Frascos da Butantan-DV, a vacina em dose única contra a dengue, desenvolvida no Brasil | Foto: Comunicação Instituto Butantan
Por Ricardo Zorzetto – Revista Pesquisa Fapesp | Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão que regula a comercialização de alimentos e medicamentos no país, aprovou nesta quarta-feira (26/11) o uso da vacina contra a dengue desenvolvida pelo Instituto Butantan para imunizar pessoas com idade entre 12 e 59 anos. Aplicada em dose única, a Butantan-DV protege contra os quatro sorotipos do vírus e deve ser incluída nos próximos meses no calendário do Programa Nacional de Imunizações (PNI).
Antes mesmo da aprovação, o Butantan iniciou a fabricação do produto e já tem cerca de 1 milhão de doses prontas. “A expectativa é começar a usar a vacina já no mês de dezembro e colocá-la no calendário do PNI no início do ano que vem”, afirmou o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, durante o anúncio, realizado na sede do instituto, em São Paulo. “Hoje é de fato um dia especial, no qual se celebra a apresentação dos resultados e a aprovação da Anvisa a um trabalho de muitos anos de pesquisa, de muito profissionalismo e muita paixão, para que se chegasse a uma vacina que, primeiro, é absolutamente segura e, segundo, é absolutamente eficaz”, comentou o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas.
Na ocasião, o diretor-presidente da Anvisa, Leandro Safatle, e o gerente-geral de Produtos Biológicos da agência, Marcelo Moreira, informaram que a equipe técnica do órgão regulador finalizou a análise dos dados de qualidade, eficácia e segurança da Butantan-DV em 18 de novembro e que a vacina foi aprovada em todos os quesitos. Na sequência, Safatle e o diretor do Instituto Butantan, o infectologista Esper Kallás, assinaram um termo de compromisso por meio do qual a instituição paulista assume a responsabilidade de apresentar dados clínicos e de qualidade adicionais, à medida que surjam, além de realizar a chamada farmacovigilância – monitoramento de possíveis eventos adversos que surjam com o uso disseminado da vacina. Por ora, afirmou Moreira, da Anvisa, a vacina não está autorizada para uso em gestantes, pessoas imunocomprometidas e idosos a partir dos 60 anos. O Butantan, no entanto, já recebeu autorização para avaliar o desempenho da vacina na faixa etária dos 60 aos 79 anos.
Com o parecer favorável da agência, agora o Butantan deve enviar uma solicitação de aprovação de preço à Câmara de Regulação de Mercado de Medicamentos (CMED), órgão que analisa os custos do desenvolvimento, os benefícios do medicamento e define o preço para o mercado. Após essa avaliação, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) irá estudar a inclusão da vacina ao Sistema Único de Saúde (SUS).
“Vacina aprovada. Agora, os próximos passos são a publicação do registro pela Anvisa e a contratação de produção pelo Ministério da Saúde”, disse Padilha. O ministro afirmou ainda já ter convocado para a próxima segunda-feira, dia 1º de dezembro, reunião do comitê de especialistas do PNI para avaliar a melhor estratégia de incorporação da Butantan-DV ao calendário vacinal do país e definir quais grupos devem ser imunizados primeiro.
A Butantan-DV é uma vacina de vírus atenuado, que conserva a capacidade de se multiplicar, mas perde a de causar a doença. Ela foi desenvolvida a partir de um trabalho inicial do grupo do microbiologista Stephen Whitehead, dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos (NIH), que, no início dos anos 2000, conseguiu selecionar variedades dos vírus da dengue de sorotipo 1, 2, 3 e 4 enfraquecidos. Eles eram incapazes de causar a doença, mas despertavam no sistema imune a resposta imunológica. O protótipo vacinal criado pela equipe de Whitehead foi licenciado há pouco mais de uma década para o Instituto Butantan, que realizou o desenvolvimento final do produto (ver Pesquisa FAPESP nº 324).
Os dados mais recentes de eficácia da Butantan-DV, apresentados semanas atrás em um congresso realizado no Canadá, mostram que o imunizante tem uma eficácia geral de 74,7% e de 91,6% contra a dengue grave, aquela que progride para um quadro de dor abdominal intensa, vômitos persistentes, dificuldade para respirar e acúmulo de líquidos no abdômen ou no tórax. “Isso significa que, cinco anos depois de receber a vacina, 74,7% das pessoas que foram infectadas não desenvolveram viremia [disseminação do vírus] nem apresentaram sintomas da doença. Entre os 25,3% que apresentaram sintomas, 91,6% não desenvolveram a forma grave”, explicou Kallás.
Esses resultados, segundo o diretor do Butantan, foram aceitos para serem publicados em uma das próximas edições da revista Nature Medicine. A Butantan-DV também apresentou uma proteção excepcional contra a hospitalização. Nenhuma das pessoas vacinadas que foi infectada e desenvolveu sintomas precisou ser internada. “Todas as hospitalizações ocorreram no grupo que tinha recebido placebo”, afirma Kallás. Em sua apresentação, ele lembrou que a ideia de trazer o desenvolvimento dessa vacina para o Butantan havia sido do bioquímico Isaias Raw (1927-2022), ex-diretor do instituto.
O desenvolvimento da Butantan-DV contou com investimento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), da FAPESP, da Fundação Butantan, do Ministério da Saúde e, mais recentemente, de uma parceria com o laboratório Merck Sharp & Dohme (MSD). Ela foi testada ao longo de quase uma década em 10.259 voluntários em 16 centros de diferentes regiões do país. Outros 5.976 receberam placebo (composto inócuo).
Além das doses já prontas, o Butantan fechou uma parceria internacional com a empresa chinesa WuXi Vaccines para escalar a produção e fabricar outros 60 milhões de doses da vacina brasileira nos próximos dois anos – cerca de metade deve ser entregue até o segundo semestre de 2026. “Com essa vacina, a gente amplia a autonomia tecnológica do Brasil e reduz a dependência de importações”, afirmou a secretária estadual da Saúde de São Paulo em exercício, Priscilla Pericardis. “Ter uma vacina em dose única, para nós que estamos no dia a dia da operação, muda completamente o jogo, porque facilita a logística, aumenta a adesão e acelera a proteção da população.”
Em 2024, o país enfrentou uma das maiores epidemias de dengue, com cerca de 6,4 milhões de casos suspeitos da doença e quase 6 mil mortes. Neste ano, o total de casos havia baixado para cerca de 1,6 milhão.
Este texto foi originalmente publicado pela Revista Pesquisa Fapesp, de acordo com a licença CC BY-SA 4.0. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.
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