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A medida pode revelar alterações complexas em habitats que não são visíveis com medições realizadas por satélites ou fotografias

Ecologia acústica é uma disciplina científica que nasceu da experiência do músico e ecologista Bernie Krause.

Você sabia que formigas, larvas de insetos e anêmonas-do-mar criam uma assinatura sonora? Cada ambiente selvagem no planeta, como a floresta amazônica, funciona como uma orquestra da natureza. Os ventos, insetos, répteis, anfíbios, pássaros, mamíferos e barulhos dos rios são instrumentos que têm seu papel na harmonia sonora dessas grandes composições. Cada paisagem sonora gera uma assinatura única e contém uma quantidade incrível de informação. Elas são ferramentas incrivelmente valiosas com as quais é possível avaliar a saúde de um habitat através de todo seu espectro de vida.

Fotografias e imagens de satélite são ferramentas importantes para acompanhar o desmatamento, mas nem sempre é possível detectar a degradação parcial por meio dessas imagens, já a sonoridade do ambiente pode revelar muito mais sobre o equilíbrio da biodiversidade. A utilização desse tipo de ferramenta para a medição da biodiversidade é conhecida como ecologia acústica (soundscape ecology).

Bernie Krause, que nasceu em Detroit, nos Estados Unidos, em 1938, passou mais da metade de seus 76 anos capturando sons naturais pelos quatro cantos do mundo. Ele trabalhou com grandes artistas como Bob Dylan, The Doors e Rolling Stones, e ajudou a criar os efeitos sonoros de filmes como “Apocalipse Now” e “O Bebê de Rosemary”. Ele foi um dos fundadores do campo da ecologia acústica e cunhou diversos termos que são largamente utilizados.

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O que é a ecologia acústica?

Para entender o que é ecologia acústica temos que analisar suas origens. Os primeiros estudos que envolviam paisagem sonora, de SouthWorth (1969), estudavam paisagens sonoras urbanas e o impacto delas nas relações humanas. Já nos anos 70, com a criação do Projeto das Paisagens Sonoras Mundiais, liderado por Raymond Murray Schafer, o conceito se ampliou. O músico Schafer costumava dizer que “o mundo é uma enorme composição musical, que se desenrola perante nós ininterruptamente. Nós somos simultaneamente a sua audiência, os seus performers e os seus compositores.”

O projeto tinha o objetivo de gerar conscientização sobre os efeitos sonoros nas relações e interações entre os seres humanos e os sons em um ambiente, incluindo orquestrações musicais, consciência aural e projetos acústicos.

Outro campo dentro dessa disciplina é a bioacústica, que estuda a comunicação dos animais, abrangendo comportamento, teoria da história de vida e a física de produção do som. No entanto, a maioria desses estudos se concentra em espécies individuais ou em comparações de espécies. Os registros de cantos de pássaros por ornitólogos são exemplos, como o canto do raríssimo pica-pau-bico-de-marfim, que tem seu som gravado em amostras.

Mas, o que defendem os teóricos como Krause, é que a fragmentação e descontextualização das paisagens sonoras do habitat torna impossível entender as razões das vocalizações, ou sua relação com os outros sons de animais emitidos no ambiente. A gravação de todos os sons juntos, permite o desenvolvimento de estudos com base em uma explicação contextual. A ecologia acústica tem perspectiva macro, e foca em todo o arranjo complexo de sons biológicos e outros sons ambientais que ocorrem em um local, sejam geológicos ou antropogênicos.

Ao explorar florestas equatoriais da África, Ásia e América Latina, o músico percebeu que os sons da natureza são profundamente conectados e revelam as relações do habitat. Como músicos em uma orquestra, as diferentes espécies harmonizam suas vocalizações, modulam em conjunto, e acompanham os sons naturais do habitat. Essa perspectiva holística da paisagem sonora foi divisora de águas.

Antes a técnica consistia em gravar a sonoridade de cada animal isolado, restringindo as pesquisas aos limites de cada vocalização. Para o músico, “isso era um pouco como tentar entender a magnificência da Quinta Sinfonia de Beethoven, abstraindo o som de um único violinista do contexto da orquestra e ouvir apenas essa parte”.

