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Autor de importante livro sobre o tema reflete a respeito dos impactos ambientais da atividade pecuária na Amazônia

Resumo

A atividade pecuária representa uma grande pressão sobre a Amazônia, resultando em um desmatamento significativo que destrói a biodiversidade, pode aumentar a desestabilização do clima global e até levar a pandemias futuras. Embora a maior parte da carne produzida no Brasil seja para o consumo doméstico, uma grande parte é exportada à China.

Com a pandemia fora de controle no Brasil, os frigoríficos se tornaram “hot spots” virais e ajudaram a espalhar a Covid-19 em vários lugares do país. Enquanto isso, a pandemia, por uma série de motivos, reduziu o consumo de carne tanto no Brasil quanto na China.

A carne e os laticínios são responsáveis por problemas de saúde pública e por 18% das emissões globais de gases de efeito estufa, então qualquer redução no consumo pode ser boa para a saúde do planeta. Embora a pandemia tenha levado sofrimento à humanidade, será que a demanda decrescente por carne pode despertar para uma nova consciência ambiental?

Este post é um comentário. As opiniões expressas aqui são as do autor, não necessariamente as da Mongabay.

Sabemos que o coronavírus causou problemas no comércio exterior e nas cadeias globais de fornecimento, mas devemos necessariamente lamentar essa instabilidade? Acredito que não, se tais mudanças levarem a consequências ambientais benéficas. Com sorte, a pandemia pode aliviar a pressão sobre a Floresta Amazônica, que tem sido espremida pela pecuária. No Brasil, a maior parte do desmatamento relacionado à criação de gado está ligada ao mercado doméstico, embora o país também tenha procurado satisfazer a voraz demanda global, especialmente da China. A pandemia, contudo, pode levar os consumidores a reconsiderar suas escolhas alimentares, o que não atenuaria apenas as mudanças climáticas mas também ajudaria a proteger a saúde pública.

Quando áreas desmatadas nos trópicos são ocupadas por populações humanas, corremos o risco de uma maior proximidade com a vida selvagem e de exposição às chamadas zoonoses. De fato, cientistas alertam que patógenos como o coronavírus podem se tornar mais comuns à medida que as pessoas transformam habitats naturais em terras cultiváveis. Já convertemos quase a metade das terras do mundo em zonas produtivas destinadas à agricultura e as florestas tropicais foram as que mais sofreram. Na Amazônia, 80% do desmatamento está ligado à atividade pecuária e, infelizmente, os mercados não se posicionaram de forma decisiva para lidar com o desmatamento nas cadeias de fornecimento. Especialistas estão preocupados com o surgimento de uma nova pandemia na Floresta Amazônica, que é considerada um possível “hotspot” para doenças emergentes.

Em plena batalha contra a Covid-19, a ideia de pandemias futuras pode ser angustiante. E, ainda assim, a ameaça à saúde pública associada à criação de gado em regiões tropicais vem surgindo no radar político devido às medidas equivocadas do governo americano: recentemente, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos anunciou que a carne brasileira, até então banida, será aprovada para exportação aos EUA. Tais medidas, no entato, são problemáticas, tendo em vista a relação de frigoríficos brasileiros com o gado criado em áreas ilegalmente desmatadas, ou seja, as futuras importações americanas poderão estar ligadas ao ciclo criminoso do desmatamento ilegal.

A ligação com a China

Quando se trata de consumir carne proveniente do desmatamento da Amazônia, a China tem uma responsabilidade ainda maior do que os Estados Unidos. De fato, Beijing é o maior parceiro comercial do Brasil, e a nação asiática está impulsionando o boom da pecuária local. No ano passado, o Brasil exportou US$ 3,7 bilhões em carne bovina para a China e Hong Kong, a maior fatia do mercado de exportação, ultrapassando os carregamentos para os EUA e a União Europeia (UE).

Análises de dados indicam que as exportações para a China e Hong Kong podem, de fato, estar impulsionando o desmatamento. A maior parte da supressão da floresta ocorre na Amazônia – bioma fundamental ao combate às mudanças climáticas globais, devido à capacidade da floresta de armazenar grandes quantidades de carbono e seu papel na regulação do clima –, bem como no Cerrado. Isso sem dizer que a pecuária também produz quantidades significativas de metano, outro potente gás de efeito estufa.

