Por Hannah Harasaki, Danielle Riedl e Haley Leslie-Bole – WRI Brasil | A remoção de dióxido de carbono (Carbon Dioxide Removal, CDR, na sigla em inglês) evoluiu de um conceito pouco conhecido para um campo em rápido crescimento nos últimos anos. Além dos benefícios climáticos da retirada de dióxido de carbono (CO₂) da atmosfera, muitas técnicas de CDR também podem trazer vantagens para as pessoas e o meio ambiente, como a criação de empregos, a melhoria da saúde do solo e a redução da acidificação dos oceanos em nível local. Por outro lado, os projetos de CDR também podem ter consequências não intencionais ou impactos negativos, tornando essencial a existência de estruturas de governança sólidas para minimizar quaisquer danos.
São necessários marcos regulatórios abrangentes e adequados para evitar, por exemplo, que as indústrias de petróleo e gás utilizem a remoção de carbono como justificativa para continuar a produção de combustíveis fósseis. Esses marcos também podem ajudar a proteger comunidades que já sofrem com altos níveis de poluição e danos causados pela indústria fóssil contra novos riscos para o uso da terra, água e energia que podem surgir com as novas instalações de remoção de dióxido de carbono.
Com a expansão da indústria de remoção de carbono, a ênfase na remoção “responsável” se intensifica, a fim de garantir que as comunidades não sejam prejudicadas e sim beneficiadas. Mas o que isso significa na prática? O que pode ser feito, em termos de governança, para melhorar as políticas públicas e regulamentações e garantir resultados responsáveis?
A seguir, confira as respostas para algumas dessas perguntas.
A remoção responsável de carbono enfatiza a importância de implantar de forma sustentável e segura diferentes técnicas de CDR – incluindo o uso de produtos químicos, rochas, biomassa, solos e oceanos, entre outras – para complementar esforços e reduzir as emissões de gases de efeito estufa de forma radical, mas sem gerar ou agravar danos às comunidades ou ao meio ambiente.
Na escala dos projetos, isso inclui fazer uma avaliação minuciosa dos impactos sociais, econômicos e ambientais dos projetos de CDR, a fim de reduzir os efeitos negativos e distribuir os benefícios de forma equitativa. No contexto político, envolve a criação de políticas públicas e regulamentações que garantam que a CDR contribua para benefícios climáticos reais, protegendo ao mesmo tempo as comunidades e os ecossistemas.
Promover uma remoção de carbono responsável exige, portanto, uma estrutura de governança sólida para minimizar possíveis danos. Além do benefício para o clima, a remoção de carbono precisa oferecer vantagens locais tangíveis, como melhorias na qualidade do ar ou geração de receita para investimentos em comunidades e ecossistemas, em detrimento de agravar desigualdades ou danos ambientais causados por outras indústrias. Também deve prever processos de tomada de decisão inclusivos e complementar (e não substituir) a redução de emissões.
Sem a confiança da população e o apoio das comunidades, os projetos de CDR podem ter dificuldades para obter aceitação social, o que limitaria seu potencial de expansão e sua contribuição para as metas climáticas. Outros projetos de energia limpa que não envolveram as comunidades de forma adequada já passaram por atrasos ou mesmo cancelamentos. Garantir uma implementação responsável por parte da indústria e dos governos é fundamental para construir essa confiança.
A seguir, respondemos as três principais perguntas sobre o papel das políticas públicas para garantir a implementação responsável de projetos de CDR.
O consenso científico é claro: para reduzir drasticamente as emissões de GEE até a metade do século, é necessário complementar esses esforços com a remoção de dióxido de carbono da atmosfera, a fim de evitar um aquecimento ainda mais extremo do planeta. No entanto, há uma série de preocupações (inclusive de universidades e ONGs) em aberto, desde o risco de atrasar a redução de emissões até a necessidade de medições mais precisas dos benefícios climáticos dos projetos. Algumas medidas e garantias políticas podem ajudar a enfrentar esses desafios:
Sem medidas políticas adequadas, a ampliação dos esforços de CDR nas próximas décadas pode desviar o foco e os recursos da necessidade também urgente de reduzir as emissões e iniciar a transição dos combustíveis fósseis. Esse risco é conhecido em inglês como “Mitigation deterrence”(dissuasão da mitigação).
