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Cientistas afirmam que inação climática nos últimos dez anos fez com que humanidade tenha de cortar emissões quatro vezes mais e em um terço do tempo

Faz dez anos que as Nações Unidas publicam todo fim de ano um relatório mostrando a diferença entre a ambição das políticas de combate à crise do clima e o que seria preciso fazer para evitar seus piores efeitos. E há dez anos os governos das maiores economias do mundo ouvem, fazem um joinha com a mão e fingem que não é com eles. O custo dessa década de inação foi apresentado nesta quarta-feira (4) por um grupo internacional de cientistas: agora, se quiser atingir os objetivos do Acordo de Paris, os governos terão de trabalhar quatro vezes mais em um terço do tempo.

Os pesquisadores publicaram no periódico Nature uma análise dos relatórios Emissions Gap, elaborados pelo Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) desde 2010.

Em sua primeira edição, o documento apontava que as emissões em 2020 precisariam ser 14% menores do que as propostas de corte feitas pelos países para atingir a estabilização que na época se julgava necessária – limitar o aquecimento global a 2 ºC neste século. Também se achava que o mundo tivesse 40 anos, até o meio do século, para reduzir as emissões pela metade.

A mais recente edição do relatório, de novembro passado, traz um quadro muito mais grave: para atingir o objetivo de estabilização julgado necessário pela ciência, de limitar o aquecimento a 1,5 ºC, será preciso ter emissões 55% menores em 2030 do que o proposto pelos países no conjunto das NDCs, as metas nacionais. O tempo para reduzir emissões pela metade também despencou: só temos mais dez anos, até 2030.

Embora os dados a rigor não sejam comparáveis, já que são metas distintas de estabilização de temperatura, os autores afirmam que o ponto central de sua argumentação segue válido: dez anos de procrastinação e o aprimoramento do conhecimento científico aumentaram a distância entre o que está sendo feito e o que é necessário fazer para resolver a crise do clima.

“Mesmo somadas, as ações climáticas propostas por todos os países estão longe de cumprir o objetivo. Em vez de reduzir emissões pela metade até 2030, as propostas dos países levarão a um ligeiro aumento”, afirma o grupo, liderado pelo alemão Niklas Höhne, do New Climate Institute.

“De maneira geral o pessoal está mais pessimista”, conta Roberto Schaeffer, da Coppe-UFRJ, coautor do artigo, sobre se há possibilidade de fechar o hiato (na verdade, abismo) de ambição a tempo.

Ele diz que houve duas mudanças importantes nos últimos dez anos sobre a compreensão do esforço necessário para evitar o pior. Em 2017, um estudo mostrou que a chance de a humanidade cumprir o Acordo de Paris poderia ser maior do que se imaginava. Isso porque o chamado “orçamento de carbono”, ou o limite de emissões da humanidade, seria maior por conta de problemas de contabilidade das emissões do passado. Isso deu esperança aos cientistas.

No ano seguinte, porém, o IPCC, o painel do clima da ONU, mostrou que o “teto da meta” de Paris, de limitar as emissões abaixo de 2 ºC, não era suficiente para evitar a catástrofe climática: seria preciso mirar no limite mais ambicioso do acordo, a estabilização em 1,5 ºC.

Só que muitos cientistas acham que, mesmo com a folga adicional, cumprir a meta de 1,5 ºC é praticamente impossível. Para isso, segundo o último Gap Report, seria preciso cortar emissões em 7,6% ao ano daqui até 2030, todos os anos. Alguns dos maiores emissores do planeta, como Brasil e Indonésia, estão aumentando sua poluição climática em vez de reduzi-la. Outros, como a China e a Rússia, têm metas inadequadas. Outros, ainda, como os EUA e a Austrália, têm governos que negam o próprio aquecimento global. Os EUA sairão do Acordo de Paris em novembro deste ano.

Sem muleta

Para piorar, nos últimos dois anos vem caindo em descrédito o principal artifício usado nos modelos de emissões para fechar a conta da estabilização: as chamadas emissões negativas, uma espécie de muleta matemática para fazer as contas de estabilização fecharem.

Funcionava assim: os modelos projetavam as emissões até o meio do século, quando seria necessário zerar as emissões líquidas de CO2 para evitar que a Terra entre em convulsão climática. Como em nenhum cenário seria possível atingir o zero, imaginava-se que seria necessário tirar do ar grandes quantidades de carbono. O método mais razoável de fazer isso seria produzir bioenergia (que tem emissão quase zero) com sequestro de carbono no subsolo em destilarias de álcool, por exemplo. Essa tecnologia, pertencente mais ou menos ao domínio da ficção científica, é conhecida como BECCS (Bioenergia com Captura e Armazenamento de Carbono, na sigla em inglês).

“O BECCS era uma visão romântica, mas ele praticamente não existe”, diz Schaeffer. O pesquisador brasileiro, que coordena um dos capítulos do próximo relatório do IPCC, diz que o painel está pensando em abandonar o recurso às emissões negativas e dizer o que precisará ser feito para zerar emissões de fato até 2050. Neste caso, claro, a curva de redução terá de ser muito mais acentuada.

Greta Thunberg concorda. A ativista sueca discursou nesta quarta-feira no Parlamento Europeu, criticando a nova lei de clima da União Europeia por se fiar excessivamente em emissões negativas para entregar emissão líquida zero no meio do século. “Essa tecnologia de emissões negativas na qual esta lei se baseia inteiramente não existe hoje, e talvez nunca venha a existir”, afirmou. “Precisamos mudar nosso comportamento.”

Schaeffer e seus colegas dizem que nem tudo são trevas. Eles afirmam que há iniciativas em vários países que, se ganharem escala, ainda podem entregar a redução de emissões necessária para cumprir a meta global.

O artigo cita, por exemplo, a queda vertiginosa no preço das energias renováveis, os compromissos de 76 países (nenhum grande emissor) de zerar suas emissões líquidas até 2050 e a iniciativa de 26 bancos de parar de financiar usinas termelétricas a carvão mineral.

“Há cidades como Paris anunciando que só admitirão carros elétricos. Isso força a indústria a mudar: uma empresa não vai fazer um carro para Paris e outro para o resto do mundo”, afirma Schaeffer. A guinada para um mundo de baixo carbono, diz, pode ser muito mais rápida do que se imagina hoje. “Mas neste momento não há guinada nenhuma.”



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