Há anos, os defensores do clima vêm pedindo a redução no consumo de carne. Trata-se de uma escolha de estilo de vida que não é nada banal: a carne e os laticínios são responsáveis por 18% das emissões de gases de efeito estufa globais. Apesar disso, o presidente Jair Bolsonaro, inimigo ferrenho do meio ambiente e aliado-chave do setor agroindustrial do Brasil, buscou limpar terras para plantações de soja e criação de gado com o objetivo de aumentar as exportações para a China, uma política que ele vê como o destino manifesto do país. No entanto, esse desmatamento negligente impulsionou os incêndios recentes na Amazônia, que alarmaram a comunidade internacional.

JBS e o coronavírus no Brasil

Talvez, contudo, a crise do coronavírus possa finalmente ter levado à redução das exportações de carne bovina. Com a pandemia fugindo ao controle em muitos lugares do Brasil, os frigoríficos se tornaram “hotspots” e ajudaram a espalhar a Covid-19. Assim como em outros lugares do mundo, os trabalhadores que processam a carne trabalham muito próximos, o que cria as condições ideais para a disseminação do vírus. Além disso, as baixas temperaturas e áreas refrigeradas dentro das plantas industriais permitem que vírus sobrevivam no ar por um tempo maior. Como Trump, Bolsonaro minimizou a ameaça do coronavírus, e o setor agropecuário brasileiro fez pouco para proteger seus funcionários. Muitas fábricas permaneceram abertas durante a pandemia.

Sabe-se que quase um quarto da força de trabalho testou positivo para Covid-19 em uma das unidades da JBS, o maior frigorífico brasileiro. Notoriamente corrupta, a JBS foi multada por subornar funcionários públicos para fazerem vista grossa enquanto a empresa adotava práticas questionáveis, como vender carne podre. A Anistia Internacional, por sua vez, reportou que a JBS conduz negócios com fazendas que desmatam ilegalmente a Amazônia para criar gado, uma prática conhecida como “lavagem de gado”. Além disso, considerando o setor de carne do Brasil, a JBS é responsável pela maior parte das emissões de CO2 causadas pelo desmatamento, conforme mostrou a iniciativa Trase.

Derrocada do consumo de carne?

Ironicamente, muito embora o coronavírus tenha se originado na China, as autoridades daquele país estão cada vez mais desconfiadas da carne brasileira e, recentemente, oficiais impediram as importações de algumas indústrias brasileiras, incluindo aquelas operadas pela JBS, por temerem que o coronavírus tivesse se espalhado entre os funcionários dos frigoríficos. Mesmo sem a suspensão, contudo, as exportações de carne brasileiras teriam encontrado um obstáculo, uma vez que o coronavírus impactou o crescimento doméstico da China e a demanda da população por commodities alimentares como a cara carne bovina já começou a diminuir em meio ao fechamento dos restaurantes e mercados.

Embora a pandemia tenha levado a um sofrimento humano indizível, será que o declínio da demanda por carne pode levar a uma nova consciência ambiental? “A pandemia de coronavírus deve inaugurar o maior recuo no consumo de carne em décadas”, observou o jornal The Boston Globe. Enquanto isso, há sinais de uma mudança estrutural na dieta das pessoas, à medida que milhões se voltam mais para proteínas de origem vegetal por motivos ambientais e de saúde. O jornal ainda diz que, na China, há uma preocupação crescente com os produtos de origem animal desde que o governo ligou a proteína importada a um surto viral em Beijing.

Não se trata apenas da questão da apreensão chinesa em relação às importações de carne, entretanto, mas também de um reconhecimento crescente de que uma dieta baseada em carne pode simplesmente colocar as pessoas em um risco maior de contrair coronavírus. De fato, pesquisadores relataram que, durante o surto inicial em Wuhan, pacientes que sofriam de diabetes ou doenças coronárias tinham mais chances de morrer do vírus. A Organização Mundial da Saúde, enquanto isso, aponta que um estilo de vida saudável melhora o funcionamento do corpo, inclusive a imunidade. Como parte desse estilo de vida saudável, os especialistas aconselham uma dieta rica em frutas e vegetais.

