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Trabalho de cuidado realizado pelas mulheres no mundo representa uma economia 24 vezes maior que a do Vale do Silício e, no Brasil, corresponde a 11% do PIB nacional

Economia do cuidado, também chamada de care economy em inglês, é uma expressão que foi definida, em 1993, pela cientista política Joan Tronto. Segundo Tronto, é todo tipo de trabalho, remunerado ou não, motivado pelo objetivo de melhorar a vida de outra pessoa.

O tema começou a ser estudado no início dos anos 80 na Inglaterra e nos Estados Unidos. Porém, foi retomado pelas cientistas sociais francesas em meados dos anos 2000. A partir de então, passou a fazer parte de estudos brasileiros sobre economia e feminismo.

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O lugar da mulher na economia

O que é economia do cuidado?

Economia é uma palavra de origem grega em que “eco” (originalmente oikos) significa “casa” e “nomia” (originalmente nomein) significa “administração”. Portanto, em suma, significa administração da casa. Economia do cuidado, por sua vez, diz respeito às formas de administração do cuidado.

Normalmente, em estudos sociológicos, a economia é resumida ao campo dos bens e serviços. Entretanto, a administração da vida humana também inclui afetos e relações. Os seres humanos precisam suprir suas necessidades fisiológicas com alimentação, atividade sexual, proteção contra calor e frio e sono de qualidade, por exemplo. Neste sentido, o cuidado é fundamental, mas também há a necessidade de entretenimento, educação, carinho e relações afetivas de qualidade em uma comunidade. 

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Embora essas duas áreas (bens e serviços x cuidados) sejam importantes para a manutenção da vida, o segundo grupo é menos valorizado socioeconomicamente. Ele é visto como um dever natural das mulheres e, por isso, muitas vezes é realizado gratuitamente ou de forma mal remunerada.

Entretanto, segundo levantamento realizado em 2020 pela Lab Think Olga, o trabalho de cuidado realizado pelas mulheres no mundo representa uma economia 24 vezes maior que a do Vale do Silício. E, apenas no Brasil, corresponde a 11% do PIB nacional

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Estimativas apontam que a demanda por esse tipo de trabalho aumentará em todo o mundo. Isso porque a tendência é de aumento da população que demanda maiores níveis de dependência, como crianças, idosos e pessoas com deficiência. 

Herança colonial

Em seu livro “O Segundo Sexo”, a filósofa Simone de Beauvoir começa um discussão sobre as origens da crença de que os serviços domésticos são naturalmente femininos. A filósofa analisa os fatores materiais que levaram a cultura ocidental a determinar que as mulheres estão pré-destinadas à vida privada e o homem, à vida pública. 

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Beauvoir argumenta que, antes da descoberta do bronze, não havia desigualdade socioeconômica entre homens e mulheres. Apesar destes grupos se ocuparem de tarefas distintas. Normalmente homens caçavam e mulheres se ocupavam de colher frutas e confeccionar vasilhames, por exemplo.

Entretanto, com o acesso do homem às ferramentas de bronze, este passou a aumentar a produção extraída da terra. Isso permitiu a sedentarização e a estratificação social, levando ao surgimento da propriedade privada e vida pública. Enquanto isso, a atuação da mulher ficou restrita aos mesmos afazeres, que se restringiam ao âmbito privado. 

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Diferente de povos matriarcais, a maior parte da população brasileira, que é absolutamente influenciada pela colonização europeia, herdou a divisão sexual do trabalho relatada por Beauvoir como uma de suas bases culturais.

Dessa forma, atividades de cuidado são consideradas “naturalmente” femininas, como: 

  • Preparar alimentos para a família
  • Fazer a manutenção da casa
  • Educar os filhos 
  • Cuidar dos doentes e incapacitados

Por outro lado, o direito ao pleno gozo da vida pública é considerado um direito universal masculino. 

A mão invisível que balança o berço

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Imagem de Annie Spratt no Unsplash

Pesquisadoras da economia do cuidado como as autoras Nalu Faria, Renata Moreno, Maria Lucia Silveira e Taís de Viudes de Freitas pontuam que existe uma diferença crucial entre os trabalhos remunerados e não remunerados.

Em sua série de cadernos publicados pela editora Sempreviva Organização Feminista (os quais foram utilizados como base para redigir este artigo), as autoras argumentam que o trabalho doméstico não remunerado é feito gratuitamente pelas mulheres com base no que é entendido como “amor” natural pelos familiares. Diferente do trabalho remunerado, que normalmente é delegado aos homens. 

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“A divisão sexual do trabalho, determinada histórica e culturalmente, não apenas destina os homens à esfera produtiva e as mulheres à esfera reprodutiva, como também atrela os primeiros às funções de maior visibilidade social. O movimento feminista procurou denunciar essa questão, apontando que essa separação dentro do mercado de trabalho não representava o destino natural de cada sexo, mas era fruto da organização do trabalho e da economia” , explica Taís de Viudes de Freitas, no caderno Trabalho, Corpo e Vida das Mulheres: Crítica à Sociedade de Mercado. 

Apesar de não entrar na contabilidade do Produto Interno Bruto (PIB) como atividade produtiva, o trabalho doméstico é crucial para o funcionamento da sociedade.