Estabelecer metas climáticas separadas e de longo prazo de redução de emissões e remoção de carbono pode ajudar a lidar com esse risco. Alguns estados dos EUA, como Califórnia e Washington, já apresentam exemplos iniciais. Isso pode ser feito com mais facilidade em estados ou países que já contam com políticas de emissões líquidas zero e mandatos de redução de gases de efeito estufa, por meio dos quais o papel da CDR pode ser definido de forma responsável.
Nesse modelo, a CDR é planejada e contabilizada separadamente com base em uma avaliação quantitativa das emissões residuais esperadas. Dessa forma, é possível esclarecer a quantidade de carbono que precisa ser removida para atingir emissões líquidas zero, garantindo transparência e evitando que a CDR seja utilizada de forma indevida para compensar emissões que poderiam ser reduzidas.
Os formuladores de políticas públicas precisam evitar planejar o CDR como um meio de manter o uso de combustíveis fósseis, uma vez que isso dificultaria os esforços de redução de emissões e poderia comprometer as metas climáticas. Emitir CO₂ agora e removê-lo mais tarde não evita seus impactos: as emissões de CO₂ causam danos climáticos irreversíveis que a remoção de carbono não pode reverter.
A expansão do CDR também encontra limites na disponibilidade sustentável de terra, água e energia, bem como pelos impactos sociais.
Por fim, grande parte das tecnologias de CDR ainda estão em desenvolvimento. Há incerteza quanto à sua escalabilidade nas próximas décadas, o que reforça a necessidade de reduzir as emissões o máximo e o mais rápido possível.
Os projetos de CDR devem ser efetivamente negativos em emissões líquidas. Se as emissões de um projeto superarem a quantidade de carbono removida, ele não possui emissões líquidas negativo e não resultará em remoção de carbono.
Os formuladores de políticas públicas podem garantir projetos com emissões negativas de diversas maneiras:
Padrões sólidos e harmonizados de monitoramento, relato e verificação (MRV) são a base para a remoção responsável através de CDR. O MRV deve comprovar que um projeto gera emissões líquidas negativas e sequestra o CO₂, uma verificação geralmente feita por terceiros.
Apesar dos diversos esforços para aprimorar as práticas, o ecossistema atual de MRV para CDR ainda carece de coordenação e regulamentação. Sem padrões comuns, não há clareza sobre o que constitui um MRV de alta qualidade, o que pode levar a uma queda na qualidade geral dos processos.
Estabelecer um departamento federal de MRV ou um órgão independente e autônomo dentro do governo, livre de interesses particulares, é essencial para garantir um ecossistema de MRV de alta qualidade e transparente para CDR. Dessa forma, seria possível garantir a verificação de que os projetos de CDR realmente cumprem suas promessas de remoção de carbono.
Para evitar a proliferação de esforços desconectados, esse órgão deve complementar com outras iniciativas existentes, em vez de duplicá-las. Em longo prazo, um marco regulatório para MRV é essencial para que a remoção de carbono seja reconhecida nos relatórios nacionais e contribua para as metas climáticas dos países, além de evitar incentivos que possam levar a uma dupla contagem das remoções.
Ao desenvolver estruturas para remoção de carbono, é fundamental que os formuladores de políticas públicas considerem princípios de equidade e justiça ambiental, a fim de aumentar os benefícios, minimizar os riscos e garantir que ambos sejam distribuídos de maneira justa.
Comunidades de baixa renda, incluindo pessoas negras, latinas e indígenas, tanto em áreas rurais quanto urbanas, já são afetadas de forma desproporcional pelos impactos da poluição e problemas de saúde. Os formuladores de políticas públicas devem garantir que as novas políticas não ampliem essas desigualdades, garantindo que os danos históricos não sejam repetidos nem agravados, ao mesmo tempo em que promovem melhorias e benefícios para as comunidades.
Uma pesquisa recente revelou que 73% dos eleitores concordam em ser consultados sobre novos projetos de remoção de carbono, demonstrando uma forte demanda pública por engajamento antecipado. Estruturas políticas sólidas devem estabelecer requisitos claros para um envolvimento que vá além da simples comunicação, especialmente em relação à localização dos projetos e aos benefícios para a comunidade. As comunidades devem ter a oportunidade de participar ativamente os processos de tomada de decisão e precisam ser devidamente compensadas por sua contribuição e tempo. As políticas públicas devem exigir uma comunicação transparente por parte da empresa ou agentes desenvolvedores sobre os potenciais riscos e benefícios dos projetos. Além disso, também precisam considerar que um engajamento comunitário genuíno inclui a possibilidade de rejeição do projeto e, por isso, devem fornecer mecanismos claros e aplicáveis para respeitar e acatar a decisão da comunidade, garantindo que esforços futuros naquela localidade sejam conduzidos de maneira apropriada.
