Foto: Corpo de prova para realização de ensaios laboratoriais (Crédito: Pietro Scopel/JU)
Por Camila Fernandes de Souza – Jornal da UFRGS | Propor soluções adicionais à construção de barragens não é uma atividade recente no campo da engenharia: existem inúmeras pesquisas que propõem o tratamento dos rejeitos de minérios de ferro nesses locais — que atualmente são monitorados pela Agência Nacional de Mineração. Em geral, esses estudos propõem a estabilização com o cimento convencional (também chamado de cimento Portland). No entanto, esse material de ótimo desempenho é extremamente poluente, uma vez que a produção de cada tonelada desse material emite cerca de 940 kg de gás carbônico.
O pesquisador Diogo Bevilaqua, do Programa de Pós-graduação em Engenharia Civil da UFRGS, desenvolveu um cimento alternativo capaz de estabilizar os rejeitos de uma forma triplamente sustentável: tanto pela escolha dos ingredientes do cimento quanto pela concentração de seus componentes e pelo seu modo de preparo.
Segundo as análises laboratoriais, uma das amostras do cimento alternativo obteve resultados equivalentes ao Portland em rigidez, resistência e durabilidade, consolidando o primeiro como uma solução promissora para essa finalidade.
Para produzir um cimento alternativo, é preciso escolher os “ingredientes” que servirão como precursores e ativadores. Fazendo uma analogia com a prática de assar um bolo, a farinha de trigo seria o precursor; o fermento, o ativador.
Neste caso, os precursores são a escória de alto forno, e o metacaulim, resíduos da fabricação do ferro gusa que, nesse caso, são reaproveitados graças à sua composição química rica em aluminossilicatos.
“A gente precisa que o precursor seja rico em aluminossilicatos, ou seja, ele precisa ter muito cálcio, alumínio e sílica. Se ele tiver esses três materiais, ele consegue passar pelo processo de endurecimento e ganhar resistência de uma forma mais tranquila”, comenta Diogo. “Os resíduos geralmente têm esse material, essa composição química que a gente precisa.”
Já os ativadores precisam ter um pH muito alto ou baixo. Para isso, somente o hidróxido de sódio (NaOH) e o silicato de sódio (Na₂SiO₃) foram utilizados. Diferente do processo mais comum (denominado ‘two-parts’), em que a água é incluída como ativador, o método one-part cria uma mistura seca e a água só é adicionada no local de uso, o que reduz o desperdício da reação e a corrosividade da mistura, além de facilitar o transporte do material.
“O two-parts é como se eu pegasse todo o meu material, misturasse com água, levasse até a obra e utilizasse para fazer a estabilização. No método one-part, eu misturo tudo seco. Então eu pego o cimento que eu desenvolvi, misturo com o rejeito e depois adiciono água”, esclarece o engenheiro.
Por último, o cimento alternativo da pesquisa também é sustentável devido à baixa concentração desses componentes, índice que recebe o nome técnico de teor de aglomerante. Na fabricação do produto convencional, é comum que esse número varie entre 15 e 30%. No entanto, o pesquisador desenvolveu o produto com teores de 2%, 4% e 6% de cimento e conseguiu um desempenho equivalente ao do Portland na última amostra, de forma geral.
“A gente queria trabalhar com poucas quantidades para não ter tanto impacto ambiental. Quanto mais material eu utilizo, mais impacto eu tenho no meu cimento pela situação do ativador, que é corrosivo” – Diogo Bevilaqua.
A qualidade do produto para a estabilização de rejeitos foi avaliada a partir do seu comportamento mecânico, químico e mineralógico. Entre as versões que foram criadas para comparação, o que variava era o teor de aglomerante (mencionado acima), o peso específico aparente seco (grau de compactação do material) e o tempo de cura (período que o material precisa para endurecer).
O cimento com melhor resistência e durabilidade nos testes tinha três características: era a versão com o maior peso específico aparente seco dentre as amostras (22,2 kN/m³), o maior teor de aglomerante (6%) e o maior tempo de cura (182 dias à temperatura ambiente).
Enquanto a versão Portland chegou em um pico de resistência e estagnou após 28 dias, o produto alternativo teve melhora no comportamento mecânico com o passar do tempo.
Por outro lado, no quesito elasticidade, foi preciso fazer uma cura térmica no produto alternativo (ou seja, manter a mistura a 60ºC por 7 dias) para chegar a um resultado equivalente ao do Portland. O processo acelerou a hidratação e o ganho de resistência do material, fazendo com que ele atingisse melhores resultados em menos tempo e, nesse caso, superasse o índice de elasticidade do produto convencional.
Amostra do cimento álcali-ativado
Mesmo após os bons resultados obtidos em análises, a pesquisa ainda deve continuar. O engenheiro comenta que a análise do ciclo de vida será essencial para entender a diminuição do impacto ambiental com a solução proposta, e as avaliações com um teor maior de aglomerante (acima de 6%) e um maior tempo de cura (acima de 182 dias) devem indicar o potencial máximo do cimento alternativo.
Além disso, há um obstáculo que ainda precisa ser superado: a pouca disponibilidade da escória de alto forno no mercado brasileiro. Segundo Diogo, hoje em dia esse material é praticamente monopolizado pelas indústrias cimenteiras, que a consomem em grande quantidade para adicionar no cimento convencional.
“O que eu espero é que isso seja realmente resolvido, que os materiais possam ser estabilizados, que não tenham mais esses tipos de impactos sociais, ambientais, econômicos, etc. Mas ao mesmo tempo, eu não sei se vai ser com a minha ou se vai ser com outra técnica”, afirma. “A gente está varrendo as possibilidades para conseguir encontrar o melhor material para ser utilizado.”
Este texto foi originalmente publicado pelo Jornal da UFRGS, de acordo com a licença CC BY-SA 4.0. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.
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