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Inteligência artificial, dados de satélite e modelos estatísticos preveem riscos de desmatamento e incêndios na Amazônia e analisam o impacto do fogo em tempo real

Por Domingos Zaparolli em Revista Pesquisa FAPESP Plataformas tecnológicas capazes de prever riscos de desmatamento e do impacto do fogo na floresta podem se tornar importantes aliadas na proteção de biomas brasileiros, principalmente a Amazônia. A plataforma PrevisIA, resultado de uma parceria do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), da Microsoft e do Fundo Vale, da mineradora de mesmo nome, utiliza geoestatística e inteligência artificial para mapear regiões de florestas ameaçadas. “A ideia é disponibilizar informações que permitam aos agentes públicos agir preventivamente e evitar o desmatamento”, diz o geógrafo Carlos Souza Jr., pesquisador associado do Imazon.

Os dados geoestatísticos da plataforma são obtidos com a análise automatizada dos informes anuais sobre cortes rasos (rentes ao solo) da cobertura vegetal coletados por meio de satélites, principalmente da série Landsat, e acumulados desde 1988 pelo Projeto de Monitoramento do Desmatamento da Floresta Amazônica por Satélite (Prodes), coordenado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Com auxílio de inteligência artificial, os desenvolvedores do PrevisIA acoplaram aos dados do histórico de desmatamento informações sobre as estradas abertas na Amazônia, obtidas a partir de imagens de satélites. Outras variáveis preditivas do modelo de risco de desmatamento incluem uso da terra, atividades socioeconômicas na região, topografia e rios. As imagens para o mapeamento das estradas são coletadas pelo satélite Sentinel-2 da Agência Espacial Europeia (ESA) e processadas na plataforma em nuvem Azure, da Microsoft.

“Com esse conjunto de informações é possível entender a dinâmica do desmatamento e determinar quais são as fronteiras ativas, as áreas de floresta que correm mais risco no curto prazo, algo como 12 meses”, detalha Souza Jr. Um exemplo é o mapeamento de estradas não autorizadas abertas na floresta – “artérias da destruição”, na definição do geógrafo.

Estudos mostram que 95% do desmatamento e 85% das queimadas na Amazônia se concentram em distâncias de até 5,5 quilômetros (km) dessas estradas. A geoestatística permite conhecer o histórico de ocupação do solo e do uso da terra nas proximidades de cada estrada. O algoritmo de inteligência artificial desenvolvido pelo Imazon permite detectar nas imagens de satélites estradas que não constam nos mapas oficiais e estimar a região de florestas sob influência delas. Essas estradas estão geralmente associadas às atividades extrativistas ilegais de madeira e garimpeiros e à ocupação irregular de terras públicas.

Algoritmo detecta em imagens de satélites estradas que não constam nos mapas oficiais e estima a região de florestas sob influência delas

Para 2021, a PrevisIA detectou 9.635 quilômetros quadrados (km²) sob risco de desmatamento, o que inclui 18 unidades de conservação com áreas de risco alto ou muito alto, 192 municípios, 48 terras indígenas, dois territórios quilombolas e 789 assentamentos rurais. Ao longo do ano, a equipe da plataforma tem comparado a projeção com os indicadores do Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) do Imazon, que no seu boletim referente ao mês de julho deste ano identificou 2.095 km² de desmatamento na Amazônia Legal. “Nosso nível de acerto está sendo bem elevado. Por volta de 80% dos lugares desmatados correspondem a áreas que indicamos como de risco médio, alto e muito alto”, constata Souza Jr.

A plataforma PrevisIA é aberta ao público e pode ser acessada em https://previsia.org. Os gestores estão empenhados em realizar parcerias com usuários que podem fazer o uso efetivo dos dados disponibilizados, como governos municipais, estaduais e órgãos federais. A ideia é que a ferramenta também seja usada por bancos que estabelecem critérios sustentáveis em suas políticas de crédito, seguradoras que pretendem reduzir os riscos de suas atividades e empresas empenhadas em estabelecer cadeias produtivas abastecidas por insumos de procedência legal. Um primeiro projeto já está em curso com o Ministério Público do Pará, interessado em oferecer aos promotores municipais informações para prevenção e controle do desmatamento em escala local.

Outra iniciativa prevista pela equipe do PrevisIA é conceber um mapa de ações que podem ser implementadas por agentes públicos e privados para evitar o desmatamento. Uma das propostas é incentivar os agentes a gerar receitas financeiras com suas iniciativas por meio do sistema de Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal Evitável (REDD+), um mecanismo econômico criado pela Convenção-Quadro da Organização das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC) com o objetivo de remunerar quem realiza ações preventivas voltadas à conservação da floresta.

Todo avanço na devastação que ocorre na Amazônia ganha grande repercussão no planeta, pois afeta as emissões de dióxido de carbono (CO2) para a atmosfera, que podem se sobrepor à absorção de CO2 pela vegetação por meio da fotossíntese. As emissões resultantes de queimadas associadas ao desmatamento também podem impactar o regime de chuvas na América do Sul, com reflexo sobre a produção agropecuária e o abastecimento de cadeias produtivas de alimentos ao redor do mundo (ver Pesquisa FAPESP n° 285).

