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Pesquisa realizada pelo IG-USP pode contribuir para o aprimoramento de modelos climáticos que buscam definir cenários futuros

Imagem: Foraminíferos G.glutinata com bulla/arquivo do pesquisador

No atual contexto de mudança climática global, o estudo do passado adquiriu extraordinária relevância para o desenho de cenários futuros. Pesquisas sobre transformações ocorridas durante a última deglaciação, por exemplo, entre 19 e 12 mil anos atrás, quando a temperatura média do planeta subiu aproximadamente 3,5° C, são fundamentais para aferir a acurácia dos modelos numéricos que buscam projetar o que acontecerá no planeta nas próximas décadas.

Uma dessas pesquisas, conduzida por Rodrigo da Costa Portilho-Ramos, do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (IG-USP), investigou as mudanças produzidas pelo aquecimento global na camada superior da coluna d’água oceânica – um domínio do sistema climático especialmente difícil de estudar. E resultou no artigo “Coupling of equatorial Atlantic surface stratification to glacial shifts in the tropical rainbelt”, publicado na revista Scientific Reports, do grupo Nature.

O estudo foi apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) por meio do Auxílio à Pesquisa Jovens Pesquisadores, que contempla o projeto “Resposta da porção oeste do Oceano Atlântico às mudanças na circulação meridional do Atlântico: variabilidade milenar a sazonal”, liderado por Cristiano Chiessi, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP). Chiessi é supervisor do pós-doutorado de Portilho-Ramos e coautor do artigo veiculado em Scientific Reports.

“Apesar de parecerem homogêneos, os oceanos são altamente estratificados, com diferentes camadas na coluna d’água. A camada superficial é de enorme importância para o clima do planeta, porque é nela que ocorre a fotossíntese produzida pelo fitoplâncton. Então, se essa camada superficial é mais espessa ou menos espessa, mais quente ou menos quente, mais produtiva ou menos produtiva, isso tem influência direta na quantidade de carbono lançada ou absorvida da atmosfera. E, portanto, no sistema climático como um todo. Porém, modelos climáticos de grande complexidade, como os utilizados no IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change), têm muita dificuldade em reproduzir a estratificação da coluna d’água e, portanto, em incorporar essa influência. Nossa pesquisa permitiu saber, pela primeira vez, como a camada superior dos oceanos variou em um contexto de mudança climática abrupta, associado à deglaciação”, disse Chiessi à Agência Fapesp.

Para caracterizar essa variação, Portilho-Ramos coletou amostras de sedimento no fundo oceânico – mais especificamente, carapaças de foraminíferos planctônicos fósseis. “Os foraminíferos são organismos unicelulares (protozoários), exclusivamente marinhos, altamente sensíveis às variações ambientais (temperatura, luminosidade, salinidade, disponibilidade de nutrientes, estratificação da coluna d’água etc.). Vivem na superfície dos oceanos, entre zero e 800 metros de profundidade, e constroem conchas de carbonato de cálcio. Depois que morrem, as conchas se depositam no fundo oceânico e viram fósseis, que registram a história natural do planeta e constituem uma das mais importantes ferramentas para a pesquisa paleoceanográfica”, informou Portilho-Ramos.

A análise das conchas possibilitou determinar a posição atual e os deslocamentos no passado da chamada Zona de Convergência Intertropical do Atlântico (em inglês Atlantic Intertropical Convergence Zone – ou Atlantic ITCZ). A ITCZ é um cinturão de baixa pressão atmosférica e máxima precipitação, que abraça o planeta inteiro na região equatorial e produz um padrão específico de estratificação na camada superficial nos oceanos. No Atlântico, essa faixa de máxima precipitação e, portanto, de baixa salinidade, está posicionada atualmente um pouco ao norte da linha do Equador. E migra sazonalmente de norte para sul. As migrações, por meio das quais a ITCZ busca sempre o maior aporte de energia solar, dependem dos ciclos das estações e da troca de energia térmica entre os dois hemisférios por meio das circulações oceânica e atmosférica.

Esse sistema complexo de transferência de calor conjuga a Célula de Revolvimento Meridional do Atlântico (em inglês Atlantic Meridional Overturning Circulation – AMOC), um mecanismo de circulação oceânica que transfere, através do Equador, 0,4 petawatt [0,4 X 1015 W] de energia do sul para o norte, e a circulação atmosférica, que devolve 0,2 petawatt de energia do norte para o sul. O posicionamento da ITCZ ao norte do Equador decorre da assimetria dessa troca de energia.

“Modelos climáticos sugerem que o arrefecimento da AMOC devido ao aquecimento do planeta provoca um deslocamento da ITCZ para o sul – até mesmo para o sul da linha do Equador. E isso foi confirmado por registros paleoclimáticos de origem continental, como estalagmites em cavernas, sedimentos despejados pelos rios no oceano e sedimentos depositados no fundo dos lagos. Todos esses registros mostraram que, de fato, houve um grande aumento das chuvas na porção sul da América do Sul tropical durante três eventos abruptos de arrefecimento da AMOC ocorridos ao longo dos últimos 30 mil anos: o primeiro há cerca de 25 mil anos; o segundo, entre 18 mil e 15 mil anos atrás; e o terceiro, entre 12 mil e 11 mil anos atrás. A nossa pesquisa foi pioneira em demonstrar que esses deslocamentos da ITCZ também causaram marcantes mudanças na estratificação do próprio oceano”, afirmou Portilho-Ramos.

Nesses três eventos, houve drástica redução da salinidade oceânica nas altas latitudes do hemisfério Norte, devido à grande quantidade de icebergs e água doce, resultantes do derretimento do gelo da calota polar do Ártico, que entraram no Oceano Atlântico Norte. Essa variação da salinidade e, portanto, da densidade da camada superior da coluna d’água, determinou o arrefecimento da AMOC, a redução do transporte de energia para norte e o deslocamento da ITCZ para sul. E isso, por sua vez, intensificou o regime de chuvas a sul do Equador.

“O excesso de água doce no topo da coluna d’água reduz a ação turbulenta dos ventos na superfície oceânica, o que permite que águas mais frias e ricas em nutrientes penetrem na zona fótica, isto é, na zona iluminada pela luz, aumentando a produtividade biológica e alterando a comunidade de foraminíferos planctônicos. A análise das espécies de foraminíferos planctônicos permitiu-nos estabelecer a posição atual da ITCZ e a amplitude dos deslocamentos ocorridos no passado”, explicou Portilho-Ramos.

No segundo período de arrefecimento da AMOC, entre 18 mil e 15 mil anos atrás, a ITCZ deslocou-se, no Atlântico, para um grau de latitude sul, ou seja, cerca de cinco graus para o sul da sua posição média atual. “Nossos dados corroboraram simulações de modelos climáticos, forçados pela injeção de água doce no Atlântico Norte devido ao derretimento de gelo”, relatou o pesquisador.

“Isso funcionou como uma prova de validação dos modelos”, comentou Cristiano Chiessi. “O atual processo de mudança climática está derretendo as calotas polares e injetando água doce no Atlântico Norte, assim como ocorreu nos períodos de arrefecimento da AMOC no passado. Ainda não somos capazes de prever todas as consequências do processo, devido à grande quantidade de fatores envolvidos. Mas, com base em nosso estudo, é de se supor uma expressiva redução da AMOC e um deslocamento da ITCZ para sul, com forte aumento das chuvas durante a estação úmida no Nordeste brasileiro. Como as projeções indicam que, na média anual, as chuvas diminuirão no Nordeste, os extremos devem se intensificar”, concluiu.


Fonte: José Tadeu Arantes, da Agência Fapesp

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