A relação íntima entre sociedades humanas e o reino vegetal moldou um vasto arquivo de saberes terapêuticos ao longo de milênios. Uma investigação recente da Universidade de Harvard traça um mapa global dessa herança, revelando que a riqueza de plantas medicinais documentadas em uma região está diretamente ligada ao tempo de presença humana e às tradições de cura ancestrais. A biodiversidade, contudo, não é o único fator determinante.
A análise, publicada na revista Current Biology, examinou mais de 32.000 espécies com usos terapêuticos, de um total de 357.000 plantas vasculares. Cerca de 9% da flora mundial possui aplicação medicinal registrada. O padrão geral mostra uma diversidade que cresce em direção aos trópicos, mas com desvios significativos. Regiões como o subcontinente indiano, o Nepal, Mianmar e a China surgem como pontos de destaque, onde a quantidade de plantas medicinais supera a expectativa baseada apenas na variedade florística. Essas são terras com sistemas medicinais milenares, como o Ayurveda e a medicina tradicional chinesa.
Por outro lado, o estudo identificou “pontos frios” onde o conhecimento registrado é menor que o previsto. Locais megadiversos, como os Andes, Madagascar e a Austrália Ocidental, apresentam essa discrepância. Os pesquisadores sugerem que a relativa escassez de registros nestas áreas pode ser um reflexo do colonialismo, que suprimiu conhecimentos locais, ou da simples falta de documentação etnobotânica sistemática. O fator mais previsível para a diversidade de plantas medicinais mostrou-se a biodiversidade geral de uma região. Em segundo lugar, de forma surpreendente, surge a antiguidade do povoamento por humanos modernos. O continente africano, com a história humana mais longa, exibe uma riqueza proporcionalmente maior de espécies utilizadas para cura.
A história da farmacopeia humana está intrinsecamente ligada às plantas. Evidências arqueológicas, como resquícios de milefólio e camomila em fósseis de hominídeos, indicam um uso remoto. O registro escrito mais antigo é uma tabuleta suméria de 5.000 anos, com receitas que envolviam mais de 250 ingredientes vegetais. Esse legado permanece vital: pelo menos um quarto dos medicamentos modernos contém princípios ativos extraídos de plantas. A quinina, originalmente da casca da cinchona, combate a malária; a dedaleira fornece compostos para medicamentos cardíacos; e a vinca-de-madagascar e o teixo-do-pacífico são fontes de drogas contra o câncer.
A perda acelerada de biodiversidade representa uma ameaça direta a este acervo biológico e cultural. Os pesquisadores alertam que a extinção de espécies pode apagar para sempre a próxima grande descoberta médica. A conservação de hotspots de biodiversidade deve andar de mãos dadas com a revitalização e o respeito aos conhecimentos tradicionais, garantindo que o diálogo ancestral entre a humanidade e as plantas medicinais continue a render frutos para a saúde pública global.
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