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Pesquisadoras do Impa tiveram trabalhos reconhecidos no exterior e podem inspirar garotas que sonham com uma carreira nas ciências exatas

O celular, a televisão, o tomógrafo e até mesmo os filmes do cinema estão repletos de matemática. Sem ela, essas invenções praticamente não existiriam, mas poucos pensam nisso. Premiações podem ajudar a ressaltar a importância da disciplina aos olhos da sociedade, mas só agora começam a encarar outro desafio: a predominância masculina na área. Em setembro, a brasileira Carolina Araujo, de 44 anos, e a italiana Luna Lomonaco, de 34, duas pesquisadoras do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), superaram essas barreiras ao vencer prêmios internacionais de renome. O matemático Marcelo Viana, diretor-geral da instituição, avalia que a premiação possa incentivar garotas a mergulhar nesse universo. “É um problema cultural muito sério, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. A escassez de modelos passa por uma necessária conscientização nos ambientes da família e do trabalho”, afirma.

Carolina Araujo venceu o prêmio batizado com o nome do matemático indiano Srinivasa Ramanujan (1887-1920), que foi tema do filme O homem que viu o infinito, de 2016, do diretor britânico Matt Brown. Interpretado pelo ator britânico Dev Patel, Ramanujan era extremamente pobre e sem educação formal. Após se casar, trabalhou na Companhia do Porto de Madras, atualmente Chennai, no sul da Índia. Como as questões matemáticas continuavam prendendo sua atenção, ele enviou seus escritos para professores europeus buscando apoio para publicar seus trabalhos. Foi o matemático Godfrey Harold Hardy (1877-1947), do Trinity College, Universidade de Cambridge, Reino Unido, que percebeu em 1913 o potencial de Ramanujan e o convidou para estudar na Inglaterra. Lá, ele elaborou mais de 4 mil teoremas e seu trabalho sobre a chamada teoria dos números – que estuda a estrutura dos números a partir dos números primos – até hoje inspira sistemas com uma série de usos, de softwares de computadores à química de polímeros.

“Muitos dos códigos criptográficos frequentemente usados para transmissão segura de dados, por exemplo, baseiam-se na teoria dos números. Por exemplo, o método de criptografia RSA, muito utilizado em assinaturas digitais, explora a fatoração de números inteiros em números primos”, diz Araujo. “Os primos [divisíveis apenas por 1 e por si mesmos] podem ser vistos como blocos básicos com os quais construímos todos os números naturais.”

Primeira brasileira e segunda mulher a ganhar o Ramanujan desde que foi criado, em 2004, ela explica que sua área de atuação é a confluência da álgebra com a geometria, na qual objetos podem ser retratados não apenas por equações matemáticas, mas também por suas propriedades geométricas. A geometria algébrica estuda objetos definidos por equações polinomiais, que envolvem apenas potenciação – em que uma variável é multiplicada por si mesma conforme definido pelo expoente – e as quatro operações elementares. Como exemplo de aplicação da geometria algébrica, a pesquisadora cita a biologia molecular, na qual certas cadeias de reações químicas podem ser modeladas por equações polinomiais. O estudo da geometria do conjunto de soluções dessas equações permite obter informações qualitativas sobre as reações químicas. “Em geometria birracional buscamos entender quando dois objetos, possivelmente definidos por equações muito diferentes, têm essencialmente a mesma forma e as mesmas propriedades geométricas”, explica.

O fascínio da carioca sobre esse tema vem desde a graduação em matemática na Pontifícia Universidade Católica no Rio de Janeiro (PUC-RJ). Além de conseguir bolsa integral, já no primeiro ano de faculdade, ela foi orientada por Ricardo Sá Earp, pesquisador em geometria diferencial, em um projeto de iniciação científica. Depois dessa iniciação à geometria, Araujo terminou em 2004 o doutorado na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, e logo em seguida se instalou no Impa. Em 2009 se ausentou para um estágio de pós-doutorado no Instituto de Pesquisa em Ciências Matemáticas em Berkeley, também nos Estados Unidos. Seu trabalho já foi reconhecido por vários prêmios, como o Liftoff Fellow, do Instituto de Matemática Clay, nos Estados Unidos (2004), e o Prêmio L’Oréal para Mulheres na Ciência (2008).

A pesquisa de Araujo está no campo da matemática pura, mas ela explica que os objetos que estuda são aplicados em áreas como criptografia, processamento de dados em computadores e, até mesmo, na definição do espaço-tempo na teoria das cordas, modelo físico-matemático que representa um universo formado por objetos unidimensionais – semelhantes a cordas – e até 11 dimensões. “Esses sistemas polinomiais estão muito presentes nas ciências, como na compreensão de reações químicas”, explica ela. Este ano a cerimônia de entrega do prêmio, que inclui uma palestra da ganhadora, se dará on-line.

Também em setembro, a italiana Luna Lomonaco – no Impa desde janeiro deste ano – recebeu a notícia de ser a primeira mulher reconhecida pelo Prêmio de Reconhecimento União Matemática da América Latina e Caribe (Umalca). Ela estuda uma das formações geométricas consideradas mais belas, os fractais, que são um conjunto de figuras geométricas que se replicam dentro de si próprias de forma infinita, sempre surgindo uma nova imagem menor a cada aproximação. Lomonaco se concentra nas figuras criadas do chamado Conjunto de Mandelbrot, no qual há uma figura central proeminente e uma série de ramificações que se expandem da imagem central.