Planos de benefícios comunitários podem oferecer uma estrutura organizada para incluir as demandas da comunidade, determinar os benefícios esperados e garantir que as prioridades locais influenciem a implementação dos projetos. Embora não tenham o mesmo peso legal que um acordo de benefícios comunitários, esses planos são ferramentas fundamentais para construir confiança, abordar as preocupações da comunidade e fomentar parcerias de longo prazo.
Embora já tenham sido utilizados em alguns projetos, os planos de benefícios comunitários ainda não são a norma. Essa deveria se tornar uma prática padrão da indústria, adotada de forma proativa pelos desenvolvedores, sem a necessidade de exigências legais. A implementação voluntária desses planos demonstra um compromisso com o desenvolvimento equitativo, tornando os projetos mais viáveis e reduzindo a oposição local.
Enquanto os planos estabelecem uma base para o engajamento, os acordos de benefícios comunitários legalmente vinculantes traduzem compromissos em benefícios tangíveis e aplicáveis para as comunidades. Esses acordos podem garantir benefícios específicos, como repartição de receitas, investimentos em infraestrutura ou programas de desenvolvimento da força de trabalho, além de oferecer mecanismos de responsabilização para garantir que os compromissos sejam cumpridos.
Nota: um acordo de desenvolvimento é um contrato entre um desenvolvedor e uma cidade, estabelecendo os termos do projeto. Em alguns casos, planos e acordos de benefícios comunitários são incorporados a esses contratos.
Fonte: adaptado de Community Benefits Agreements: Making Development Projects Accountable.
Os formuladores de políticas públicas podem incentivar ou exigir acordos de benefícios comunitários incorporando-os às políticas estaduais ou exigências de licenciamento. Dessa forma, seria criada uma estrutura estável para o desenvolvimento equitativo dos projetos e estabelecida uma garantia de que as comunidades afetadas por projetos de remoção de carbono também usufruam os benefícios econômicos e sociais do projeto.
Para que as comunidades sejam plenamente beneficiadas pelos projetos de CDR, precisam ter conhecimento jurídico, técnico e habilidades de negociação para defender seus interesses junto aos desenvolvedores. Muitas comunidades historicamente marginalizadas carecem dos recursos necessários para fazer acordos complexos, avaliar riscos ou negociar benefícios comunitários, o que, com frequência, resulta em compromissos vagos ou insuficientes.
Para resolver essa questão, formuladores de políticas públicas e lideranças industriais devem investir em iniciativas de capacitação, como fundos de suporte jurídico, programas de treinamento comunitário e serviços de consultoria técnica. O fortalecimento das organizações comunitárias como intermediárias e a criação de equipes públicas de assistência jurídica ou apoio à negociação ajudariam a equilibrar as forças, garantindo que as comunidades possam estabelecer acordos que maximizem tanto os benefícios econômicos quanto os ambientais.
A implementação equitativa de projetos de remoção de carbono pode exigir iniciativas que vão além dos modelos tradicionais de divisão de benefícios. Uma abordagem promissora é permitir que as comunidades locais detenham participações acionárias nos projetos, criando benefícios econômicos duradouros e promovendo maior confiança e alinhamento entre as partes. Os projetos de CDR podem gerar receita por meio da venda de créditos de carbono, investimentos corporativos em sustentabilidade, incentivos governamentais e utilização de CO₂ em produtos comerciais, tornando esses modelos potenciais oportunidades de benefícios compartilhados.
Por exemplo:
Exemplos do setor de energia renovável podem servir de referência para CDR. No Canadá, a Saulteaux First Nation estabeleceu uma parceria com uma empresa de energia renovável para copropriedade e operação de um projeto de energia eólica. A comunidade detém a maior parte das ações, garantindo retornos financeiros sustentáveis, poder de decisão e confiança no desenvolvimento do projeto.