Essa relevância levou pesquisadores da Escola de Ciências Geográficas da Universidade de Ciência e Tecnologia da Informação de Nanjing, na China, a avaliar opções tecnológicas capazes de aperfeiçoar a obtenção de informações sobre incêndios na floresta amazônica e a sua disponibilização em tempo real. O estudo gerou um artigo publicado em junho na revista científica Remote Sensing, indicando que a ferramenta Profundidade Óptica de Vegetação, conhecida pela sigla VOD, é a mais eficiente.

O VOD é um sistema que usa dados de satélite dotados de tecnologia de radar micro-ondas. Segundo o engenheiro ambiental Ricardo Dal’Agnol, pesquisador na Divisão de Observação da Terra e Geoinformática do Inpe, que colaborou com os cientistas chineses e é um dos autores do artigo, o VOD consegue captar a interferência de água na vegetação e determinar se a floresta está mais ou menos úmida. “Com esses dados é possível diferenciar uma vegetação em estado normal daquela afetada pelo fogo”, diz Dal’Agnol, que desenvolve projeto de pesquisa de pós-doutorado com bolsa da FAPESP.

Os sistemas tradicionais de monitoramento de incêndios em florestas em todo o mundo utilizam dados ópticos obtidos por satélites como o Landsat, com o qual o Inpe vistoria a Amazônia. Os instrumentos ópticos trabalham com a radiação visível ou infravermelha e identificam focos de calor. “É um bom instrumento para detectar o que ocorre no dossel da floresta, mas não é bom para determinar o que ocorre no chão. E a maior parte do fogo na floresta ocorre primeiro no solo e muitas vezes não chega ao topo do dossel”, informa Dal’Agnol. O dossel é a cobertura superior da floresta, o topo das árvores.

O radar de micro-ondas apresenta outra vantagem sobre os de leitura óptica, segundo o pesquisador. “O equipamento sofre menos interferência da atmosfera na coleta de dados. A presença de nuvens e fumaça de fogo não impacta a medida, como ocorre com os sistemas ópticos”, afirma.

O estudo realizado pela Universidade de Nanjing utilizou informações de 2019 obtidas por satélites da Agência Japonesa de Exploração Aeroespacial (Jaxa). A comparação foi feita entre o sistema VOD e três sistemas ópticos de satélite mais usados atualmente: o índice de vegetação de diferença normalizada (NDVI); o de vegetação aprimorado (EVI); e a razão de queima normalizada (NBR).

Dal’Agnol relata que os pesquisadores da Universidade de Nanjing já demonstraram disposição de desenvolver um sistema de monitoramento em tempo real de incêndios na floresta amazônica usando a tecnologia VOD, mas o governo brasileiro ainda não manifestou interesse em investir no projeto. De acordo com o Inpe, entre janeiro e agosto deste ano, foram registrados 39.427 focos de incêndio na Amazônia, uma região de floresta úmida, onde esse tipo de ocorrência seria raro se não fosse a intervenção humana.

O Projeto de Mapeamento Anual do Uso e Cobertura da Terra no Brasil (MapBiomas) constatou que entre 1985 e 2020 o Brasil queimou, em média, 150.957 km² por ano, uma área maior que a da Inglaterra. No acumulado do período, 1.672.142 km², cerca de 20% do território nacional, foi queimado. A época de seca, entre julho e outubro, concentra 83% das queimadas e incêndios e, entre os cinco biomas do país, o Pantanal foi, proporcionalmente, o mais atingido, tendo 57% da área de seu território queimada pelo menos uma vez no período delimitado pelo estudo.

Uma equipe de alunos da disciplina de ciências ambientais do curso de engenharia civil da Universidade Federal do Paraná (UFPR) desenvolveu um método que usa recursos de inteligência artificial para prever riscos de incêndios florestais causados pelas condições climáticas. O modelo computacional considerou dados de focos de incêndios monitorados por satélites do Programa Queimadas do Inpe e dados meteorológicos da rede automática do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) como temperatura, radiação solar, velocidade do vento, umidade e chuva.

Um primeiro teste do sistema foi realizado no Parque Nacional Chapada das Mesas, no Maranhão. “Fizemos previsões de focos de incêndio com até 12 horas de antecedência, com uma taxa de acerto de 83%”, diz o coordenador do projeto, o engenheiro civil Fábio Teodoro de Souza, professor do Programa de Pós-graduação em Gestão Urbana da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). O resultado foi alcançado com três leituras diárias de dados de uma estação meteorológica a 34 km de distância do parque nacional. “Com leituras mais frequentes em estações meteorológicas mais próximas do ponto de análise, o índice de acerto pode chegar próximo a 100%”, estima o professor da PUC-PR.

Projeto
Quantificando mortalidade de árvores com lasers: Usando uma abordagem de fusão de dados e modelagem de última geração para estimar a perda de biomassa em florestas tropicais (nº 19/21662-8); Modalidade Bolsa de Pós-doutorado; Pesquisador responsável Luiz Eduardo de Oliveira e Cruz de Aragão (Inpe); Investimento R$ 203.497,56.

Artigos científicos
ZHANG, H. et al. Forest canopy changes in the southern Amazon during the 2019 fire season based on passive microwave and optical satellite observationsRemote Sensing. 8 jun. 2021.
SOUZA, F. T. et alA data-based model for predicting wildfires in Chapada das Mesas National Park in the State of MaranhãoEnvironmental Earth Sciences. v. 74, p. 3603-11. ago. 2015.

Este texto foi originalmente publicado por Agência Fapesp de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original.


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