural), após denúncias de juristas e cientistas. A sessão foi realizada na última quarta-feira, 25, e também lembrou os 10 anos da criação do Código Florestal Brasileiro. 

Segundo dados do IPAM apresentados durante a audiência, dois terços do desmatamento em terras públicas da Amazônia são em áreas com o cadastro rural fraudado. 

Dos 56,5 milhões de hectares de florestas públicas não destinadas na Amazônia, 18,6 milhões de hectares possuem CARs ilegais sobrepostos às áreas preservadas. Dos 3,2 milhões de hectares de florestas públicas não destinadas desmatados na Amazônia até 2020, 65% eram áreas com cadastros irregulares. 

Participaram da sessão o pesquisador sênior do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), Paulo Moutinho; o vice-presidente do IDS (Instituto Democracia e Sustentabilidade), João Paulo Capobianco; a professora e ex-conselheira do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) Maria Tereza Uille Gomes; e o perito criminal Federal na área de Crimes Ambientais da Polícia Federal Herbert Dittmar.

Assunto de segurança nacional 

Para Paulo Moutinho, o impacto negativo causado pela grilagem que surge das fraudes no CAR não se limita ao dano ambiental ou sociocultural decorrente da perda de biodiversidade e cobertura florestal. Segundo o pesquisador, as fraudes são um problema de segurança nacional e podem ter sérios efeitos na viabilidade econômica do agronegócio brasileiro. 

“Nós temos uma bomba-relógio de desmatamento armada pela proliferação de CARs em florestas públicas. São áreas preciosas que mantêm o regime de chuvas na região e se unem às terras indígenas e às unidades de conservação para fazer fluir a umidade para o resto do Brasil. Se tivermos a grilagem avançando, com a fraude do CAR, podemos quebrar definitivamente a rota dos rios voadores, causando problemas sérios de falta de água para a agricultura no centro do Brasil”, enfatizou.

De acordo com a professora Maria Tereza Gomes, a sobreposição de CARs ativos em terras indígenas ocorre em 24 estados brasileiros. Segundo relatório do CNJ, existem atualmente 2.789 CARs, correspondentes a 118 milhões de hectares, sobrepostos em 624 terras indígenas homologadas.

Financiamento 

Aproximadamente 44% da área de CAR sobreposta a florestas públicas são registros relativos a supostas grandes propriedades de terra, com mais de 1.500 hectares. Após a destruição da vegetação nessa área, a maior parte dela (78%) vira pasto ativo, produzindo carne por até 5 anos. 

“Existe um mercado de carne que apoia e legitima essa invasão de terras. É caro desmatar. Não são os pequenos e médios agricultores que estão fazendo isso. Quem desmata grandes áreas públicas é financiado por pessoas ou grupos com muitos recursos. É preciso criminalizar esse processo e rastrear o financiamento desses criminosos”, destaca Paulo Moutinho. 

Moutinho afirmou que atualmente já são quase 20 milhões de hectares de CAR sobrepostos. “São CARs grandes e que tem muito financiamento para desmatar e colocar pasto e que precisam ser coibidos. Claramente se trata de uma ação criminosa de larga escala que precisa ser enfrentada o mais rápido possível”, acrescentou. 

O perito da Polícia Federal Herbert Dittmar também aponta para a criação de uma rede nacional de financiamento desses CARs ilegais. Segundo ele, os grileiros de terras na amazônia não são mais os fazendeiros que buscam terras para ocupar. 

“Se você visitar o sul do Amazonas, verá que o grileiro não mora lá, mas no Sudeste e no Sul do Brasil e faz uso da ilegalidade e da mão de obra carente da região, do homem que serra as árvores de fato, e transfere seu dinheiro, seu lucro, para os grandes centros financeiros do país”, detalhou.

Ferramenta importante

Apesar do uso indevido e das grandes propriedades irregulares autodeclaradas por meio do CAR, os especialistas ainda defendem a ferramenta como uma importante aliada no combate ao desmatamento e para o cumprimento do Código Florestal e pedem mais fiscalização para evitar o mau uso do cadastro.

Segundo João Paulo Capobianco, a legislação atual é suficiente para evitar o uso irregular e as sobreposições de terras no CAR, mas é necessário que ela seja cumprida com transparência pelo Governo Federal. O pesquisador afirma que, na última década, somente 28.631 imóveis cadastrados no CAR foram analisados pelos órgãos públicos, o que representa 0,43% do total. 

“O CAR é uma conquista do brasileiro e a maioria dos proprietários está de boa fé. Gostaria de insistir que não é necessário nenhuma mudança de lei para que o Serviço Florestal Brasileiro aplique seus filtros em terras públicas. Isso é uma obrigação do Governo brasileiro que está transferindo suas obrigações para os Estados. Temos um sistema que tem fé pública, mas que não é adequadamente verificado pelo poder público, que acolhe esses cadastros, mas não faz a verificação”, afirma. 

Dittmar também aposta na transparência do CAR como forma de evitar a multiplicação de grileiros. “A transparência é inimiga da corrupção. Se o CAR é uma autodeclaração de posse, o governo não pode nunca aceitar esse documento como certificado de posse sem nenhuma verificação. Para evitar que fraudes na origem desses documentos sejam escondidas ao longo de diversas transações, também precisamos avaliar a cadeia dominial desses registros.”

Este texto foi originalmente publicado por IPAM de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.

Thaís Niero

Bióloga marinha formada pela Unesp e graduanda de gestão ambiental. Tentando consumir menos e melhor e agir para alcançar as mudanças que desejo ver na sociedade.

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