Estabelecer diretrizes federais e melhores práticas para esses modelos ajudará a garantir consistência entre os projetos, permitindo adaptações locais. Protocolos de monitoramento transparentes, canais de relato acessíveis e mecanismos claros de fiscalização são essenciais para garantir que essas estruturas de benefício compartilhado cumpram suas promessas.
São necessários arcabouços políticos sólidos que coloquem a tomada de decisão nas mãos da comunidade e garantam a distribuição equitativa dos benefícios para que a implementação do projeto de remoção de carbono apoie objetivos de justiça ambiental.
Obter a confiança da população na CDR exige uma avaliação cuidadosa do uso de recursos, dos impactos ambientais e sociais, além de ações para preveni-los.
Assim como qualquer outra indústria, a CDR utiliza recursos como água e minerais. Além disso, instalações de CDR, como usinas de captura direta do ar, precisam de infraestruturas como gasodutos de CO₂, que ocupam amplas áreas de terra. Projetos para a remoção responsável via CDR devem não apenas minimizar os impactos negativos do uso de recursos, como buscar locais onde sua instalação não agrave problemas como escassez de água. Para proteger comunidades e ecossistemas, os projetos precisam fazer avaliações de impacto ambiental e social, além de incluir mecanismos legais que garantam a responsabilidade contínua por mitigar quaisquer danos ambientais que ocorram, considerando toda a sua cadeia de valor.
Fazer avaliações ambientais e de monitoramento, relato e verificação (MRV) pode identificar necessidades de recursos, impactos ambientais, efeitos sobre a saúde humana, incluindo o acúmulo de poluição, e auxiliar os desenvolvedores no planejamento de medidas para mitigar esses impactos.
Nos Estados Unidos, a Lei Nacional de Política Ambiental exige que projetos que utilizam recursos do governo ou precisam de licenciamento federal realizem avaliações ambientais e apresentem comprovações para qualquer ação de construção, licenciamento ou planejamento com impacto ambiental significativo. Mesmo sem envolvimento federal, os projetos podem optar por realizar essas avaliações, prática que os projetos de CDR devem adotar para antecipar impactos imprevistos que possam comprometer sua viabilidade. Como essas avaliações podem ser caras, governos estaduais e locais podem estabelecer programas de subsídios ou empréstimos para apoiar esse processo.
Os projetos de CDR precisam aderir às regulamentações ambientais e de segurança existentes, e os formuladores de políticas públicas devem trabalhar com a indústria emergente para atualizar e fortalecer essas normas ao longo do tempo.
Isso inclui a implementação de planos para mitigar impactos adversos, como uso excessivo de água, vazamentos químicos e escape de carbono, além da criação de sistemas de resposta a emergências para proteger as comunidades do entorno contra riscos imprevistos. Essas medidas não apenas reforçarão garantias ambientais, como ajudarão a construir a confiança da população na implementação das tecnologias de CDR. Os projetos também devem prever a responsabilização a longo prazo por qualquer dano ambiental causado.
Nos EUA, legisladores começaram a desenvolver políticas públicas para apoiar a implementação responsável de algumas tecnologias de CDR. Alguns aspectos de técnicas como a captura direta do ar já são amplamente cobertos por políticas federais, como a regulamentação da Agência de Proteção Ambiental sobre o armazenamento de CO₂ em formações geológicas subterrâneas profundas. No entanto, muitas técnicas de CDR ainda são relativamente novas, e as regulamentações existentes foram criadas antes da existência desses projetos. Por isso, ainda existem lacunas regulatórias significativas, e os padrões de segurança precisam ser atualizados para garantir que a regulamentação seja adequada para as essas novas técnicas, incluindo a captura direta do ar.
À medida que o setor evolui, as políticas públicas devem priorizar equidade, integridade ambiental e empoderamento comunitário para evitar que a CDR repita danos ocorridos em iniciativas anteriores.
O compromisso com garantias sólidas, processos de tomada de decisão inclusivos e mecanismos duradouros de responsabilização é essencial para garantir que a remoção de carbono contribua para os objetivos climáticos de longo prazo. Se não for implementada com padrões elevados e proteções adequadas, a CDR corre o risco de negligenciar a segurança pública e a sustentabilidade ambiental, comprometendo seu propósito como solução climática e colocando ainda mais em risco a capacidade de cumprirmos metas climáticas nacionais e globais.
Este texto foi originalmente publicado pela WRI Brasil, de acordo com a licença CC BY-SA 4.0. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.
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