Atividades essenciais para o desenvolvimento da economia, como a amamentação (se a criança não for amamentada e cuidada, morrerá e não servirá para repor a mão de obra no futuro), somente nos primeiros seis meses de vida de um bebê, demanda cerca de 650 horas, de acordo com levantamento divulgado pela Lab Think Olga. Mas o trabalho de reprodução e cuidado realizado pelas mulheres é invisibilizado como uma espécie de “mão invisível”, que produz “do nada”. 

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Os trabalhos de cuidado de pessoas, remunerados, normalmente profissões da área da saúde, também reforçam a divisão sexual da força de trabalho com salários mais baixos para cargos tradicionalmente considerados femininos. Profissões nas quais as mulheres são maioria, como enfermagem, hotelaria, alimentação, limpeza, e assistência social, pagam salários inferiores em comparação às profissões majoritariamente masculinas, ainda que na área de cuidado.

Na medicina, por exemplo, em que a maioria é masculina, os profissionais são melhor remunerados em comparação a outras profissões da área da saúde. Isso porque os médicos são considerados como técnicos a serviço da ciência, enquanto as enfermeiras, em sua maioria mulheres, são relacionadas às necessidades básicas, ao cuidado

Dessa forma, há uma relação de subordinação e de dependência das enfermeiras em relação ao saber médico; da mulher em relação ao homem.

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Lares de mulheres negras são mais afetados por insegurança alimentar

Jornadas extenuantes

Mal remuneradas e muitas vezes com a função de dupla e tripla jornada, as mulheres encontram-se em uma situação socioeconômica extenuante. De acordo com artigo publicado na revista Fapesp, no Brasil, França e Japão, as mulheres são centrais na oferta de serviços de cuidados e dedicam três vezes mais do seu tempo de vida a trabalhos domésticos de cuidados (como trabalho de cuidado não remunerado). 

Em alguns casos, com o aumento de mulheres em cargos de prestígio e em “profissões intelectuais superiores”,  ocorre a externalização do seu trabalho doméstico por meio do recurso a outras mulheres de estrato social mais baixo. Entretanto, organizações feministas argumentam que externalizar os deveres domésticos para mulheres de baixa renda não resolve o problema.

Afinal de contas, as empregadas domésticas, muitas vezes latino-americanas, caribenhas e negras, não desfrutam de salários justos e não têm a possibilidade de terceirizar seus afazeres domésticos, ficando com o encargo de jornadas de trabalho dentro e fora do lar.

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No Brasil, as trabalhadoras domésticas remuneradas, compostas majoritariamente por mulheres negras, possuem rotinas exaustivas. Além de trabalharem oito horas por dia ou mais na casa “do patrão”, utilizam horas do seu dia para o deslocamento e ainda precisam cuidar da gestão doméstica de suas próprias casas, limpando e cozinhando para seus familiares em jornadas duplas e triplas, sem tempo para autocuidado e lazer.

O filme “Que Horas Ela Volta”, dirigido por Anna Muylaert e protagonizado por Regina Casé, retrata bem o drama da mulher brasileira empregada doméstica, que precisa “abandonar” sua família para cuidar da família de outro grupo social mais rico. Para além da questão de classe, há ainda o racismo.

Nesse sentido, o livro  “Eu, empregada doméstica”, escrito pela historiadora, rapper e feminista Preta Rara, é uma das obras que retrata as violências sofridas por mulheres negras em suas rotinas de trabalho como diaristas e empregadas domésticas. A obra traz relatos absolutamente tristes e revoltantes. Trabalhadoras domésticas contam que são proibidas de usarem o banheiro no trabalho ou até mesmo as louças da casa para beber água e almoçar.

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Existe solução?

Culturalmente, acredita-se que a igualdade entre homens e mulheres será conquistada com este último grupo imitando o estilo de vida do homem-provedor. Entretanto, isso só é possível para mulheres de renda elevada, em sua maioria, brancas, que se beneficiam da desigualdade econômica externalizando “seus deveres domésticos” para mulheres mais pobres, o que não resolve o problema.

Sustentabilidade da vida humana

Como alternativa a esse cenário de desigualdade social, estudiosas da economia do cuidado propõem a sustentabilidade da vida humana. Essas mulheres defendem que é preciso haver a implementação de políticas públicas em prol das tarefas domésticas, como o aumento da disponibilidade de creches de qualidade e ampliação de atendimento de serviços a pessoas que demandam mais cuidados, como idosos, crianças e doentes.

O ponto crucial defendido por feministas que estudam a economia do cuidado é uma mudança de paradigma em direção à sustentabilidade da vida humana. A solução proposta defende uma mudança no centro dos objetivos sociais, em que a lógica da cultura do lucro ficaria submetida à lógica da cultura do cuidado

Os horários da jornada de trabalho que visa o lucro teriam que ser adaptados à jornada do trabalho doméstico, e não o contrário, como é atualmente. O tempo mercantil teria que se adaptar às necessidades humanas, de modo que haveria a valorização do tempo não mercantilizado do trabalho. Os homens, por sua vez, seriam demandados a participarem das tarefas domésticas, compreendendo o seu valor. 


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