Refúgio de Vida Silvestre Banhado do Pachecos | Foto: André Osório/Arquivo Pessoal
Por Marcelo Rosinski – UFRGS | A influência humana sobre o meio ambiente é alarmante e preocupa a sociedade em diversas camadas. No bioma Pampa, essa realidade ganha contornos dramáticos no caso do tuco-tuco-do-lami (Ctenomys lami), um pequeno roedor subterrâneo endêmico da região metropolitana de Porto Alegre. A espécie é classificada como vulnerável à extinção pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) e pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), devido à sua distribuição extremamente restrita e à intensa modificação da paisagem onde ocorre.
Movida pela curiosidade em entender mais sobre a espécie e sua relação com os impactos ambientais, a pesquisa conduzida pela bióloga Thamara Santos de Almeida revisitou 28 áreas históricas de ocorrência do tuco-tuco-do-lami.
O resultado foi preocupante: apenas oito subpopulações persistem, enquanto 15 desapareceram nas últimas décadas. Nas demais áreas, não foi possível confirmar a presença atual do animal.
“Quanto mais espaçados estão esses campos nativos, maior a probabilidade de ele [o tuco-tuco-do-lami] não conseguir existir” Thamara Santos de Almeida
“Mais do que a quantidade total de campos nativos, o que realmente explica a sobrevivência do tuco-tuco-do-lami é a conectividade entre os fragmentos”, explica Thamara. “Isso significa que estratégias de conservação precisam priorizar a restauração e o manejo de corredores de vegetação que liguem as populações remanescentes”, completa.
Descrito pela ciência apenas em 2001, o tuco-tuco-do-lami é um roedor subterrâneo que cava galerias e túneis, emitindo um som característico que originou seu nome popular. Ao revirar o solo, o animal movimenta a terra e dispersa sementes de gramíneas, desempenhando um papel ecológico importante para a dinâmica dos campos nativos. Apesar da semelhança, o tuco-tuco não tem relação com os ratos urbanos – ele é um animal do campo e não oferece risco aos humanos.
A espécie ocorre apenas em áreas de campos arenosos nos municípios de Porto Alegre, Viamão e Santo Antônio da Patrulha. Sua baixa capacidade de dispersão e a forte dependência de ambientes campestres tornam-na altamente vulnerável a alterações no uso do solo.
“Na prática, quer dizer que a espécie está mais sujeita a ameaças. Como já vive em áreas pequenas, qualquer impacto aumenta o risco de extinção” Thamara Santos de Almeida
As principais pressões sobre a sobrevivência da espécie estão relacionadas à expansão agrícola (sobretudo soja e silvicultura), urbanização, construção de estradas e grandes obras de infraestrutura. A flexibilização de leis de licenciamento ambiental também preocupa. “Se não houver estudos prévios que identifiquem as áreas de ocorrência, corremos o risco de eliminar populações inteiras com empreendimentos que poderiam ter sido planejados em outros locais”, alerta a pesquisadora.
Na prática, a espécie já enfrenta um cenário crítico: sua área de ocorrência foi reduzida em 17%, e atualmente menos da metade do habitat potencial dentro desse território segue disponível. Além disso, segundo o estudo, entre 1985 e 2019, o bioma Pampa perdeu 21% de sua vegetação nativa, restando apenas 45% de cobertura natural. Dados mais recentes do MapBiomas (2022) indicam que, em quatro décadas, o Pampa gaúcho perdeu quase 3 milhões de hectares de campos nativos, o equivalente a cerca de 30% de sua área original.
Para enfrentar esse quadro, o estudo da pesquisadora propõe medidas como a criação e ampliação de Unidades de Conservação, a restauração de áreas campestres e o fortalecimento da conectividade entre fragmentos de vegetação. “O Pampa ainda é um bioma invisível nas políticas públicas, mas sua biodiversidade não pode mais ser ignorada”, defende Thamara.
Embora o foco seja o tuco-tuco-do-lami, o trabalho também chama atenção para a biodiversidade única do Pampa, considerada uma das mais ricas do Brasil em número de espécies por metro quadrado. Proteger esse pequeno roedor significa também assumir a responsabilidade de conservar um bioma inteiro, cuja riqueza ainda é pouco conhecida, mas fundamental para o equilíbrio ambiental.
Por tratar-se de um estudo pioneiro sobre a espécie, no último mês, a revista Mammalia, da editora De Gruyter Brill – publicação internacional, multidisciplinar e bimestral dedicada ao inventário, à análise e à interpretação da diversidade de mamíferos -, publicou o estudo de Thamara em sua edição.
A pesquisadora reconhece esse feito como um ponto positivo para a disseminação de informações, bem como destaca o papel dos veículos de comunicação como agentes na preservação ambiental, promovendo o ensino sobre as espécies e sobre formas de cuidar do meio ambiente.
Este texto foi originalmente publicado pela UFRGS, de acordo com a licença CC BY-SA 4.0. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.
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