Efeito de uma nova consciência de saúde?

Será então que mudar as práticas nutricionais pode ajudar a aliviar a pressão sobre a Floresta Amazônica? Mesmo antes da pandemia, algumas localidades dos EUA ficaram preocupadas com os incêndios e o desmatamento na floresta. Veja, por exemplo, os oficiais da cidade de Nova York que, no ano passado, implementaram uma resolução pedindo que as agências municipais e o setor privado cortassem laços com companhias associadas ao desmatamento na Amazônia. Em Los Angeles, enquanto isso, um vereador propôs uma lei semelhante.

Um dos incentivadores da resolução de Nova York, o presidente do bairro do Brooklyn, Eric Adams, citou companhias como a JBS como sendo as “principais culpadas” pelo desmatamento. O próprio Adams se tornou vegano por conta de problemas de saúde e, depois de fazer a transição para uma dieta baseada em vegetais, conseguiu reverter sua diabete. Mais recentemente, ele promoveu o veganismo na comunidade e procurou informar milhões de eleitores sobre como combater a diabete. Durante a pandemia, Adams impulsionou ao máximo sua campanha de saúde, incentivando mais eleitores a se tornarem veganos.

Salvando a floresta

Se campanhas de saúde pública como essas têm ou não um efeito sobre a floresta, ainda não está claro. Mesmo que Adams e outros consigam mudar corações e mentes, Nova York é um mercado relativamente insignificante para os exportadores de carne brasileiros quando comparado ao volume total do comércio global. Por outro lado, há indicações de que a China também pode estar mudando, o que teria um impacto muito mais sério: recentemente, um membro da Conferência Política Consultiva do Povo Chinês instou sua organização a cortar o consumo de carne em resposta à pandemia.

Esses pronunciamentos seguem um conjunto de orientações dietéticas prévias lançado pelo governo chinês, aconselhando o público a reduzir o consumo de carne para combater a diabete e doenças cardiovasculares. Além disso, o veganismo já está ganhando popularidade na China, e em Hong Kong quase um quarto da população limitou o consumo de carne e quase três quartos declararam a vontade de comer refeições sem carne uma vez por semana. Além disso, durante a pandemia, os pedidos de comida vegana estão crescendo, com várias empresas correndo para atender a crescente demanda de produtos de origem vegetal.

Talvez, mudar a consciência alimentar em nível internacional também possa exercer um efeito cascata no Brasil, o que teria muitas consequências, uma vez que o consumo de carne interno ultrapassa em muito as exportações. Já há sinais de que a mudança está acontecendo: apesar do amor pelo churrasco e pelas churrascarias no Brasil, a preocupação com a segurança alimentar e a sustentabilidade vem crescendo. Além disso, o país foi atingido duramente pelo coronavírus e espera-se uma profunda recessão, o que poderia, por sua vez, levar os consumidores a comprarem menos carne. Em conjunto com essas tendências, uma startup brasileira levantou recentemente mais de US$ 8,5 milhões em capital para promover seu negócio de carne vegana, que foi criada para substituir a destrutiva criação de gado.

Embora devastadora em muitos níveis, a epidemia de coronavírus pode oferecer uma oportunidade para aliviar a pressão sobre a Floresta Amazônia. De qualquer forma, a pandemia revelou as conexões subjacentes entre a saúde pública, a nutrição e as mudanças climáticas, que se tornaram tão entrelaçadas que é um pouco difícil neste momento separar uma questão da outra.

Nikolas Kozloff é o autor de No Rain in the Amazon: How South America’s Climate Change Affects the Whole Planet (Editoras Palgrave-Macmillan).

*As opiniões expressas nesta publicação pertencem ao autor do artigo e não necessariamente refletem as do Portal eCycle.

Por Nikolas Kozloff | Traduzido por Eloise de Vylder | Publicado originalmente no Mongabay e licenciado sob Licenciado sob Creative Commons Attribution-NoDerivatives 4.0 International License


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