Em orquestras, os instrumentos são divididos em categorias como cordas, metais, percussões, madeiras, etc. Nas orquestras da natureza também existem divisões, já que as três fontes básicas da paisagem sonora são: geofonia, biofonia e antrofonia. A geofonia se refere aos sons não biológicos, como o vento nas árvores, água em uma correnteza, ondas nas praias, movimentos da Terra. A biofonia é todo o som que é gerado por organismos vivos, não humanos, no habitat. E a antrofonia é todos os sons produzidos por nós, humanos. Sejam sons controlados, como a música ou teatro, ou caóticos e incoerentes, como a maioria de nossos barulhos.

Mas como analisar essas paisagens sonoras?

Krause encontrou a prova cabal de que a ecologia acústica é uma medida para a biodiversidade em 1988. Nesse ano, ele ganhou permissão para registrar a paisagem sonora de Lincoln Meadow, uma área de manejo florestal localizada a três horas e meia de São Francisco, nos Estados Unidos, antes e depois de uma extração seletiva. Os biólogos e responsáveis pela madeireira convenceram a comunidade local que o método de extração, que consistia na derrubada de poucas árvores, não causaria impactos ambientais. O músico instalou seu sistema de gravação na campina e registrou um grande número de coros da madrugada, com protocolo bem restrito e gravações calibradas. Um ano depois retornou, no mesmo dia do mesmo mês, à mesma hora e sob as mesmas condições, e a paisagem sonora revelou uma situação completamente diferente, sem a harmonia anterior.

Como conta o músico, “retornei ao Lincoln Meadow 15 vezes nos últimos 25 anos, e posso dizer que a biofonia, a densidade e a diversidade daquela biofonia, não retornou ainda ao que era antes da operação”.

Analisando fotografias de Lincoln Meadow tiradas antes e depois do processo, da perspectiva da câmera ou do olho humano, nenhuma árvore ou galho parecem estar fora de lugar. Entretanto, a “música” capturada revela um cenário bem diferente. O mosaico sonoro de antes agora se limitava a um punhado carente de ruídos, com destaque a correnteza do rio e o martelar solitário de um pica-pau.

Os métodos tradicionais de avaliação de um habitat se dão pela contagem visual do número de espécies e indivíduos em uma dada área. “A captura visual implicitamente estrutura uma perspectiva frontal limitada de um dado contexto espacial, enquanto que as paisagens sonoras alargam esse âmbito para 360 graus, envolvendo-nos completamente”, explica Krause. Mas, estudiosos da ecologia sonora defendem que o método é muito mais preciso e permite analisar dados tanto na densidade quanto na diversidade, além da harmonia do habitat. “E enquanto uma fotografia vale por mil palavras, uma paisagem sonora vale por mil fotografias”, completa o músico.

De acordo com o músico Bernie Strauss, a concepção é relativamente simples: quanto mais musicais e complexas forem as propriedades acústicas de um habitat, mais saudável ele é. As biofonias fornecem muitas informações que propiciam o entendimento de nossas relações com o mundo natural. É possível ouvir o impacto da extração de recursos, do barulho humano e da destruição do habitat. A paisagem sonora indica padrões que revelam o grau de saúde do habitat: se a relação não for saudável, os padrões bioacústicos serão caóticos e incoerentes.

Depois da Revolução Industrial, as paisagens sonoras começaram a desaparecer completamente em ritmo crescente, ou se transformaram em uma nuvem homogênea de sons urbanos contemporâneos. No livro “A grande orquestra da natureza”, Krause comenta que 50% de seu material vêm de habitats tão radicalmente alterados que estão completamente silenciosos, ou não mais podem ser ouvidos em quaisquer de suas formas originais. “Em muitos desses lugares, as alterações sonoras acontecem num ritmo assustador, como as geleiras do Kilimanjaro e de Glacier Bay, ou os recifes de coral”, explica.

Confira no vídeo (com legendas) a palestra de Bernie Krause ao TED Talks.

As belas melodias da natureza

No livro, o músico ainda mostra como as gravações nos ajudam a entender manifestações emocionais dos animais. Krause capturou o choro de um castor após perder sua família em uma explosão, e revela que foi o som mais triste que capturou em toda sua trajetória.

Mas, além disso, há detalhes de lindas melodias da natureza, como o canto dos casais de gibão da Indonésia. O músico conta que uma tribo de Bornéu considerava que o belo canto dos gibões era o que fazia o sol nascer.

A experiência da ecologia acústica revela a importância de prestarmos mais atenção aos sons da natureza, talvez isso gere um processo revelador que permita uma reflexão de nosso impacto no meio ambiente. Sem dúvidas, a experiência reconfortante da escuta dos sons da natureza educa os sentidos.

Escute mais sons na “A grande orquestra da natureza” de Bernie Krause


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