Nessas ramificações, há fractais que copiam exatamente a figura central e outras que se diferem. Uma das principais questões que a pesquisadora conseguiu responder, até então sem solução, é o que determina quando ocorrem replicações fiéis e quando há alterações de forma. Marcelo Viana explica que, apesar desse estudo específico não ter uma aplicação prática, os fractais permeiam, por exemplo, a história do cinema. “Os primeiros usos de computação gráfica em filmes, nos anos 1980 e 1990, foram com fractais. Alguns tinham montanhas lá no fundo, por exemplo, mas as montanhas não estavam lá, eram fractais. Eles é que faziam essas paisagens.” Há também uso desses sistemas para estudos de mudanças climáticas, trajetórias de meteoritos e pesquisas sobre câncer.

Lomonaco e Araujo são duas únicas mulheres em um instituto que soma 47 pesquisadores homens. Ambas defendem ser necessária uma profunda mudança cultural para levar mais mulheres às ciências exatas. Ela lembra o relato de um colega cientista que queria comprar um presente para a neta. Na loja de brinquedos, buscou um kit do pequeno químico. Ao não encontrar, questionou a vendedora, que respondeu: “Você está na seção errada, esse brinquedo fica no setor de presentes para meninos”.

Para Lomonaco, ser cientista tem alguns pressupostos que não se adequam ao que a sociedade espera de uma mulher, como competitividade, uma certa dose de arrogância, egoísmo e ambição. “Se a gente cria uma menina de forma diferente, não é de espantar que elas escolham carreiras diferentes das dos meninos.” Nascida em Milão, ela rumou em direção às ciências humanas na adolescência, com predileção por grego e filosofia. Acabou entrando nas exatas por questões filosóficas, cursando matemática na Universidade de Pádua. Depois fez parte dos estudos na Universidade de Barcelona, Espanha, onde acabou cursando o mestrado. O doutorado foi realizado na Universidade de Roskilde, na Dinamarca. Durante um curso de especialização na Academia Chinesa de Ciências, entre 2012 e 2013, um professor norte-americano lhe sugeriu a Universidade de São Paulo (USP) como uma boa instituição para lecionar. Ela então rumou para o Brasil ‒ passando por Itália, Espanha, Dinamarca, França, China, Estados Unidos – e por cinco anos, a partir de 2014, foi professora na USP. Em 2019, foi a primeira mulher a vencer o Prêmio da Sociedade Brasileira de Matemática (SBM).

A pressão masculina é forte na área em todo o mundo, ela conta. Na Universidade de Pádua, certa vez pediu para refazer uma prova na qual tinha tirado 5, algo permitido na Itália. Ao ouvir o pedido, o professor bateu algumas vezes a cabeça na mesa, alertando que seria impossível ela obter uma nota melhor. “Tudo começa ao se dar um trem para o menino e uma cozinha para a menina”, avalia.

Araujo, que é também vice-presidente do Comitê para Mulheres na Matemática da União Internacional de Matemática, concorda com a colega. Segundo ela, a participação das mulheres em bolsas de produtividade em matemática no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) é menor que 15%. “Ainda existe o estereótipo de que matemática é coisa de meninos, é uma questão cultural que influencia as meninas muito jovens. Há muitos vieses inconscientes e faltam modelos. É muito comum que as meninas que se interessam por matemática não se sintam parte da comunidade”, afirma a brasileira, que com frequência presencia conferências nas quais todos os palestrantes são homens. “Certa vez, questionei essa situação e os colegas explicaram que nem tinham se dado conta, não perceberam quão excludente é a situação. Do ponto de vista de quem é excluído, é uma mensagem com impacto muito negativo, até na autoimagem da pessoa como pertencente à comunidade.”

Desequilíbrio nas olimpíadas de matemática

O Brasil obteve em setembro um resultado inédito na Olimpíada Internacional de Matemática (IMO), quando a equipe nacional alcançou o 10º lugar. Formado por estudantes de 14 a 19 anos, o time fez com que o país a ficasse à frente dos grupos de Canadá, França, Alemanha, Japão, entre outros, trazendo uma medalha de ouro e cinco de prata. O resultado é reflexo de um esforço para ampliar a popularidade da matemática nas escolas brasileiras, que nasceu das olimpíadas de matemática.

Criada em 2005, a Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP) tem duas fases e reúne escolas públicas e privadas. Na primeira fase, nada menos que 18 milhões de estudantes realizam as provas. Os 5% melhores colocados em cada escola passam para segunda fase. Desses, cerca de 900 mil são convidados a participar da Olímpiada Brasileira de Matemática (OBM). É nessa disputa que são formadas seleções que participarão de competições internacionais, como a IMO.

O inédito resultado na competição contrasta com o fato de os integrantes da equipe verde-amarela serem todos meninos. Marcelo Viana explica que o percentual feminino nas equipes de todo o mundo gira em torno de 10%. Para dar mais impulso às meninas, o Impa incentivou em 2017 a criação de equipes para disputar a Olimpíada Europeia Feminina de Matemática (EGMO).

Na 9ª edição da disputa, em abril deste ano, as veteranas Maria Clara de Lacerda Werneck, do Rio de Janeiro (RJ), e Ana Beatriz Cavalcante Pires de Castro Studart, de Fortaleza (CE), obtiveram medalhas de prata; Letícia Barbieri Stroeh, de Campinas (SP), e Carolina Moura Valle Costa, de Itu (SP), ficaram com o bronze. No ano passado, a gaúcha Mariana Bigolin Groff, à época com 17 anos, conquistou uma medalha de ouro nessa competição. “Ela é um modelo que pode incentivar outras meninas”, sugere Viana.

Em 2019 foi criado no Brasil o Torneio Meninas na Matemática (TM2), uma espécie de OBM para garotas. “O objetivo também é realçar as melhores alunas e criar um incentivo adicional para que haja cada vez mais participação feminina”, diz o diretor-geral. “É também uma questão humana que todos tenham direito de desenvolver o potencial intelectual”, conclui Araujo.


Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original

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