Ciência & Meio Ambiente

Análise sugere que duas espécies humanas ancestrais surgiram juntas na África, e não apenas uma

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A saga da expansão humana pelo planeta pode ter começado com um êxodo mais complexo do que se supunha. Uma investigação minuciosa sobre a arcada dentária de fósseis com cerca de 1,8 milhão de anos, encontrados no sítio de Dmanisi, na Geórgia, sustenta a controversa tese de que duas linhagens humanas distintas emigraram da África quase simultaneamente. A descoberta, detalhada na revista PLOS One, confronta diretamente a narrativa tradicional que atribui ao Homo erectus o papel de único pioneiro naquela jornada primordial.

O cerne do debate reside na notável diversidade morfológica dos cinco crânios desenterrados em Dmanisi entre 1999 e 2005. Enquanto a hipótese clássica atribui as variações – como o rosto maciço e a caixa craniana reduzida do chamado Crânio 5 – a simples diferenças entre machos e fêmeas de uma única espécie, o novo estudo oferece uma interpretação taxonômica distinta. A pesquisa, conduzida por Victor Nery e colegas da Universidade de São Paulo, elegeu os dentes como a chave para desvendar o mistério, dada a resistência do esmalte dental, que preserva informações com maior fidelidade do que ossos cranianos frequentemente deformados.

A metodologia envolveu a análise da área da coroa de pré-molares e molares de três espécimes de Dmanisi, comparando-os com um extenso banco de dados de 122 fósseis de outras espécies, como Australopithecus e diversos membros do gênero Homo. A aplicação de ferramentas estatísticas a 583 dentes gerou um mapa biológico revelador. Os resultados segmentaram os fósseis em dois agrupamentos distintos: o Crânio 5 mostrou afinidades morfológicas com os Australopithecus, um ancestral mais primitivo, enquanto os outros dois espécimes se alinharam com características tipicamente humanas.

Diante dessa divisão, os pesquisadores propõem uma nova designação. O espécime com traços mais arcaicos seria classificado como Homo georgicus, e os demais, como Homo caucasi. Para afastar a possibilidade de a disparidade ser apenas sexual, a equipe comparou os padrões dentários com os de grandes símios, como gorilas, onde o dimorfismo é acentuado. As diferenças encontradas em Dmanisi superaram em muito a variação esperada dentro de uma única espécie, fortalecendo o argumento de uma coexistência entre espécies diferentes.

A publicação dessas conclusões reacende e aprofunda um dos debates mais instigantes da paleoantropologia. Se confirmada, a coexistência de Homo georgicus e Homo caucasi no mesmo local e período demandará uma revisão dos modelos que descrevem a primeira dispersão humana para fora da África. A comunidade científica, no entanto, aguarda a descoberta de mais espécimes fósseis que possam consolidar ou refinar essa hipótese. Enquanto isso, os antigos dentes de Dmanisi seguem oferecendo pistas silenciosas, porém robustas, sobre a pluralidade de nossos primeiros parentes a explorar o mundo.

Stella Legnaioli

Jornalista, gestora ambiental, ecofeminista, vegana e livre de glúten. Aceito convites para morar em uma ecovila :)

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