Imagem de Christoffer Engström no Unsplash
No coração do Oceano Austral, um gigante aquático serpenteia em torno da Antártida. A Corrente Circumpolar Antártica (CCA), a maior corrente oceânica do planeta, é uma força motriz do clima global, responsável pelo transporte de calor e nutrientes entre os oceanos Atlântico, Pacífico e Índico. Um estudo internacional, publicado na revista Nature Communications, desenterrou do fundo do mar uma revelação surpreendente: há 130 mil anos, durante o último período interglacial, essa corrente colossal fluía a uma velocidade três vezes maior do que a observada nos últimos milênios. A descoberta, baseada na análise meticulosa de testemunhos sedimentares, ilumina a complexa dinâmica entre o clima da Terra e as forças oceânicas.
A chave para decifrar a velocidade ancestral da corrente veio do fundo do Mar de Scotia, ao norte da Antártida. A bordo do navio de pesquisa JOIDES Resolution, cientistas perfuraram o leito marinho, extraindo amostras de sedimentos de profundidades entre 3.000 e 4.000 metros. A análise da distribuição do tamanho dos grãos nesses sedimentos funcionou como um velocímetro geológico. Correntes mais rápidas carregam partículas finas, que só se depositam quando a força da água diminui. Ao focar numa fração específica de silte, os pesquisadores puderam mapear as variações de velocidade da CCA ao longo de milênios.
A explicação para essa aceleração extinta no passado reside nos ciclos astronômicos da Terra. A órbita do planeta ao redor do sol não é perfeitamente circular, variando sua excentricidade a cada 100 mil anos. Simultaneamente, a inclinação e a rotação do eixo terrestre sofrem alterações em um ciclo de aproximadamente 21 mil anos. Há 130 mil anos, esses dois fatores atingiram um máximo simultâneo, potencialmente intensificando os ventos de oeste que impulsionam a Corrente Circumpolar Antártica. Esse cenário orbital contrasta com o atual, onde tais forças não se reforçam da mesma maneira.
Além da velocidade, a pesquisa indica que a posição da corrente também sofreu uma mudança drástica. Durante o último período interglacial, a CCA deslocou-se em direção ao polo sul em pelo menos 600 quilômetros. Esse movimento trouxe águas relativamente mais quentes para mais perto das plataformas de gelo antárticas. Os cientistas associam essa proximidade com o nível do mar, que na época era entre 6 e 9 metros mais alto do que o atual. O estudo sugere que, devido aos parâmetros orbitais naturais, o sistema climático tenderia a empurrar a corrente para norte nos próximos séculos ou milênios. Esse movimento natural entraria em oposição ao deslocamento para sul que é previsto como consequência do aquecimento global antropogênico.
Compreender o peso relativo da variabilidade climática natural frente à influência humana torna-se um desafio central para prever o comportamento futuro desta corrente fundamental. A pesquisa demonstra que o oceano possui uma memória profunda, registrada em suas camadas de sedimento. Combinar esses arquivos geológicos com modelos climáticos sofisticados é o caminho para desvendar os próximos capítulos da história da Corrente Circumpolar Antártica e seu impacto decisivo no clima global.
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